Os Núcleos de Defesa de Direitos Humanos e da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado (DPES) apuram com lideranças comunitárias do bairro Jaburu, no Território do Bem, em Vitória, mais informações sobre a ação policial executada no último dia 26 de setembro. Também estão sendo ouvidas, pela DPES, pessoas afetadas pela operação.
A apuração teve início após análise das respostas da Secretaria de Justiça do Estado (Sejus), da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) e da Corregedoria da Polícia Militar do Espírito Santo aos ofícios encaminhados pela Defensoria com a solicitação de dados referentes às possíveis ocorrências de violência policial, os protocolos de abordagem e eventuais apurações de responsabilidade.
Durante a ação policial, segundo relatou o líder comunitário do Jaburu, Jhones Teixeira da Silva, uma família foi surpreendida com tiros por parte da Polícia Militar (PMES) enquanto festejava um aniversário. “A polícia chegou atirando no beco. A festa tinha de 15 a 20 pessoas. Tinha gente na festa, em casa; e tinha gente no beco. Duas crianças foram atingidas com estilhaços e quatro adultos também. Teve adulto que foi atingido com bala de borracha”, afirmou.
Para a DPES, as narrativas dos moradores, quando confrontadas com as imagens que circulam em redes sociais, aparentam ter fundamento, principalmente se observadas em um contexto maior de possível violência policial, dada a frequência com que o Núcleo de Defesa de Direitos Humanos recebe informações nesse sentido na região.
De acordo com o coordenador de Direitos Humanos defensor público Victor Oliveira, “em nosso trabalho junto às comunidades notamos que muitas pessoas que sofrem violações de direitos humanos não se sentem confortáveis em denunciar, têm medo ou acreditam que esse tipo de situação é normal, e não é! Dentro deste cenário, o Núcleo de Direitos Humanos tem trabalhado para estabelecer o diálogo com os moradores e outros órgãos, e dar visibilidade às denúncias existentes, que vão de violência policial à falta de equipamentos básicos”.
A ação da polícia no Jaburu chegou a motivar uma manifestação em 27 de setembro. Os moradores se concentraram no mirante da comunidade e, com cartazes nos quais pediam “segurança sim, violência não”, além de “respeito à favela”, seguiram para a Avenida Vitória, circulando dentro e nos arredores da comunidade.
Entidades também se manifestaram. Em nota conjunta, a Paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Itararé, e o Ateliê de Ideias ressaltaram que a política de segurança do Espírito Santo é “violenta, preconceituosa, que criminaliza e maltrata os pobres”. As entidades denunciaram que na região “casas de moradores são constantemente invadidas pela polícia”.
A Paróquia e o Ateliê de Ideias apontaram que, durante a pandemia do coronavírus, as ações violentas aumentaram. “Sob o pretexto de evitar aglomerações e combater o tráfico de drogas, vem agindo de forma seletiva contra as comunidades de periferia, fechando os olhos para o verdadeiro comando do tráfico de drogas e de armas e para as aglomerações que acontecem nos bairros vizinhos de classe média alta, inclusive nas praias, em plena luz do dia”, criticou a nota. As entidades pedem que os responsáveis sejam punidos e exigem políticas de segurança “que respeitem nossas vidas, nossos corpos e nossos lares”.
Um grupo de entidades da sociedade civil também se manifestou sobre o ocorrido, denunciando “a inexistência de diálogo efetivo com as periferias, com as entidades e movimentos sociais, com aqueles que sofrem as ações dos agentes estatais e das políticas que este governo formula e implementa”. O documento é assinado pelo Círculo Palmarino, Coletivo Negro Minervino de Oliveira, Comitê Popular de Proteção de Direitos Humanos no Contexto da Covid-19, Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH/ES), Fórum Capixaba de Lutas Sociais, Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos e Fórum Igrejas e Sociedade, Instituto Raízes e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH/ES)
O grupo também questionou: “O que vemos é a periferia sendo tratada mais uma vez como caso de polícia, criminalizada, desprotegida. Qual ação este governo fez para criar alternativas para a fome e o desemprego dos mais pobres? Qual ação efetivamente elaborou e implementou para que a periferia não tivesse que lidar cotidianamente com a violência e o desrespeito aos direitos humanos? Qual ação efetuou para alterar a infraestrutura das escolas e criar protocolos de biossegurança com a participação da comunidade escolar? Quais ações implementou para minimizar os impactos da Covid-19 nos grupos mais vulneráveis, que são os negros e indígenas? Quais políticas de reparação de violação de direitos humanos das famílias que perderam seus filhos em virtude de ação violenta do Estado este governo implementou?”, referindo-se também ao retorno presencial das aulas nas escolas da rede pública.
As entidades exigiram que o governo “interrompa este ciclo de violências que vem efetuando com suas políticas de segurança pública, que dialogue efetivamente com a comunidade escolar, e que efetive uma política de Direitos Humanos que de fato apresente um plano de ações concretas para enfrentar a violação de direitos humanos”.