Estarrecedor. Assim representantes de entidades que defendem os direitos humanos reagiram ao caso de Priscila Simonelli Matos, de 28 anos. Presa com dois meses de gestação, a jovem passou toda a gravidez em uma cela comum, apesar de o presídio onde estava ter vagas no berçário, local para grávidas e mulheres com bebês. Priscila relata episódios de tortura e maus-tratos que sofreu até o nono mês de gestação.
O trabalho de parto teve início na cela, onde ela começou a perder o líquido amniótico. Foi levada ao hospital algemada e com escolta e assim permaneceu a maior parte do tempo até a alta. “Estou estarrecido, indignado e revoltado. Isto é o que o governo e o poder judiciário apresentam como modelo para o Brasil? Homens e mulheres servidores públicos que obrigam uma mulher a dar à luz algemada é a violência mais brutal e desumana que possa ocorrer. Pensei que já tinha visto todas as atrocidades no sistema prisional capixaba, mas infelizmente estava enganado”, disse o representante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH- Serra), Gilmar Ferreira.
Relato
Priscila foi presa por suspeitas com envolvimento com o tráfico em julho de 2017. À época, estava no segundo mês de gestação. No tempo de prisão, uma série de maus-tratos.
“Fui pra uma cela, mesmo pedindo pra ir pro berçário. Era um lugar quente, sem ventilação. Na minha cela, estavam oito mulheres para seis camas, duas dormiam no chão. Durante o dia, a água era desligada e davam um litro pra gente beber. A comida era pouca e servida muito cedo. O café vinha 5 da manhã, depois só o almoço. O jantar às 17h e depois mais nada. Mesmo perto dos nove meses, era obrigada a agachar. Chorava de dor, mas tinha que fazer. Inalei spray de pimenta, que era jogado em outras celas pelas agentes quando elas achavam que as presas tinham aprontado alguma coisa. Fiquei 15 dias sem tomar banho de sol, como represália a entrevistas dadas pelas presas a uma TV”.
No momento do parto, mais horrores: “Já comecei a perder o líquido amniótico e sentir as dores dentro da cela. Mesmo assim, fui algemada e fui com escolta para o hospital. Dei sorte de estar com uma equipe considerada ‘boa’ e fui pra sala de cirurgia sem algemas, mas passei o resto do tempo algemada, até ter alta. Ficava sentada, algemada nos pés, e com o bebê no colo. Só tiravam quando ia ao banheiro. Foi muito sofrimento. Eu chorava o tempo todo”.
Para Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH- Serra), o relato da jovem pode caracterizar crime de tortura. “O agachamento é parte de um procedimento de revista dos presos chamado de 17 passos, estabelecido numa portaria antiga da Secretaria de Estado de Justiça (Sejus). Sempre consideramos prática torturante, que se torna ainda mais violenta quando aplicada a mulheres e grávidas. Viola o princípio da dignidade”.
Erro
O pior, segundo a Defensoria Pública do Estado, é que todo o sofrimento da jovem Priscila poderia ter sido evitado. De acordo com a defensora Roberta Ferraz, num levantamento que a entidade fazia para identificar as presas provisórias lactantes, grávidas e com filhos até 12 anos no sistema carcerário capixaba, que poderiam ser beneficiadas pelo habeas corpus coletivo do Supremo Tribunal Federal (STF), foi verificado que Priscila teve a liberdade provisória concedida desde seis de março deste ano. Por um erro, o cartório não emitiu o alvará. Com a intermediação dos defensores, Priscila só ganhou a liberdade no último dia 17 de abril, duas semanas depois do nascimento do bebê.
“Para nós, foi uma notícia estarrecedora. Eu não tinha conhecimento de casos como este no Espírito Santo. Sabia de situações dessas ocorridas em São Paulo e no Rio e que, inclusive, foram narradas na defesa do habeas corpus coletivo no Supremo em fevereiro deste ano”, disse Roberta, que completou: “Foi uma sucessão de erros. Oficiamos todos os órgãos que compõem o sistema de justiça do Estado e a Sejus, pedindo que apurem o caso. Quando se analisa os relatos, há indícios do crime de tortura”.
Habeas corpus coletivo
No dia 20 de fevereiro deste ano, a 2ª Turma STF concedeu um habeas corpus coletivo beneficiando todas as presas provisórias brasileiras (grávidas e com filhos até 12 anos) com prisão domiciliar. Até o então, no Estado, as beneficiadas continuam presas. Isso porque o Tribunal de Justiça negou um pedido liminar de habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública em favor de 193 mulheres. Na decisão, a desembargadora substituta Cláudia Vieira de Oliveira Araújo relatou que não cabia ao Tribunal, naquele momento, decidir sobre o caso.
Conselho de Direitos Humanos
Para a presidente interina do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), Deborah Sabará, é importante que os presos provisórios e condenados do sistema prisional capixaba saibam que, de acordo com a Lei Estadual 5.165/95 (que criou o CEDH), os conselheiros “têm acesso a todas as dependências de unidades prisionais estaduais e estabelecimentos destinados à custódia de pessoas para o cumprimento de diligências”.
“Em casos como esses, os familiares podem entrar em contato com o Conselho para que possamos agir. São 35 unidades prisionais no Estado, mas, quando acionados, vamos averiguar a situação com ajuda de parceiros como OAB [Ordem dos Advogados do Brasi] e Defensoria”, explicou Deborah.
CEDH
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