Integrantes do Fórum das Carreiras Típicas do Espírito Santo (Focates) se mobilizam para ações imediatas contra a deliberação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que autorizou a contratação de consultorias privadas para prestação de serviço visando à recuperação de créditos. A decisão do TCE-ES, proferida no último dia 17, é interpretada pelas categorias como política, já que contraria o voto do relator, os pareceres das áreas técnicas e a manifestação do Ministério Público de Contas do Estado (MPC).
Para os membros do Focates, entre os quais se incluem consultores do Tesouro Estadual, auditores de Controle Externo e auditores fiscais municipais, a mudança de posicionamento do TCE, que ainda autorizou a inexigibilidade de licitação para contratação das referidas consultorias, a depender do valor, fere o artigo 7º do Código Tributário Nacional (CTN), uma vez que, pela referida lei (5.172 de outubro de 1966), “a competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição”.
O artigo, segundo o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual (Sindifiscal-ES), é claro ao afirmar que a delegação só pode ser feita por uma pessoa de direito público a outra (União, Estado, Distrito Federal e Territórios, município ou autarquias) e não por uma pessoa de direito público à iniciativa privada – terceirização esta que culminou na deflagração da Operação Derrama, cuja primeira fase ocorreu em janeiro de 2013, como aponta a entidade, lembrando das prisões de dez prefeitos e outras 21 pessoas, após suspeita de que uma empresa de consultoria contratada sem licitação para arrecadar tributos das prefeituras rateava os valores arrecadados entre empresários e servidores municipais, configurando desvio de dinheiro público.
Para as entidades de representação das carreiras típicas de Estado, além do risco da terceirização, usurpação de prerrogativa e a quebra do sigilo fiscal e bancário, o que é vedado pela Constituição, a medida torna o Poder Público mais vulnerável à corrupção. “No Espírito Santo, por exemplo, o novo posicionamento do TCE pode construir e consolidar a ambiência necessária para que o processo que ainda tramita relativo à Operação Derrama seja arquivado, sepultando a continuidade das investigações sobre as irregularidades constatadas pela operação policial”, afirma o Sindicato em nota.
“A inconcebível aprovação do presente prejulgado facilitaria a celebração de acordos espúrios com o propósito de desviar recursos públicos ainda na origem, isto é, junto aos próprios contribuintes por intermédio da atuação de empresas de consultoria tributária e fiscal com ascendência – ou poder de coordenação e orientação – sobre o corpo de servidores da administração tributária”, alertava em agosto do ano passado o procurador especial de Contas Heron Carlos Gomes de Oliveira, em parecer-vista contrário à contratação de consultorias e assessorias privadas para a recuperação de créditos tributários.
Dados os riscos institucionais, o Focates e o Sindifiscal-ES já acionaram seus respectivos setores jurídicos, o Parlamento, os órgãos de fiscalização e as entidades nacionais que representam carreiras típicas ligadas à Administração Tributária.
Legislação capixaba
A decisão tomada no Espírito Santo difere da de outros órgãos de fiscalização e controle da administração financeira dos estados. Em nível de comparação, no Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP) há uma súmula de jurisprudência (número 13) que veda a prática autorizada pelo TCE. “Não é lícita a contratação pelas Prefeituras Municipais de terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas, para revisão das Declarações para o Índice de Participação dos Municípios – DIPAMs, a qual deve ser feita por servidores públicos locais, valendo-se do auxílio da Secretaria Estadual da Fazenda”.
Além de divergente, o julgamento do TCE-ES pode se tornar ainda mais lesivo à Administração Tributária e à sociedade, uma vez que a conclusão pode ser importada em nível estadual e até por outras Unidades da Federação. Isso porque o prejulgado – processo no qual o Tribunal de Contas decide sobre a aplicação de uma tese jurídica de maneira ampla e não apenas em um caso concreto – será aplicável a todos os órgãos públicos estaduais e municipais.
Em manifestação, feita em parecer contrário à liberação da contratação de consultorias para recuperação de créditos tributários, o MPC-ES notifica a Corte de Contas sobre o risco de repercussão. “Uma possível resposta positiva às questões formuladas permitiria que a Sefaz também contratasse empresa para, na prática, substituir os auditores fiscais [da Receita Estadual] nas atividades de natureza contínua e privativas de servidores públicos integrantes do quadro permanente da Administração Pública Estadual”, alertou.
A decisão do TCE-ES pode afetar também, como aponta o Sindifiscal, a Operação Camaro, cujo objetivo foi combater organização criminosa responsável por fraudes em licitações, corrupção de servidores públicos, desvio de recursos e compensações fraudulentas de tributos. Os contratos, firmados entre o Instituto de Gestão Pública (Urbis) e diversos municípios capixabas seriam resultado de processos licitatórios fraudulentos e previam a prestação de serviços visando à recuperação de créditos decorrentes de contribuições previdenciárias supostamente indevidas. A Operação foi deflagrada em 2012.