O procurador-geral de Justiça, Eder Pontes da Silva, criticou a possibilidade de extinção da ação de improbidade contra o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) sobre o escândalo do “Posto Fantasma”. O arquivamento do feito – julgado improcedente na primeira instância – havia sido levantado pela desembargadora Eliana Junqueira Munhós Ferreira, que analisa o recurso do Ministério Público Estadual (MPES) contra a sentença de mérito. A relatora sustentou que a atribuição de investigar denúncias contra o atual e os ex-chefes do Executivo seria exclusiva do chefe do MPES, mas o procurador-geral defendeu a atuação dos promotores de Justiça.
Na decisão publicada nesta quinta-feira (30), a desembargadora voltou atrás em seu posicionamento e determinou a continuidade do exame do recurso do MPES contra a absolvição de Hartung e mais sete pessoas no processo. No recurso, o órgão ministerial pediu a nulidade da sentença prolatada pela juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Telmelita Guimarães Alves, que afirmou não ter ocorrido desperdício de dinheiro público nas obras do Posto Fiscal São José do Carmo, em Mimoso do Sul, onde foram gastos mais de R$ 25 milhões apenas com obras de terraplanagem (foto abaixo).
A mais recente polêmica entre o Tribunal de Justiça e o Ministério Público começou no início deste mês, após uma decisão de Eliana Munhós que encaminhou os autos do processo ao chefe do órgão ministerial para que, querendo, emendasse a denúncia inicial em relação ao governador do Estado. Neste caso, as investigações foram conduzidas pelo promotor Dilton Depes Tallon Neto. Para a desembargadora, a Lei Orgânica do Ministério Público garantiria ao chefe do parquet a atribuição exclusiva de protocolar ações civis públicas contra governadores de Estado, possibilidade que também seria estendida aos ex-chefes do Executivo.
Na ocasião, a magistrada chegou a cogitar o encerramento da ação somente contra Hartung, mantendo a tramitação do recurso do MPES contra a sentença de 1º grau contra os demais réus. Entretanto, a resposta de Eder Pontes veio na forma de críticas ao posicionamento da magistrada, considerado pelo procurador-geral como uma inovação “não apenas na ordem jurídica, como também na dialética recursal”. O chefe do órgão ministerial alegou que a medida sugerida por Eliana Munhós criaria “um privilégio pessoal ao ex-ocupante do cargo de governador, o que se releva incompatível com o princípio republicano e com o Estado Democrático de Direito”.
Na mais recente decisão, Eliana Munhós voltou a defender sua tese, mas aproveitou a ocasião para criticar o suposto “excesso de palavras” por parte do chefe do MP capixaba que, segundo ela, seria “indesejado no âmbito processual”. Sobre a possibilidade de emenda à denúncia inicial, Eliana Munhós alegou que não teria a obrigação de fazer qualquer reparo à atuação do promotor do caso sob pena de ferir a independência do Ministério Público. Apesar disso, a relatora considerou que a manifestação de Eder Pontes já teria atendido ao seu objetivo.
“Ora, no caso trazido à balha (sic), o chefe do Ministério Público Estadual, ao receber os presentes autos em vista e neles apor manifestação, ainda que tenha apontado que, em seu entendimento, a legitimidade ad processum é do promotor de Justiça que atua na instância de origem, ineludivelmente, acabou por exercer o controle político que a precitada norma busca salvaguardar. Destarte, mesmo que sem a subscrição do procurador-geral de Justiça na peça vestibular, parece-me que, agora, restam presentes todos os pressupostos processuais”, afirmou a desembargadora, sem abrir mão de sua posição.
Chama atenção que a mesma tese da relatora foi encampada pela defesa do governador Paulo Hartung, que pediu o arquivamento do processo em relação ao peemedebista. Já a Procuradoria Geral do Estado (PGE) seguiu o entendimento de Eder Pontes, ao argumentar que o dispositivo na Lei Orgânica do MP representa uma prerrogativa de função e não um benefício pessoal. “De modo que o governador do Estado, ao término do mandato, perde o direito de somente ter ações de improbidade ajuizadas contra si se o forem pelo procurador-geral de Justiça”, sustentou a defesa do Estado.
