Associação processou mais de 200 proprietários de lotes de condomínio em Setiba
Os consumidores que se sentiram lesados pela Imobiliária Garantia começam a receber as primeiras sentenças favoráveis em ações de cobrança ilegal de taxas de condomínio. Os casos referem-se ao Loteamento Village do Sol – Setor Recanto, em Setiba, balneário de Guarapari, e os processos foram abertos pela Associação do Residencial Vale do Luar, entidade apócrifa, conforme alega a defesa dos consumidores, criada por associados e familiares dos donos da imobiliária, para atender aos interesses da empresa.
“Essa associação foi criada pela Imobiliária sem edital de convocação e com a participação de apenas três pessoas, todas parentes ou sócias da Imobiliária Garantia. Não houve a participação efetiva dos moradores”, explica André Bussinger, advogado das vítimas da cobrança ilegal.
A Associação do Residencial Vale do Luar foi criada em 2017, acrescenta, depois que os proprietários de lotes processaram a imobiliária por não ter feito a entrega do condomínio fechado, denominado Condomínio Vale do Luar, que havia prometido na propaganda do empreendimento.
Essa luta dos consumidores, conta o advogado, foi aberta em 2018, com um procedimento no Ministério Público Estadual (MPES), que gerou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que a imobiliária se comprometia a fazer o acesso controlado do loteamento, para caracterizá-lo como condomínio.
“O acordo não tinha nenhuma cláusula penal e não foi validado e o processo acabou. Então cada proprietário que se sentiu lesado tem que entrar com uma ação individual”. A regulamentação do condomínio, afirma, também não foi feita ainda pela prefeitura, que participou do TAC, mas não publicou nenhum decreto regulamentando o empreendimento.
Após esse acordo frustrado, a associação criada pela Garantia passou a processar os proprietários de lotes, exigindo pagamento da taxa de condomínio. “São mais de 200 ações. As taxas são desproporcionais aos lotes, a associação não apresentou a votação que aprovou a cobrança da taxa. É um valor inventado, que indica um enriquecimento sem causa”, afirma André Bussinger.
Nas primeiras quatro ações julgadas pela Justiça de Guarapari, a defesa foi a mesma, afirma o advogado, evidenciando a ilegalidade da cobrança e a falta de fundamento para definição dos valores, além do caráter apócrifo da associação, criada por pessoas ligadas à Imobiliária Garantia, para defender os interesses da empresa.“A juíza já deu quatro sentenças em que reconhece que eles não observam os requisitos legais de condomínio fechado de acesso controlado. Requisitos que já foram apreciados pelo STF [Supremo Tribunal Federal] com repercussão geral”.
Um marco legal para o estabelecimento desses requisitos é a Lei nº 13.465, de 2017. Assim, no entendimento do STF, que precisa ser seguido por todos magistrados que julgarem casos semelhantes, os proprietários de imóveis só podem ser cobrados pelo pagamento de taxas de condomínios se concordarem com a taxa, seja associando-se à entidade responsável pela gestão do condomínio, seja concordando com a cobrança por meio de documento legal. Isso em cobranças feitas antes de 2017.
Para os casos após a promulgação da lei, é preciso que a cobrança atenda a alguns requisitos estabelecidos pelo STF. “Tem que haver a publicidade, por meio do registro do estatuto da associação no Registro Geral de Imóveis [RGI], para que qualquer pessoa que for adquirir um lote naquele loteamento, tenha acesso a essa publicidade, que a associação é registrada, que é um loteamento fechado com acesso controlado, que a gestora é essa associação e que existe uma taxa de manutenção. Aí, poderia, então, obrigar as pessoas, independentemente de serem associadas ou não de pagarem as taxas”, explica o advogado.
Em uma das ações com sentença favorável – processo nº 5000681-17.2023.8.08.0021 -, a Vale do Luar cobra o valor de R$ 34,6 mil. “O ponto controvertido da ação está se a associação autora pode efetivar cobrança a título de manutenção do denominado Residencial Vale do Luar de todos indistintamente ou se há necessidade de o morador se associar à autora para legitimar a cobrança, bem como se o requerido é ou não associado da associação requerente”, afirma a sentença, assinada pela juíza Déia Adriana Dutra Bragança.
“Manifesto pela aplicabilidade do entendimento firmado pela Suprema Corte no sentido que: antes de 11 de julho de 2017, é inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado, salvo se houver lei municipal estabelecendo a obrigação do pagamento; e depois de julho de 2017, é possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores de acesso controlado desde que: a) os que já possuíam lotes tenham aderido ao ato constitutivo da entidade equiparada a administradora de imóvel; b) no caso dos novos adquirentes, o ato constitutivo da obrigação tenha sido registrado no competente cartório de registro de imóveis”, argumenta a magistrada.
No caso em tela, expõe, não pode ser feita nenhuma cobrança de taxa. O lote, afirma, foi adquirido antes da Lei 13.467/2017 e antes mesmo da criação da Associação Vale do Luar. “Logo, eventuais cobranças antes de 11 de julho de 2017, devem ser declaradas inconstitucionais (…) Quanto às cobranças efetivadas depois de 11 de julho de 2017, quando fora editada a Lei 13.465/2017, poderão ser de fato cobradas do requerido não associado se anuiu com a sua constituição, o que não é o caso, como já mencionado alhures”.