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‘Considero uma vitória, não minha, mas do coletivo’

​A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) disponibilizou um servidor técnico-administrativo para dar apoio às atividades do professor do Centro de Educação Douglas Ferrari, que tem deficiência visual. A iniciativa atende à decisão do juiz federal Roberto Gil Leal Faria, do 2º Juizado Especial de Vitória, e é comemorada pelo docente. “Considero uma vitória, não minha, mas do coletivo, dos professores com deficiência que passaram por aqui, que estão, que virão, e dos de outras universidades”, ressalta.

Conforme consta na sentença, a universidade deverá “colocar à disposição do autor servidor para auxiliá-lo, com carga horária compatível – 40h (quarenta horas) semanais enquanto não resolve os problemas da acessibilidade de portais. Após a resolução da acessibilidade dos portais, sites e sistemas acadêmicos da Ufes para que o autor possa efetivamente usá-los sem auxílio de terceiros, poderá a ré reduzir a carga horária de assistência ao servidor para 20h semanais”.

O servidor auxiliará em atividades como acompanhamento de sala, controle de presença dos alunos e suporte técnico para escrever e submeter artigos. “É um trabalho técnico. Ele não vai escrever para mim, eu vou ditar e ele vai escrever. A grosso modo, serão meus olhos”, afirma. A sentença também estabelece indenização por danos morais no valor de R$ 22 mil. A universidade recorreu da decisão.

A disponibilização do servidor já ocorreu e, segundo Douglas, foi difícil achar alguém com perfil para exercer a função, já que ela não é prevista em concurso público. O docente aponta que, com as cotas para pessoas com deficiência (PCDs) nos certames, a tendência é que aumente o número de servidores que fazem parte desse segmento, portanto, as universidades devem rever a postura de não inserir nos concursos vagas para profissionais cujas atribuições são dar suporte técnico para as PCDs.

“Isso não é um problema somente da Ufes, mas de todas universidades. É preciso que o Ministério da Educação e as instituições de ensino estejam preparadas para receber”, defende.

De acordo com Douglas, ele tem notícia de somente outro professor PCD em todo o Brasil que tem o apoio técnico de um servidor, que é na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Douglas informa, ainda, que segundo o Censo do Ensino Superior de 2020, existem 1,7 mil professores universitários PCDs em um total de 400 mil no país. Na Ufes são 54 servidores, entre técnico-administrativos e docentes.

Punição

Douglas Ferrari, no ano de 2022, chegou a ser punido pela universidade por não ter enviado, dentro das datas previstas, a avaliação de subprojeto de Iniciação Científica. O professor, devido à dificuldade de enxergar, já que tem somente 30% da visão do olho esquerdo e 5% do direito, cadastrou seu e-mail errado na plataforma de submissão do subprojeto. Por causa disso, não recebeu um e-mail comunicando sobre as datas para envio de avaliação de subprojeto de Iniciação Científica. O cronograma consta nos editais, mas sua deficiência faz com que tenha dificuldade para lê-los. Assim, acabou perdendo o prazo para envio, não podendo concorrer no edital daquele semestre nem do próximo.

“Fui punido por um problema da Ufes, e não meu. O problema é a falta de acessibilidade. Se fosse porque eu esqueci, porque meu computador quebrou, mas não foi isso”, denunciou, na época, destacando que uma das iniciativas que poderiam ser feitas para inclusão das pessoas com deficiência visual é fazer editais ampliados, com bom espaçamento entre linhas. Para as pessoas com deficiência auditiva, ele sugere editais em libras.

Douglas tem uma trajetória de 24 anos dentro da Ufes, lidando com a exclusão dentro da instituição de ensino desde 1998, quando ingressou como estudante na graduação de História. Ele também cursou especialização, mestrado e doutorado na Ufes, sendo aprovado no concurso para docente em 2017. 

Ele recorda que, na graduação, relatou para uma professora sua dificuldade de ler os textos e foi surpreendido com a seguinte pergunta: “o que você está fazendo aqui?”. “Nunca deixei de ler os textos, mas quando pedi compreensão, não obtive em nenhum momento”, lamentou. O professor afirma que todas as ações de inclusão possibilitadas não foram institucionais, mas sim, atitudes individuais, como as de uma professora que permitiu que ele fizesse prova oral para não precisar ler as questões nem escrever.

No ensino fundamental e médio a situação não foi diferente. O bullying fez parte do seu cotidiano e a falta de acessibilidade fez com que ele tivesse hérnia de disco. Ele explica que tinha que dobrar o dorso para poder ler e escrever, o que, com o passar do tempo, fez com que desenvolvesse a doença. Segundo Douglas, para um estudante com sua deficiência, era preciso utilizar caneta de ponta porosa e lápis 6B para que a letra não saia muita fina, e prancha de plano inclinado para o livro ficar na diagonal, mas faltava orientações sobre isso e falta de reconhecimento da própria família sobre a questão da deficiência.

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