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Advogado questiona causas que envolvem suicídio de detenta em presídio de Bubu

Falta de medicamentos e de visitas estão entre as irregularidades permitidas pelo Estado e Judiciário, denuncia

Secom

O que está por trás da morte de uma interna, ocorrida entre os dias 30 de abril e 1º de maio no Centro Prisional Feminino de Cariacica (CPFC), conhecido como Presídio de Bubu? O questionamento é do advogado Antonio Fernando Moreira, que protocolou um pedido de informações sobre o caso à Delegacia de Crimes Carcerários e Socioeducativos, em Vitória.

Segundo o governo do Estado, trata-se de suicídio. “A Secretaria da Justiça (Sejus) informa que o caso foi registrado no Centro Prisional Feminino de Cariacica no dia 30 de abril. A ocorrência foi registrada junto à Polícia Civil como suicídio”, afirma, em nota, a pasta à qual a gestão do presídio está vinculada.

O advogado levanta, no entanto, a necessidade de responsabilizar o Estado e o Judiciário capixabas pelas condições que levaram a detenta a atentar contra a própria vida, considerando todo um histórico de violações de direitos, como acesso a medicamentos controlados – que faltaram no feriado em que ocorreu a morte, segundo Antonio Fernando Moreira – e visitas familiares e íntimas.

“A responsabilidade pela morte é da direção do presídio e da omissão e leniência do Judiciário em fiscalizar as falhas da gestão”, acusa, citando caso semelhante, noticiado em Século Diário, em que a responsabilidade do Estado pelo suicídio de uma interna foi reconhecida pela Justiça, que determinou indenização à família

Especificamente sobre as visitas, o advogado destaca um habeas corpus impetrado por ele e que aguarda decisão do Tribunal de Justiça (TJES) desde o final de março. “O desembargador [Julio Cesar Costa de Oliveira] não aceitou que eu seja o impetrante do habeas corpus, decidiu que precisa ser uma entidade, como a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] ou a Defensoria Pública. Eu já comuniquei à OAB várias vezes, formal e informalmente, a Manoela [presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Manoela Soares Araújo Santos] tem total conhecimento. Mas o desembargador ainda resiste em fazer a comunicação oficial. As entidades, sabendo do processo por qualquer meio, podem requerer o seu ingresso, mas eu sustento que o desembargador tem o dever de notificar essas entidades”, aponta.

O habeas corpus pede que o Tribunal de Justiça “assegure o direito de visita às presas provisórias nos mesmos moldes que recebem as presas condenadas, vale dizer, incluindo visita íntima e ‘visita com contato físico’, no mínimo de duas horas e semanal”.

A peça jurídica, explica, foi originalmente impetrada em 2022, mas negada pela juíza Patrícia Faroni. Em sua sentença, ela alega que “ao diretor de unidade prisional, cabe cumprir com as normas ditadas pela Sejus. Sendo assim, este juízo não é competente para apreciar o pleito, já que a autoridade coatora aqui é o ilustre secretário de Justiça. Em conclusão, deve o presente remédio constitucional ser remetido ao Egrégio Tribunal de Justiça”.

O advogado reitera que “está tentando há mais de um ano ter acesso aos relatórios de inspeção penal, que são mensais. Já pedi via LAI [Lei de Acesso à Informação], ela negou, alegando que são dados sigilosos. Deixei claro que não quero dados pessoais. LAI deixa claro que precisa separar o que é dado sigiloso/pessoal. Eu recorri ao presidente do TJES [Fabio Clem de Oliveira]”, relata. A diretora do presídio de Bubu é Gracielle Sonegheti.

Antonio Fernando Moraes explica que as visitas permitidas às internas provisórias são mais restritivas que as das condenadas, o que é uma ilegalidade. “Elas não têm visitas. Tem algumas provisórias que estão lá dentro há quatro, cinco anos, tendo somente contato visual por placa de acrílico e interfone. Estou tentando mobilizar um mutirão. Tem mães lá dentro que não têm ninguém para dizer que são mães, que precisam ter as visitas de seus filhos. A Defensoria Pública não vai com a frequência necessária no presídio, muitas vezes somente na audiência, meses depois que a mulher entrou no presídio”, roga.

Histórico de violações

No pedido de habeas corpus, ele menciona “o histórico do Estado do Espírito Santo em violar os direitos mais elementares dos presos, o que o levou a ser laboratório de precedentes em casos de violações massivas, ininterruptas e regulares aos direitos dessa coletividade”. E afirma que “é estupefaciente que esta indignidade persista, até hoje, sem qualquer provocação ou intervenção do Poder Judiciário, que inspeciona, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento”.

A peça jurídica ressalta a falta de cumprimento das Regras de Bangkok, que foram aprovadas pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) – Resolução 16/2010 – e difundidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tornando-se as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas – a versão feminina das Regras de Mandela. São também afirmadas, ressalta, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), Supremo Tribunal Federal (STF) e Judiciário capixaba.

No documento, o advogado transcreve as regras 43 e 28. A primeira estabelece que cabe às autoridades prisionais o dever de “incentivar e, onde possível, também facilitar visitas às mulheres presas como um importante pré-requisito para assegurar seu bem-estar mental e sua reintegração social”.

Nesse contexto, afirma, “é indecoroso que se tenha que bater à porta do Poder Judiciário para fazer valer esse direito elementar do preso e dos seus familiares. Todas as presas devem ter visitas normais – e também visitas íntimas, conjugais -, não só as condenadas. É um escárnio que o presumidamente inocente tenha maior privação de direitos que o condenado. É ridículo que os presos insistam com seus advogados para serem logo condenados, e assim poderem viver de forma parecida com seres humanos, tendo contato físico com seus familiares”.

A segunda Regra de Bangkok especifica que “as visitas que envolvam crianças devem ser realizadas em um ambiente propício a uma experiência positiva, incluindo no que se refere ao comportamento dos funcionários/as, e deverá permitir o contato direto entre mães e filhos/as. Onde possível, deverão ser incentivadas visitas que permitam uma permanência prolongada dos/as filhos/as”.

Ou seja, reforça Antonio Fernando, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar, como afirma o artigo 227 da Constituição Federal. E não há convivência familiar atrás de uma placa de acrílico transparente”.

Demandada para se pronunciar sobre o caso do suicídio no presídio de Bubu, a presidente da Comissão de Direitos da OAB-ES não respondeu até o fechamento desta edição.

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