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Desembargadora revisa sentença que inocentou acusados de matar preso

Wesley Guidoni foi encontrado morto em cela do CDP de Colatina em 2015; agentes penitenciários são acusados

A desembargadora Rachel Durão Correia Lima decidiu pela reforma da sentença dada pelo Juízo da 3ª Vara Criminal de Colatina, noroeste do Estado, declarando “procedente a pretensão punitiva estatal para condenar os recorridos Olair José dos Santos Júnior, Frankieli de Avelar, Derlivaldo Figueiredo Ferreira e Wallace Neves de Oliveira” pelo assassinato de Wesley Belz Guidoni no Centro de Detenção Provisória (CDP) do município, em 2015. O interno foi encontrado morto na cela que ocupava na unidade.

Aos envolvidos no crime, agentes penitenciários, a magistrada estipulou o cumprimento de sete anos de reclusão, em regime fechado. Contudo, por causa de agravantes como impossibilidade de defesa da vítima e o fato de ela estar sob proteção do Estado, a pena foi aumentada para nove anos e quatro meses. Foi solicitada pela acusação indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil por parte de cada um dos acusados, mas no documento consta que o recorrente pode acionar “o juízo cível competente para pleitear eventual responsabilização civil”. Ainda cabe recurso.

O corpo de Wesley apresentava sinais de tortura, com hematomas; punhos quebrados; estrangulamento; marcas de amarrações nos punhos e tornozelos; queimaduras nas costas, pescoço e coluna; e costelas quebradas. Ele havia sido preso quatro dias antes da morte por desacato, resistência à prisão e danos. Durante os quatro dias em que ficou preso, foi levado duas vezes ao Hospital Sílvio Avidos, em Colatina, passando mal.
O principal fundamento utilizado pela sentença para a absolvição dos recorridos, segundo a magistrada, “foi a suposta fragilidade probatória em relação à autoria, afirmando ainda que a prova pericial indicou a possibilidade de a vítima ter se automutilado, situação que, no entender do julgador de primeiro grau, invocava aplicação do princípio do ‘in dubio pro reo” (“na dúvida, a favor do réu”). Entretanto, ela conclui “pela existência de prova suficiente de autoria, que indica, além da dúvida razoável, que os recorridos são os autores do fato imputado pela denúncia”.
Um dos fatores que fizeram a desembargadora chegar a essa conclusão, conforme consta no documento, é que os detentos Raone Loyola Rizzo, Felipe Gasparini, Wanderson dos Santos e Marcos Andrade Rodrigues foram ouvidos como testemunhas de acusação e confirmaram que “viram a movimentação de agentes na cela 204, ocupada por Wesley, bem como também escutaram ele gritar. As referidas testemunhas afirmaram que a vítima foi espancada pelos agentes penitenciários que estavam de plantão na véspera do óbito da vítima”. As testemunhas apontaram Olair, Frankieli, Derlivaldo e Wallace como autores do crime.
“Além do reconhecimento feito pelas supracitadas testemunhas, evidencia-se a autoria dos recorridos pela prova obtida através do controle de revezamento de agentes de plantão da Penitenciária de Colatina, no qual ficou demonstrado que os recorridos faziam parte da equipe que trabalhou entre os dias 13 e 14/1/2015, documento que consta das fls. 54/67 do IP, sendo ela conhecida como ‘Equipe D’, a qual era chefiada por Guilherme Comério [pessoa que foi denunciada, porém esta não foi recebida em relação a ele] e composta pelos inspetores penitenciários, ora recorridos, Olair José dos Santos Júnior, Wallace Neves de Oliveira, Derlivaldo Figueiredo Ferreira e Frankieli de Avelar”, consta no documento.
A desembargadora aponta que a tese de que o transtorno psíquico do paciente poderia ter feito com ele se lesionasse dentro da cela “não encontra respaldo na prova presente nos autos”. Além disso, destaca que as testemunhas relataram que “agressões e tortura já eram uma prática comum no interior da Penitenciária de Colatina, situação impulsionada pela impunidade decorrente da deficiência de cobertura visual das câmeras de videomonitoramento”.
Os relatos de agressão feitos pelos detentos, segundo a magistrada, foram confirmados pela mãe da vítima, Necilda Belz, que nas fases inquisitiva e judicial, “afirmou que viu o corpo de seu filho, após sua morte, com vários hematomas, e na ocasião afirmou que ouviu de um dos detentos que seu filho teria sido espancado pelos agentes penitenciários”.

