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Decisão de Pedro Valls que ordena banho de sol a presos é um marco no ES

O voto do desembargador Pedro Valls Feu Rosa aprovado por unanimidade pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), que obriga a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) a estabelecer duas horas de sol, previstas em lei (artigo 3º da Lei de Execução Penal), a todos os custodiados do sistema prisional capixaba, extensivo aos adolescentes do sistema socioeducativo, é considerado emblemático e inédito no Estado pelas entidades de Direitos Humanos. 

As organizações comemoram a decisão, e não pouparam críticas à política prisional do governo Paulo Hartung, considerada austericista, de encarceramento em massa das populações mais vulneráveis socialmente, com graves violações aos direitos humanos, incluindo maus-tratos, torturas, mortes e negativas aos direitos mais elementares, como as duas horas diárias de banho de sol. Foi comemorada também a extensão da medida para as unidades socioeducativas, que abrigam adolescentes em conflito com a lei.  

A defensora pública Roberta Ferraz, coordenadora do Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública (Nepe), responsável pela elaboração do habeas corpus que gerou a decisão judicial, explica que a grande surpresa foi realmente a extensão para todas as penitenciárias capixabas, incluindo as unidades do sistema socioeducativo. 

“Fizemos o pedido em abril de 2017 para a Penitenciária Estadual de Vila Velha II (PEVV II), depois de uma vistoria em que constatamos que o banho de sol estava sendo negado aos presos. Como magistrado de segunda instância, o desembargador tem competência para estender a decisão”, explicou Roberta, que completou: “Em cinco anos de Defensoria, nunca tinha visto um voto tão rico e emblemático. Agora esperamos o cumprimento da sentença”.

O voto do desembargador Pedro Valls Feu Rosa apontou ainda conteúdo de relatório divulgado pela DPES, do dia 28 de junho deste ano, elaborado pela equipe do Nepe com base em inspeções realizadas nos últimos cinco anos (2013 a 2018), as “Observações Gerais sobre a Execução Penal no Espírito Santo”.   

Controle e marginalização

De acordo com o representante da entidade do movimento negro capixaba Círculo Palmarino, Lula Rocha, “o aprisionamento de corpos, majoritariamente negros, no sistema prisional capixaba, segue uma lógica de controle e marginalização. Alguns direitos e garantias que deveriam obrigatoriamente serem observados, às vezes são tratados como regalias. Por isso, essa decisão cumpre um papel importante, ao corrigir ilegalidades praticadas em nosso sistema prisional”.

Já o representante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH- Serra), Gilmar Ferreira, destaca que novamente o presidente de uma turma da segunda instância do Tribunal de Justiça afirma o mesmo que as entidades de Direitos Humanos do Estado têm denunciado desde o final da década de 80. Para ele, a política do austericismo e o sistema prisional do governo Paulo Hartung, que se apresentam como modelo para o Brasil, ruiu. 

“É uma decisão emblemática por ser de uma turma de segunda instância e aprovada por unanimidade. Recebo com alegria, principalmente, por incidir sobre todo o sistema prisional e exigir o seu cumprimento por todo o sistema socioeducativo, que tem demonstrado funcionar como presídios juvenis e com tratamento análogo a pessoas adultas. Com absoluta certeza, é mais um marco e também confirma que a referência nacional de gestão de austeridade e arrogância apregoado por todo Brasil é um legado perverso e sem defesa”, disse. 

Extinção de políticas contra a tortura

Pedro Valls também criticou a extinção de medidas cujo objetivo eram combater as práticas de maus-tratos e de tortura dentro do sistema prisional capixaba. “É impossível não surgir alguns questionamentos. O que houve com a Comissão Estadual de Enfrentamento à Tortura? Que fim tomou o 'torturômetro'? Onde está o painel da transparência com os processos relativos à tortura? Quantos são eles atualmente? A quantas anda o projeto de lei que regulamenta os procedimentos do sistema prisional do Espírito Santo? Como estão sendo revistados os familiares dos internos?”, enumera Pedro Valls, que continua: “E o modelo APAC [Associação de Proteção e Assistência aos Condenados]? Quantas unidades aderiram a tal metodologia no Espírito Santo?”.

Segundo Gilmar Ferreira, que já foi presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos e participou ativamente da discussão e construção das políticas citadas pelo desembargador, “acabar com muitas dessas medidas, incluindo o “torturômetro”, foi um grande retrocesso.

“O Pleno do TJ aprovou por unanimidade uma orientação para que todos os casos em que houvesse algum indicativo de prática de tortura ou similares fossem adotados os procedimentos previstos no protocolo facultativo de Istambul, com a adoção de procedimentos de perícia capazes de identificar a tortura psicológica e que não deixa marca”.

Para Gilmar Ferreira, “o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, com o seu voto, acaba por denunciar o desmantelamento das ações e medidas adotadas para prevenção e combate à tortura pelo próprio poder Judiciário”, disse.

Primeiro grau

A fala do militante parece mesmo se confirmar, pois Feu Rosa também criticou a decisão do juízo de primeiro grau, responsável pelo sistema e pela garantia da Lei de Execuções Penas, no caso, a 8ª Vara Criminal de Vila Velha, cujo titular é Daniel Peçanha Moreira. 

Como resultado do pedido de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado (DPES), a 8ª Vara Criminal de Vila Velha deferiu a liminar requerida e determinou que fosse garantido a todos os custodiados o direito à saída diária da cela, por no mínimo duas horas. No entanto, após encaminhamento de ofício pelo diretor da penitenciária, alegando incapacidade estrutural, o magistrado voltou atrás.

“A 8ª Vara Criminal de Vila Velha acolheu a solicitação e, sem intimar o Ministério Público e a Defensoria Pública, determinou que os apenados tivessem banho de sol de apenas uma hora diária, com a possibilidade de substituição, em dias alternados, por duas horas de convívio, o que vai de encontro ao ordenamento jurídico brasileiro”, escreveu Pedro Valls. 

A decisão estabelece que a medida seja cumprida num prazo de até cinco dias depois que as partes forem intimadas, incluindo os secretários de Estado da Justiça (Walace Tarcísio Pontes) e de Direitos Humanos (Leonardo Oggioni Cavalcanti de Miranda). A relatoria foi aprovada por unanimidade pelos demais integrantes da 1ª Câmara, William Silva e Elisabeth Lordes, em reunião realizada no último dia 18. 

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