Ex-delegado do Dops e hoje pastor evangélico transportava os corpos dos centros de tortura e os incinerava
“Mas ninguém suplantou, em qualquer tempo, o delegado Cláudio Guerra, da Polícia Civil do Espírito Santo, na arte de matar”. A frase é do jornalista Rogério Medeiros, um dos fundadores de Século Diário, na abertura do livro Memórias de Uma Guerra Suja, de 2012, base de processos nos quais o ex- delegado e hoje pastor evangélico narra os crimes cometidos na época da ditadura militar, que o condenaram a sete anos de prisão em regime semiaberto, além de multa de R$ 10 mil, pelo crime de ocultação de cadáveres.
Os crimes apontados foram narrados pelo próprio Cláudio Guerra em depoimentos a Rogério Medeiros e ao também jornalista Marcelo Neto, na Comissão Nacional da Verdade, em 2014, e em um documentário de 2017. A decisão da Justiça Federal em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, foi divulgada nessa segunda-feira (12). Guerra e o delegado Sérgio Paranhos Fleury, de São Paulo, foram recrutados para executar opositores do regime, a partir do desempenho na guerra contra os esquadrões da morte nos dois estados.
A atuação de Cláudio Guerra, segundo ele relata no livro, era transportar os cadáveres de militantes políticos opositores da ditadura de locais de tortura, como a Casa da Morte, em Petrópolis, no Rio, e do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) para incinerá-los em fornos de uma usina de cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes.
O hoje pastor Cláudio Guerra é responsável por incinerar João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, Ana Rosa Kucinski, Davi Capistrano, João Massena, Fernando Augusto Santa Cruz, Eduardo Collier Filho, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão, Armando Teixeira Frutuoso e Thomaz Antônio Meirelles.
A decisão da juíza federal Maria Isadora Tiveron Frizão, ocorreu após denúncia do procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, em 2019. A juíza aceitou os argumentos apresentados pela Procuradoria de que as leis de anistia vigentes seriam inaplicáveis ao caso de Guerra, “porque a ocultação dos cadáveres são crimes sem solução, de natureza permanente”.
Os 12 militantes apontados no processo estão na lista de 136 pessoas consideradas desaparecidas pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Os corpos foram destruídos na usina Cambahyba, atualmente desativada, em Campos.
Guerra narra assassinatos e desaparecimento de corpos de vítimas de tortura nos porões da ditadura militar. “Minha participação na guerra contra a esquerda no Brasil pode ser dividida em duas fases: a primeira foi de execução dos inimigos do regime militar. Eu era convocado e matava. Muito eficiente, passei a ter importância crescente na comunidade de informações, que organizava combate aos comunistas”, diz o ex-delegado no livro Memórias de Uma Guerra Suja.
“Em realidade, Cláudio Guerra, como agente do próprio Estado, planejou, organizou, conduziu e executou as ações delitivas, inclusive cooptando terceiros para concretizar sua estratégia, o que denota, assim, que integrava ele níveis superiores no âmbito da organização, a atrair mais elevado grau de responsabilização”, aponta a juíza na decisão condenatória.
Claudio Guerra, pastor da Igreja Assembleia de Deus no Espírito Santo, relata sua vida em pregações nas denominações evangélicas, inclusive crimes cometidos. Ela já recebeu duas outras condenações da Justiça. Na primeira, foi réu por cometer um atentado contra um bicheiro em Vila Velha, Jonhatas Burlamarques. Depois, pela morte da esposa e da cunhada, Rosa Maria Cleto, a Rosinha, e Maria da Glória Carvalho Neto, em 1980. Elas foram encontradas mortas em um lixão com 19 e 11 tiros, respectivamente. Ele nega esses crimes.