O texto prossegue dizendo que os hematomas no corpo de Wesley foram confirmados pelo depoimento de Bruna Prando Boone, enfermeira da unidade prisional, “que relatou expressivas lesões no corpo da vítima ao atendê-la na enfermaria da unidade prisional na véspera e antevéspera de seu óbito”.

“Os relatos prestados pela enfermeira Bruna Prando Boone também refutam a possibilidade aventada na sentença de que a vítima não tinha condições de se autoafirmar. E digo isto porque se a testemunha, na condição de profissional da saúde, tivesse percebido que Wesley não estava em condições de manter sua integridade física em decorrência de seu transtorno psíquico, por dever profissional, deveria comunicar à Direção do Presídio sobre a necessidade de transferência dele para um hospital. O retorno do interno para a cela indica que ele, mesmo medicado e avaliado por profissional especializado, possuía condições físicas e mentais de permanecer custodiado”, contata a magistrada.
Esses elementos, de acordo com a desembargadora, “são ratificados pela prova pericial produzida no decorrer das investigações e do processo. O Laudo ‘causa mortis’, que consta das fls. 371/383 do IP, foi conclusivo no sentido de que houve ‘uma morte violenta, onde a interpretação dos vestígios assinalados conduz para hipótese de homicídio”.

Denúncias

O assassinato ocorreu em janeiro de 2015 e chegou a ser denunciado pela mãe da vítima à Corte Interamericana de Direitos HumanosEm junho do mesmo ano, 17 inspetores penitenciários foram indiciados pela morte de Wesley. No mês seguinte, a Vara da Fazenda Pública do município determinou que o Estado instalasse câmeras de videomonitoramento no CDP de Colatina. As câmeras deveriam ser voltadas para as celas dos internos, além das demais áreas comuns do presídio e arredores durante 24 horas por dia, sem a possibilidade de desligamento do sistema e garantindo a armazenagem das imagens pelo período mínimo de um ano.

Na denúncia inicial (0013361-92.2013.8.08.0014), a Defensoria Pública cita que uma sindicância realizada pelo órgão entre os anos de 2011 e 2013 coletou indícios de tortura na unidade após o relato de dez detentos. Eles alegaram a ocorrência do “emprego desarrazoado da força física pelos agentes penitenciários, utilização desnecessária e contínua de spray de pimenta, castigos corporais, ameaças, gás lacrimogêneo e de espancamentos na hora das revistas”.

Em fevereiro do de 2014, o juiz Menandro Taufner Gomes indeferiu o pedido de liminar pela instalação do sistema de gravação. Entretanto, ele reconsiderou a decisão após a morte de Wesley. Esse fato novo teria revelado, de acordo com o juiz, a negligência do Estado na proteção das garantias dos detentos.

“O fato novo surgiu do lamentável óbito de um detento da Unidade, ao que tudo indica, vítima de assassinato, demonstra assim, indícios veementes de falha ou negligência estatal na realização da Política Penitenciária de proteção aos direitos e garantias individuais de seus custodiados. […] Acrescento, destarte, que em vista aos novos elementos de convicção, tornou-se a meu sentir, imprescindível que o Estado seja compelido em providenciar um sistema de monitoramento eficiente, que permita a gestão do estabelecimento prisional”, narra um dos trechos da decisão.

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