Entre os 200 mil atingidos da ação, indígenas Krenak acompanham a audiência, que segue até sexta-feira
Os argumentos em defesa dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP no Rio Doce iniciaram o segundo dia dos trabalhos no Tribunal de Apelação em Londres, na manhã desta terça-feira (5).
A audiência se estende até sexta-feira (8) e irá decidir se a Corte britânica vai aceitar a ação movida por 200 mil atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais contra a mineradora anglo-australiana.
A BHP Billiton é, junto com a Vale, uma das controladoras da Samarco, joint-venture responsável por administrar a barragem de Fundão, que rompeu em 2015 em Mariana/MG, lançando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração, configurando o maior crime socioambiental da história do país. Há margem legal no Reino Unido para que empresas com sede britânica sejam culpabilizadas por crimes cometidos em outros países.
O processo foi ajuizado em 2018 pelo escritório PGMBM, formados por advogados britânicos, brasileiros e estadunidenses, e visa alcançar medidas de reparação ainda não definidas pela Justiça do Brasil. Os representados na ação incluem pessoas físicas, prefeituras e empresas.
No primeiro dia de julgamento, nessa segunda-feira (4), um painel de três juízes seniores do Tribunal de Apelação de Londres – Lord Justice Underhill, Lady Justice Carr e Lord Justice Popplewell – ouviu a equipe jurídica do PGMBM, liderada pelo advogado Alain Choo-Choy, em nome dos autores do processo. Até o final da semana, também serão ouvidos os argumentos da empresa. Posteriormente, os juízes irão divulgar sua decisão.
A defesa das vítimas, até agora, se concentrou em discutir se o tribunal de primeira instância estava certo ao negar, por duas vezes seguidas, em aceitar o caso, ou se o Tribunal de Apelação deveria reverter aquelas decisões e permitir que o caso contra a BHP prossiga na Inglaterra.
Em novembro de 2020, o tribunal de primeira instância rejeitou o caso, alegando que o Brasil seria o local apropriado para o processo, e que a processo judicial na Inglaterra seria impossível de administrar e configuraria abuso processual.
Em julho de 2021, um painel de juízes do Tribunal de Apelação (formado pelo Lord Justice Geoffrey Vos, chefe da Divisão Civil do Tribunal de Apelação, Lord Justice Nicholas Underhill, vice-presidente do Tribunal de Recursos, e Lady Justice Sue Carr) reabriu o processo e concedeu permissão para recorrer da decisão negativa de 2020, dando origem à audiência que acontece nesta primeira semana de abril.
‘Tiraram nossa energia e força espiritual’
Um grupo que faz parte das mais de 200 mil pessoas representadas pelo PGMBM no caso contra a BHP está no Reino Unido para acompanhar de perto a audiência. Entre eles, estão representantes da comunidade indígena Krenak, prefeitos e procuradores-gerais.
Euzileny Tormiak Krenak, da comunidade indígena Krenak, comentou em Londres o impacto da tragédia de Mariana sobre o Rio Doce nas vidas de sua comunidade, que também é cliente do caso: “Nós vemos nesse processo nossa única chance de ser reparados por essa perda. Eles tiraram a nossa fonte de alimento, de trabalho, de sobrevivência. Tiraram nossa energia e força espiritual”.
“O Watú Nék [Rio Doce] para os Krenak é sagrado, como uma mãe. Ele nos trazia comida, cura, alegria, comunhão. A gente falava e ouvia seu chamado. Hoje ele está em silêncio e nós estamos tentando nos encontrar de novo. Eles silenciaram nosso rio, mas nunca vão silenciar a nossa voz. Os Krenak Burum cobram justiça para o rio sagrado Watú”.