A partir de agora, o mérito do recurso deverá ser analisado pela desembargadora Eliana Munhós, que vai examinar as condutas de todos os réus nas obras do 'Posto Fantasma'. Consta que os autos do processo (0007690-58.2013.8.08.0024) já contam com oito volumes de documentos. Fazem parte do colegiado os desembargadores Samuel Meira Brasil Júnior, Dair José Bregunce de Oliveira, Telêmaco Antunes de Abreu Filho e Ronaldo Gonçalves de Sousa, que preside a Câmara.
No recurso de apelação, o promotor de Justiça, Dilton Depes Tallon Netto, que assina a ação de improbidade, destacou a ausência da manifestação do órgão ministerial sobre os documentos apresentados ao longo do processo na primeira instância. Na mesma apelação, o promotor criticou o teor da sentença sobre o episódio, classificado por ele como um “exemplo grosseiro de ineficiência administrativa” e “símbolo do descaso com dinheiro público”. Segundo Dilton Depes, o escândalo do posto fantasma é mais um exemplo para o País do desperdício de dinheiro público com obras inacabadas. Pelas contas do representante do MPES, o prejuízo com a empreitada já chegaria a R$ 38,91 milhões – em valores atualizados.
“Ademais, é no mínimo menosprezar a inteligência da população se afirmar que houve alguma vantagem como resultado da obtenção para o Estado do Espírito Santo deste ‘patrimônio’, avaliado e adquirido por R$ 370 mil e onde foram gastos R$ 25 milhões. Se alguém buscasse por um exemplo de ineficiência grosseira, de desídia [negligência] administrativa, esse seria um caso clássico”, criticou o promotor.
E completou: “Na realidade, a sentença, ao chancelar as condutas dos requeridos, concede um salvo-conduto para todos os agentes públicos desperdiçarem os escassos recursos da população sem responderem por seus atos, ou seja, ao contrário do que preconiza a lei, institui um regime de ‘irresponsabilidade’ administrativa, como se este Estado fosse habitado por súditos e não cidadãos”.
Entre as alegações do recurso, o representante do MPES pede a nulidade da sentença sob alegação de que a juíza teria contrariado os ritos do Código de Processo Civil (CP), que regulamenta os trâmites dos processos. Segundo ele, a juíza ignorou a obrigatoriedade de garantir o acesso ao Ministério Público a toda documentação anexada ao processo. Dilton Depes questionou ainda a omissão da magistrada em relação a uma petição do MPES, onde pedia a inclusão de cópia de uma representação do Ministério Público de Contas (MPC) sobre os mesmo fatos.
No que se refere ao mérito da questão, o promotor voltou a defender o recebimento da ação de improbidade e a condenação de todos os envolvidos pelo prejuízo causado ao erário. Dilton Depes rechaçou os argumentos da defesa, que classificou como “insustentáveis”. Ele aponta que a justificativa de Hartung para a extinção do posto fiscal – por decreto, no ano de 2009 – em função da modernização da fiscalização não seria cabível. Segundo o promotor, o governo já havia instituído a nota fiscal para a fiscalização dois anos antes, quando as obras do posto ainda estavam em curso.
O promotor criticou ainda o fato de o ex-governador e dos demais envolvidos “ficarem isentos de qualquer responsabilidade por suas ações”. Também foram denunciados pelo episódio os ex-secretários da Fazenda, José Teófilo de Oliveira e Bruno Pessanha Negris (que ocupa cargo na atual gestão); o ex-secretário de Transportes e Obras Públicas, Neivaldo Bragato (chefe de gabinete de Hartung); o ex-diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado (DER-ES), Eduardo Antônio Mannato Gimenes; além dos servidores Marcos Antônio Bragatto e Dineia Silva Barroso, que faziam parte do Conselho de Administração do DER-ES à época, juntamente com Luiz Cláudio Abrahão Vargas.