A ação penal, tombada sob nº 0012606-67.2015.8.08.0024, tramita na 6ª Vara Criminal de Vitória desde o último dia 27 de abril. Desde então, os dois juízes naturais – Cláudia Vieira de Oliveira Araújo, titular da Vara, e Paulo Sérgio Bellucio, seu substituto legal – se declararam suspeitos para atuar no processo. No dia 2 de julho passado, o juiz Marcelo Menezes Loureiro determinou o recebimento da denúncia – ou seja, Calú passou a ser réu na ação, que tem como vítima o juiz Carlos Eduardo. O empresário é acusado da chamada tríade dos crimes contra a honra (calúnia, injuria e difamação), cujas penas somadas variam de oito meses até três anos e seis meses de reclusão.
Apesar da eventual prática dos crimes não levar ninguém para a cadeira, esse tipo de ação está se tornando rotineira, sobretudo, por autoridades capixabas – entre elas, políticos, membros do Judiciário e do Ministério Público –, com objetivo de intimidar as pessoas que se manifestem contra elas. No caso do juiz Carlos Eduardo, ele cita uma entrevista dado por Calú ao jornal ES Hoje em maio de 2014, em que criticou a ocorrência da suposta fraude processual no processo que apurou a morte do juiz Alexandre. Esse mesmo tópico foi abordado durante quase todo o júri popular, realizado na semana passada, que culminou com a absolvição do empresário da acusação de mando do crime, por votação unânime dos jurados (sete a zero).
Na entrevista, Calú mencionou o fato do juiz Carlos Eduardo ter sido nomeado pelo então presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), desembargador Alemer Ferraz Moulin (já aposentado), para atuar na instrução da primeira ação, que tratou dos executores da morte do juiz Alexandre. No entendimento do empresário, o que foi reforçado pela defesa no júri, o fato teria prejudicado todo “ordenamento jurídico do processo” em função da ligação entre os dois juízes – suposta relação de amizade essa que foi rebaixada pelo próprio Carlos Eduardo, que afirmou no seu depoimento que era apenas “colega de trabalho” de Alexandre, e não amigo próximo, como fez crer durante quase toda a década seguinte ao crime ocorrido em março de 2003.
Na denúncia protocolada na Justiça com meras três laudas (páginas), o promotor de Justiça, Ivan Soares de Oliveira Filho, repete praticamente os termos da representação criminal feita pelos advogados de Carlos Eduardo – que foi endereçada ao procurador-geral de Justiça, Eder Pontes da Silva. A petição inicial destaca ainda o fato de Calú ter sido denunciado como um dos mandantes da morte e de que a entrevista à publicação teria ofendido a honra de Carlos Eduardo “ao denegri-lo como juiz perante a sociedade e ainda atingido a honra subjetiva do magistrado”.
Em resposta à acusação, a defesa de Calú denunciou o que chamou de “comercialização da tragédia”, justamente em função dos desdobramentos na vida dos principais atores do caso após a morte do juiz Alexandre. “A tragédia que foi a morte de um juiz de Direito, de reputação inabalável, o que não vai mudar se o crime que o vitimou foi um assassino ou um latrocínio, que já gerou livros, diversas ações de indenização por dano moral (além das criminais, por óbvio), dividendos eleitorais, pulula mais uma ação com fins duvidosos”, afirmou.
A defesa também afasta a ocorrência de qualquer tipo de crime na entrevista concedida e o tratamento dado pela mídia às controvérsias em torno do crime: “O ora acusado afirma que o processo que responde como mandante do assassinato do Juiz Alexandre é uma fraude. Em nenhum momento acusou a pretensa vítima [Carlos Eduardo] – seja na condição de Juiz do processo, seja na condição de testemunha, seja na condição de escritor – de cometer qualquer crime. […] A grande mídia publica a todo tempo as mais diversas informações sobre o crime – geralmente encampando a tese dos seus patrões, qual seja, a tese do crime de mando -, mas nunca tiveram o interesse de ouvir o ora acusado”.
Apesar de o documento ter sido protocolado no final de julho, bem antes da realização do júri, a defesa de Calú indicou o fato de que a ação penal foi ajuizada às vésperas do julgamento. O texto também reivindicou o princípio da “plenitude de defesa”, que é admitido no Tribunal do Júri. “Inclui-se na plenitude de defesa, o direito do acusado ir à imprensa expor sua versão dos fatos. Afinal, os potenciais jurados são bombardeados a todo tempo com informações sobre o crime. Teses e teses são escritas sobre a influência da mídia como fator determinante para condenação de réus no plenário”, narra um dos trechos da resposta à acusação.
Além disso, a defesa do empresário também moveu uma ação de exceção da verdade contra o juiz Carlos Eduardo, que funciona como um processo paralelo, em que o acusado pode demonstrar que o fato imputado a outrem é verídico. O pedido ainda não foi apreciado pelo juízo da 6ª Vara Criminal. No entanto, o julgamento deste questionamento tem tudo para reabrir o caso. Uma vez que todos os desdobramentos nas investigações devem voltar a ser apurados.
Tanto que os defensores de Calú solicitaram a oitiva de nove testemunhas, entre elas, algumas que estiveram no júri – casos do perito Mauro Juarez Nadvorny e do executor do crime, Odessi da Silva Martins Júnior, o Lumbrigão –, além de outras que não participaram do julgamento, mas estão de alguma forma relaciona ao caso, a exemplo do ex-desembargador Alemer Moulin; do então secretário de Segurança Pública na época do crime, Rodney Miranda (DEM), atual prefeito de Vila Velha; do juiz Vladson Bittencourt, que seria o juiz natural dos processos do Caso Alexandre; e do antropólogo Luiz Eduardo Soares, co-autor do livro “Espírito Santo”, que conta detalhes sobre o caso, juntamente com Carlos Eduardo.
De acordo com informações do sistema processual do TJES, o juiz Carlos Eduardo também está processando outro advogado de Calú, Leonardo Picoli Gagno. A ação ordinária tramita na 5ª Vara Cível de Vitória desde abril de 2011. Durante o júri, o causídico relatou que foi acionado judicialmente pelo magistrado em função de declarações à imprensa sobre o caso. Também figura no processo tombado sob nº 0012015-47.2011.8.08.0024, o advogado carioca Último de Carvalho, que também defendia o empresário. O jurista foi um dos primeiros a denunciar a montagem da farsa do crime, tanto que levou o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, ele e Léo Gagno acabaram sendo processados pelo juiz.
Essa mesma representação do advogado ao CNJ foi tema de reportagens do jornal Século Diário no ano de 2009, fato que acabou culminando na condenação judicial à publicação para o pagamento de indenização por danos morais ao magistrado – inicialmente fixada em R$ 500 mil no juízo de 1º grau e reduzida para R$ 40 mil após recurso no TJES – e também a retirada do ar das citadas matérias. Na época, a sentença de 1º grau havia proibido o jornal até mesmo de citar ou fazer menção ao nome do juiz Carlos Eduardo. Somente neste caso, o magistrado faturou R$ 330 mil em condenações judiciais após a morte do juiz Alexandre Martins.