Além das provas de que a corretora foi responsável pelo atropelamento, Adriani recorda as palavras ditas pela mulher que atropelou sua filha, que se preocupou muito mais com o estado em que se encontrava seu carro do que com a vítima, inclusive, referindo-se a Luisa com frieza e discriminação, ao proferir frase como “ela provavelmente era uma empregada doméstica sem importância” e “não quero saber dela, não”.
A promotoria ratificou os argumentos levantados na investigação policial, encerrada em outubro último, quando a Polícia Civil (PC) chegou à conclusão de homicídio doloso duplamente qualificado, levando em consideração questões como o estado de embriaguez da motorista, o fato de dirigir em alta velocidade, a frieza em torno da morte causada, e o clamor social diante da morte da vítima, uma vez que houve protestos, sinalizando, entre outros pontos, que ela era uma “pessoa de bem”.
A PC representou pela prisão preventiva da indiciada e pela suspensão de seu direito de dirigir. A conclusão do inquérito e a representação foram enviadas para o MPES. A motorista, pela investigação, pode pegar de 12 a 30 anos de prisão, e a mãe de Luisa ainda se mostra otimista em relação a isso. “Acredito que ela vai ser presa. É apenas o começo do processo. Às vezes, quando falo nisso, fico nervosa, me altero. Tenho que tentar ficar tranquila, para não me deixar levar por uma energia ruim”, diz.
A prisão da corretora não foi pedida, alega a Promotoria, “porque a liberdade dela não oferece riscos, além de levar em consideração que a mulher que cometeu o crime tem residência, emprego, é ré primária, genitora de criança em tenra idade, e faltam evidências de que não esteja cumprindo as medidas cautelares definidas em audiência de custódia no dia seguinte ao crime”.
Segundo Adriani, que a tem alegrado é o carinho que as pessoas têm por sua filha, como o que foi demonstrado com a inauguração do prédio Luisa da Silva Lopes, no Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus de Goiabeiras, nessa quarta-feira (14). Luisa cursava Oceanografia na Ufes. Seu nome foi sugerido por meio de edital, junto ao de outros quatro ex-alunos, tendo recebido 63,23% dos votos, registrados em formulário on-line. “Tinha professores, alunos, a juventude na inauguração. Fico feliz com o legado que Luisa deixa. Ela era querida, uma mulher negra sempre na luta, na batalha”, exalta.
Como o crime aconteceu
Segundo a PC, Adriana saiu da Serra rumo a um bar em Jardim Camburi. A pessoa que a acompanhava e que era sua carona no carro, afirmou durante as oitivas, que elas beberam água e comeram caranguejo. O estabelecimento não conta com câmeras de videomonitoramento, mas esse relato pôde ser desmentido por meio de imagens postadas nas redes sociais e da comanda. No Instagram, Adriana postou uma foto no local onde é possível ver caranguejos e um copo de cerveja. Na comanda, consta a consumação de cerveja, e não de água.
Em seguida, elas foram para um bar no Triângulo, na Praia do Canto. Novamente, a pessoa que a acompanhava conta uma versão inverídica, afirmando durante as investigações que Adriana tomou somente dois goles de cerveja e parou, por não estar se sentindo bem. Entretanto, as câmeras de videomonitoramento mostram que ela levou o copo de cerveja à boca 23 vezes em cerca de 30 minutos. O consumo da cerveja é comprovado também por meio da comanda.
Ainda é possível verificar, por meio das imagens fornecidas pelo estabelecimento, que Adriana e a pessoa que a acompanhava começaram a interagir com a mesa ao lado. Em um certo momento, um homem que estava nessa mesa levanta e oferece vodka para a corretora de imóveis. Ela não somente toma quando ele a oferece pela primeira vez, mas também em outras ocasiões, pois ele ofereceu mais de uma vez, e ela também solicitou a bebida algumas vezes. Ao todo, segundo a PC, ela levou o copo de vodka à boca 24 vezes durante o período em que este no bar. Inclusive, o último gole foi cerca de 10 minutos antes do atropelamento.
Na cena do crime, a Avenida Dante Michelini, constatou-se, de acordo com a PC, que a motorista estava em alta velocidade, dirigindo a 72 km/h em um local cuja velocidade máxima é de 60 km/h. Luísa foi projetada a uma distância de 40m, e sua bicicleta, a 51m. Foi constatado, ainda, que a vítima, no início da travessia na faixa de pedestre, tentou desviar do veículo, que vinha em alta velocidade, mas não obteve êxito.
Quando o crime aconteceu, foi ventilada a possibilidade de um terceiro veículo envolvido, que teria atropelado Luisa e, depois, colidido no carro de Adriana, uma vez que a lateral do automóvel da corretora estava amassada. Entretanto, foi descartada essa hipótese, sendo o amassado na lateral resultado de algum outro acidente.
A causadora do atropelamento estava com sua capacidade psicomotora alterada não somente por causa das bebidas alcoólicas que havia ingerido, mas também por ter tomado alguns remédios controlados, como Prebictal, cuja bula alerta para o fato de que pode ocasionar alteração na capacidade de dirigir, e Zolpidem, que pode causar sonolência e insônia.
Embora o sinal estivesse aberto para a motorista e fechado para a ciclista, diante dos fatores como embriaguez e alta velocidade, a responsabilidade da motorista não pode ser eximida. O que pode acontecer, segundo a PC, é o juiz levar em consideração esse fato na fixação da pena, podendo reduzi-la.
Cobrança por Justiça
Em setembro, quando o crime completou cinco meses, a mãe de Luísa fez um desabafo nas redes sociais devido à falta de esclarecimentos da Justiça diante do caso. “É uma coisa que não gostaria de lembrar, mas, como mãe, tenho que lembrar sempre. Não posso deixar que um assassinato, que esse crime que foi cometido, caia no esquecimento, apesar da dor que sinto até hoje”, desabafou.
Adriani também recordou em sua postagem a frieza da mulher que atropelou sua filha. “A preocupação dela era com o carro, não sabia o que fazer na segunda, com o carro na situação que estava”, aponta. A professora destacou que a mulher que cometeu o crime estava embriagada e que sua luta por justiça não é somente por Luísa e seus familiares, mas também por outras vítimas de acidente de trânsito e suas famílias.
Pouco mais de um mês após o atropelamento, Adriani lamentou a falta de assistência por parte do poder público. “Em nenhum momento fui chamada por ninguém, nem pelo Detran [Departamento Estadual de Trânsito]. Ninguém me perguntou se eu precisava de alguma coisa, se eu precisava de um atendimento psicológico. Nós, familiares, ficamos desamparados, desorientados”, ressaltou.
A afirmação foi feita em 30 de maio, em audiência pública realizada na Câmara de Vitória para debater o trânsito na Capital. Durante a sessão, Adriani lembrou que Luisa faria 25 anos em junho, enfatizando que a jovem era cheia de sonhos. “A última frase dela, me ligou e disse: ‘quando eu voltar, a gente termina a conversa’, e essa conversa não foi terminada, porque houve um assassinato, porque aquilo que aconteceu ali na Dante Michelini não foi um acidente, foi um crime”, denunciou.
Em 19 de abril, uma manifestação pediu justiça para Luisa, no mesmo local onde o atropelamento ocorreu, com cerca de 500 pessoas e mais de uma centena de bicicletas. “Não fosse ela a vítima, Luisa estaria ali, protestando por justiça”, confirmou sem hesitar, sua mãe, durante o protesto.