Em mais uma decisão histórica, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, concedeu Habeas Corpus coletivo em favor de todos os adolescentes da Unidade de Internação Norte (Unis Norte), localizada em Linhares, no norte do Estado. Em sentença, publicada nessa quinta-feira (16), Fachin determinou que a taxa de ocupação de adolescentes internos seja delimitada em 119%, transferindo os sobressalentes para outras unidades que não estejam com capacidade de ocupação superior a essa média. Se isso não for possível, Fachin determinou a conversão de medidas para internações domiciliares.
A decisão pegou de surpresa até os defensores públicos capixabas que impetraram o Habeas Corpus. Isso porque já havia duas sinalizações de negativa para a matéria. Uma delas pelo próprio ministro Fachin, em outubro de 2017, além de parecer também desfavorável do Ministério Público Federal (MPF), no último dia 8 deste mês. Com capacidade para até 90 pessoas, a unidade abrigava cerca de 250. A alegação do ministro, à época, foi que a jurisprudência do STF determina a plena identificação das pessoas beneficiárias para que seja viável a concessão, mesmo entendimento do MPF.
Na sentença, Fachin escreveu: “Assim, determino: que na Unidade de Internação Regional Norte em Linhares/ES, onde há execução de medida socioeducativa de internação, a delimitação da taxa de ocupação dos adolescentes internos em 119%, procedendo-se a transferência dos adolescentes sobressalentes para outras unidades que não estejam com capacidade de ocupação superior à taxa média de 119%; subsidiariamente, caso a transferência não seja possível, o magistrado deverá atender ao parâmetro fixado no art. 49, II, da Lei 12.594/2012, até que seja atingido o mencionado percentual máximo de ocupação”.
O ministro seguiu: “na hipótese de impossibilidade de adoção das medidas supra, que haja conversão de medidas de internação em internações domiciliares; alternativamente, a adoção justificada pelo magistrado das diretrizes sucessivas constantes do pedido inicial […]”.
O Habeas Corpus foi impetrado pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), tendo como amicus curiae o Instituto Conectas Direitos Humanos, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e o Instituto Alana .
O ministro solicitou ainda que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fosse oficiado, solicitando informações sobre a taxa média de ocupação nas unidades de execução de medida socioeducativa de internação dos estados e que seja encaminhado o relatório do cadastro nacional de adolescentes em conflito com a lei enviado pelo juízo de direito competente para execução da Unis Norte de Linhares/ES, a partir do ano de 2015. Por fim, que no prazo de até 30 dias, informe o juiz da execução para a medida socioeducativa, pormenorizadamente, quanto ao cumprimento desta decisão.
O habeas corpus 143.988/ES solicitava que o Estado se adequasse à capacidade máxima prevista para a unidade, condicionando o ingresso de qualquer novo adolescente à saída de outro interno. A DPES também denunciava uma série de violações, como a não separação dos internos por idade ou tipo de ato infracional cometido, além de maus-tratos e tortura por parte de agentes socioeducativos.
Desde 2015
O habeas corpus, impetrado em 2015, apontava que a unidade tinha 210 adolescentes em local com capacidade para 60. A ação pedia que o Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado (Iases) fixasse um limite no número de adolescentes que podem cumprir medida na unidade. A unidade de Linhares atende a 30 municípios da região norte e noroeste e tem mais de 300 internos.
A demora e a negação do HC impetrado pela DPES geraram uma denúncia na Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações na mesma unidade. Como existia risco à vida e à integridade física e psicológica dos jovens, a Defensoria e as entidades de direitos humanos resolveram apelar à ajuda das cortes internacionais. Nesse caso, o Núcleo da Infância e Juventude da DPES, o Centro de Defesa de Direitos Humanos de Serra (CDDH) e o Comitê Estadual para Prevenção a Tortura no Espírito Santo (Cepet/ES) encaminharam a petição apresentando a Unis Norte à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O motivo: graves violações de direitos humanos, que não tiveram intervenção da Justiça brasileira.
“Destacamos que as via ordinárias internas foram adotadas, contudo, sem o êxito e a celeridade que a situação exigia, razão pela qual restou a via interamericana para que seja resguardados os direitos dos internos. Pensamos que, apesar das limitações inerentes à nossa estrutura, conseguiremos, ao menos em parte, dar visibilidade aos invisíveis, de forma a cumprir o mandamento constitucional do artigo 134 e as disposições da Convenção Americana de DHs”, disse o texto da Defensoria, de maio deste ano.
Mortes e feridos
No ano passado, a situação da unidade se agravou, mesmo com o aumento para 90 vagas. Em novembro, ocorreu uma tentativa de homicídio e a unidade estava com 235 internos em local que sequer tem alvará de funcionamento do Corpo de Bombeiros. O adolescente agredido foi atingido por vários golpes de objeto perfurocortante dentro da unidade e levado para atendimento médico no Hospital Geral de Linhares (HGL).
Em dezembro de 2016, outra intercorrência. Um adolescente da Unis Norte que cumpria medida socioeducativa por ato infracional equivalente ao crime de homicídio, foi morto por espancamento por outros internos. A superlotação, o baixo efetivo de agentes socioeducativos e o loteamento político no sistema contribuem para aumentar a violência nas unidades.