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Arma que matou Pedro Nacort pode ter sido usada em outros homicídios em Vitória

Os homicídios registrados no Morro da Piedade, em Vitória, chamam a atenção da sociedade capixaba. O modus operandi dos crimes, no entanto, são semelhantes a outros do passado. Assassinatos, duplos-assassinatos ou chacinas, cujas vítimas são jovens de periferia, com suspeita de participação de agentes públicos ou de grupos rivais ligados ao tráfico, geralmente encapuzados. Além disso, investigações que não são capazes de indicar autoria, inquéritos que se prolongam por quase 20 anos, prescrevendo antes mesmo de chegar à Justiça, e julgamentos com falhas. 

Recentemente, a Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Espírito Santo (AMAFAVV), representada por Maria das Graças Nascimento Nacort, solicitou o desmembramento do processo (0019331-34.1999.8.08.0024) da 1ª Vara Criminal de Vitória e do Júri do Estado do Espírito Santo contra os policiais militares Jeferson Zambalde de Torezane e Erivelton de Souza Pereira, acusados de emprestar a arma usada no assassinato de seu filho, Pedro Nacort Filho, respectivamente absolvido e condenado no processo. O pedido é para que se investigue a possível participação de Torezane, que é policial militar, em outros crimes. Erivelton, conhecido como Diabo Louro, além de condenado, foi expulso da PM em 2015. Já Torezane permanece na Corporação. 

O motivo: exames preliminares de microcomparação balística de projetis recolhidos nos locais dos crimes e nos corpos de jovens assassinados indicaram que a arma que matou Pedro Nacort, no dia 20 de junho de 1999, pode ser a mesma utilizada em dois outros crimes, sendo um deles uma chacina. O primeiro ocorreu no dia 2 de outubro de 1999, quando os jovens Arilson José Rocha dos Santos, Walter Merçon Barboza e Marcio Lucas Gurtler foram mortos no Bairro República, em Vitória. O outro, o homicídio de Luiz André Vieira, filho do rei momo Luiz Vieira, no dia 22 de janeiro de 2001, em Goiabeira, também na Capital. 

Há fortes indícios, como aponta o documento, de que uma das armas utilizadas nos dois crimes foi a pistola da marca Taurus, modelo PT58HC, calibre 380, que encaixa projetis de 9mm, restrito ao uso militar. A arma era apontada, na época do assassinato de Pedro Nacort, no início dos anos 2000, como de propriedade do PM Jeferson Zambalde de Torezane. 

“Após dezenove anos passados das ocorrências dos crimes,, nada mudou no cenário de chacinas no Estado. Pelo contrário, o inquérito que investiga a chacina de Bairro República, nesta capital, ainda continua como um singelo inquérito com início e sem fim. E a família em luto, morrendo aos poucos, não acreditando no sistema e na Justiça. A Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo – conectada com a rede contra a violência no Brasil e no exterior – não compactua com essa inércia do Estado, da Justiça, do Ministério Público e da Polícia”, diz o documento, assinado pelo advogado da entidade, Marcos Valério Lima Barbosa.

O documento requer, em caráter de urgência, que o juiz da 1ª Vara Criminal de Vitória oficie o comando da Polícia Militar e a Secretaria de Estado da Segurança (Sesp) para recrutar equipes de investigação dos municípios em que os crimes ocorreram para identificar os autores, além de possível envolvimento do crime organizado nos homicídios. Também solicita ao Ministério Público que tais autores sejam denunciados e pronunciados. 

O crime

O primeiro julgamento do caso Pedro Nacort foi realizado em maio de 2009, mas Erivelton e Jeferson, acusados de emprestar a arma usada para assassinar o jovem, foram absolvidos. O segundo júri foi realizado em novembro de 2011 e o Tribunal do Júri de Vitória condenou apenas Erivelton a 18 anos de prisão e à perda da patente de soldado pelo crime. A prisão, no entanto, só aconteceu em 2014, por conta dos recursos em instâncias superiores.

Pedro, na época do crime, aos 26 anos de idade, morava com a mãe num apartamento na rua Sete de Setembro, no Centro de Vitória. Era flanelinha, tinha disritmia cardíaca e tomava remédios controlados. No dia do assassinato, Pedro saiu de casa pouco depois da meia-noite para comprar cigarros e não voltou. Maria das Graças ouviu seguidos estampidos que pensou serem fogos de artifício. Cerca de 15 minutos depois, policiais a chamaram pelo interfone do prédio para reconhecer o corpo do filho, atingido com 22 tiros, oito deles no rosto.

Maria das Graças, na sua luta incansável por justiça, investigou, reuniu provas e acabou descobrindo o envolvimento de uma mulher com quem Pedro havia rompido um relacionamento dez dias antes do crime, e chegou ao nome de PMs. A investigação identificou a arma do crime, que pertencia, de acordo com o exame balístico, a um dos policiais, Torezane.

Mesmo com as comprovações de que o PM teria emprestado a arma que foi usada na morte de Pedro Nacort, o militar teve, depois de absolvido, a pistola devolvida por determinação do juiz da 1ª Vara Criminal de Vitória, em 24 de maio de 2016.

Crime organizado 

O advogado da Associação, Marcos Valério Lima Barbosa, também teve um filho assassinado no dia 10 de julho de 2015. Filippo Pelis Barbosa, então com 29 anos, foi morto na garagem do prédio onde morava na Praia da Costa, Vila Velha. Nesse caso, a entidade também ingressou com processo na 6ª Vara Criminal de Vila Velha.  

O assassino confesso do jovem, Georges Tannous Boueri Neto, conhecido como El Demônio, que estava foragido, foi assassinado na Bahia em 21 de abril de 2016, mas Marcos Valério luta para comprovar que houve envolvimento de agentes públicos na facilitação da fuga do criminoso. Cerca de um ano depois do crime, no dia 24 de abril de 2016, mesmo preso, Georges foi internado sob escolta em um hospital particular localizado no bairro Divino Espírito Santo, também em Vila Velha, de onde escapou. 

Segundo o advogado, um servidor que acompanhava o detento teria sido rendido por dois homens e algemado dentro do hospital. Com o agente imobilizado, a dupla saiu da unidade pela porta da frente. Eles teriam fugido em um veículo que os aguardava no estacionamento. Georges El Demônio faria parte do Cartel da Ilha (dos Ayres), com atuação em Vila Velha e Guarapari.

De acordo com o pai do jovem assassinado, há indícios de que facções criminosas atuam na estrutura do governo do Estado, facilitando, por exemplo, fugas de detentos do sistema prisional. O advogado luta para que os crimes de organização criminosa dirigida à prática de corrupção passiva, prevaricação, corrupção ativa e facilitação da fuga sejam apurados e os envolvidos punidos e afastados.

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