Homero Mafra lidera movimento para revogar regra imposta pela pasta estadual, apontada como violação ao estatuto da profissão
“Chega de criminalizar a advocacia!”. O protesto vem da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Espírito Santo (Abracrim-ES), que lidera um movimento de repúdio à Portaria nº6-R, publicada no último dia 18 de maio pela Secretaria de Estado da Justiça (Sejus).
Assinada pelo secretário, André Garcia, “regulamenta o horário de movimentação interna dos presos para atendimentos e demais atividades nos estabelecimentos penais do Espírito Santo”. As normas estabelecidas no texto, no entanto, segundo a Abracrim e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), fere o Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/94) e ameaça o Estado Democrático de Direito.
O posicionamento da Associação será formalizado na próxima segunda-feira (5), quando será protocolado no Palácio Anchieta um documento com a exposição jurídica da ilegalidade da normativa e um pedido pela sua suspensão imediata, até que o Judiciário julgue os mandados de segurança impetrados contra ela e a mesma seja totalmente revogada.
Em nota de repúdio publicada um dia depois da portaria, a OAB-ES ressaltou os pontos que considera mais graves: a restrição do acesso dos advogados aos seus clientes apenas “em dias úteis, no período de 7h às 20h”; a finalização do atendimento para às 20h ainda que se tenha iniciado antes deste horário; a impossibilidade de atendimento simultâneo do preso por mais de um advogado; a proibição de mais de um atendimento por dia ao mesmo preso; e a permissão para ingresso de estagiários nos presídios, sem a presença de advogado.
As medidas, sublinha, foram decididas “sem abertura de qualquer diálogo direto com os advogados criminalistas, sociedade, ou, no mínimo, exposição de fundamentos legítimos para tamanho retrocesso” e constituem “um retrocesso ao exercício do direito de defesa e da dignidade daqueles que estão sob custódia do Estado”. Defesa, salienta a OAB-ES, que deve ser feita por seu advogado “bacharel e com aprovação no exame da OAB, ou, se assim entender necessário, aos seus advogados no plural” e não por estagiários, numa evidente tentativa de precarização do trabalho.
“A história é testemunha que limitações a direitos e garantias fundamentais são tortuosos caminhos sem volta. Minar os parcos mecanismos do cidadão frente ao poderoso aparato estatal é impor severa derrota ao pacto democrático”, alerta.
Criminalização
Presidente da Abracrim-ES, o advogado Homero Mafra ressalta que as prerrogativas do estatuto federal “são invioláveis” e que a publicação da portaria se insere dentro de um contexto maior de criminalização do advogado, especialmente o criminalista, que não contribui em nada para que os grandes problemas dessa natureza no Estado sejam resolvidos.
“Se o governo do Estado é incompetente para punir o crime organizado, ele não pode punir toda uma classe profissional. O que se está discutindo, no fundo, é a compreensão que o governo do Estado tem sobre a advocacia”, pondera.
Na manhã desta sexta-feira (2), durante reunião do Conselho Seccional da OAB, o presidente da Abracrim cobrou uma atitude também por parte da entidade. O pedido é para que a Ordem amplie o mandado de segurança que foi interposto apenas contra o artigo 1º da portaria e o estenda à totalidade da normativa, a exemplo do que a associação fez. “A Ordem sabe a força que ela tem, mas precisa colocar essa força a serviço da advocacia criminal”, afirmou. “Fica o meu apelo ao presidente Risk [José Carlos Risk Filho]: vá a público e diga que a advocacia é honesta”, pleiteou.
Para além dos pontos elencados na nota de repúdio da OAB contra a portaria, Homero Mafra destacou ainda a forma inapropriada com que o texto trata os atendimentos de advogados a seus clientes presos, quando os chama de visitas. “Quem visita é a família; advogado trabalha, advogado não faz visita. Eu não estou em presídio visitando ninguém, eu estou em presídio trabalhando. É inaceitável essa portaria. Ninguém vai a presídio passear, ou alguém acha que se faz turismo em presídio? Ninguém vai voltar a um presídio no mesmo dia salvo por estrita necessidade”, expôs. “Aceitar isso é aceitar a pecha de que a advocacia é composta por bandidos e a advocacia é digna, a advocacia criminal é digna. Essa portaria tem que ser impugnada no seu todo e não em parte”, reforçou.
Homero Mafra criticou também medidas recentes tomadas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), dentro do aludido contexto de criminalização da profissão. “A Ordem precisa dizer que a procuradora-geral de Justiça [Luciana Andrade] não pode fazer escuta em parlatório. Ela [a Ordem] precisa dizer isso pela voz de seu presidente ou de sua vice-presidente. As verdades do Ministério Público não são as verdades absolutas”, consignou.
Tribunal de Justiça
Essas medidas equivocadas da Sejus e do MPES, explica Mafra, foram tomadas após “uma notícia requentada” divulgada na imprensa capixaba, do caso de uma advogada que teria mostrado os seios a um preso seu cliente. O que não justifica essas ações que prejudicam toda a classe profissional e a sociedade como um todo, por ameaçar o estado democrático de direito. “Você não pode partir do pressuposto que o advogado é um bandido. Que a Sejus aponte quais profissionais que não atuem dentro da lei, para que a ordem faça a punição deles”.
Também nesta sexta-feira, a Abracrim foi ao Tribunal de Justiça repercutir o caso da advogada que teria agido de forma indevida com seu cliente, pois com a notícia em mãos, policiais militares que atuam no Fórum da Serra constrangeram uma jovem advogada, confundindo-a com a da notícia. “Olharam a foto do jornal e constrangeram a advogada. Isso não pode acontecer”, afirmou, citando ainda outro caso recente de uma advogada que foi presa dentro de sala de aula porque sua tornozeleira eletrônica tinha parado de funcionar. “Ela não atuava mais como advogada, estava cumprindo sua pena e foi presa dentro da sala de aula, como se estivesse cometendo outro crime”.
“São vários fatos que não temos ideia da motivação disso, mas o que não podemos é aceitar que a advocacia seja desmoralizada e criminalizada. Não é assim que o Estado vai conseguir combater o crime organizado nem defender o Estado Democrático de Direito”, afirma o presidente da Abracrim-ES.