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Em nove meses, Estado chega a R$ 10 milhões de gastos com advogados dativos

O anúncio recente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), que, por meio de reportagem em seu site, comemorou o aumento nos gastos pelo Governo do Estado com os advogados dativos, contratados quando não há a presença do defensor público, gerou reação nas entidades que representam a categoria, que luta há anos por valorização e ampliação dos seus quadros. Atualmente, há um déficit histórico na Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que encontra-se instalada em apenas em 26 dos 78 municípios capixabas. Além disso, dos 102 juízos penais do Estado, apenas 53 contam com os serviços da DPES. No total, são mais de 100 cargos vagos e cerca de 50 aprovados aguardando nomeação, sem que a instituição tenha recursos para tal.  

Enquanto isso, de janeiro a setembro deste ano, o Governo do Estado gastou  R$ 9,9 milhões com a contratação dos dativos, valores que têm crescido ao longo dos anos. Segundo informações da própria OAB-ES, divulgados em reportagem publicada no site oficial da entidade, “o número de pagamentos do Estado a advogados dativos registrou um recorde na primeira quinzena deste mês de outubro. Dados da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) mostram que foram liberados, nessa sexta-feira (18), 5.232 pagamentos, em 238 páginas, um aumento de cerca de 50% em relação ao mesmo período do ano passado”. 

A informação sobre o número de pagamentos foi repassada pela Sefaz ao próprio presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Espírito Santo (OAB-ES), José Carlos Rizk Filho, e à Comissão de Dativos da Ordem. O fato é comemorado pelo presidente da Ordem Capixaba. “Temos um número recorde de pagamentos aos dativos, e isso tem um lado muito positivo. Significa não só um reforço no orçamento de muitos advogados, mas a ampliação do atendimento aos cidadãos que precisam da ajuda do Estado e da advocacia para buscar a Justiça”, fala registrada no site da entidade. 

Na mesma reportagem, o presidente da Comissão, Paulo Roberto Barbosa Silva, também ressaltou que o número de pagamentos vem evoluindo, fruto da boa relação entre a Ordem e o Estado. “A Comissão Estadual dos Dativos agradece o apoio do nosso presidente, doutor José Carlos Rizk Filho, que contribuiu e ajudou junto à PGE e à Sefaz.  Agradecemos também à equipe da Secretaria da Fazenda – nas pessoas de Juliana Vargas, Márcia Galantini, Paulo Sérgio Torres, Angelo Ricardo Milanezi, Daniel Corrêa e Bruno Pires Dias – pelo empenho que demonstraram em função da quantidade de pagamentos”. 

Reações 

Para a Associação dos Defensores Públicos (Adepes) e até para o próprio Ministério Público (MPES), os altos gastos com dativos vão na contramão do que determina a própria Constituição Federal. O MPES chegou, inclusive, a acionar a Justiça por meio de uma Ação Civil Pública (ACP) em face do Governo do Estado, pedindo ampliação do número de defensores públicos para atuar nas comarcas capixabas. A ACP com pedido de liminar é assinada pelo promotor Flávio de Souza Santos, da 15ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, com data de 20 de maio de 2019, e endereçada para decisão do juiz da Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória.  A ACP foi motivada diante de denúncia feita à Promotoria sobre a falta de defensor público perante a 11ª Vara Criminal de Vitória para atuar em favor das mulheres vítimas de violência.

Na inicial, o promotor também solicita à Justiça que o Governo do Estado repasse à DPES, ainda neste ano de 2019, cerca de R$ 10,6 milhões, referentes ao que foi gasto com pagamentos de honorários de advogados dativos no ano de 2017. Em 2018, esse valor chega a R$ 16 milhões. De 2011 a 2017, por sua vez, o montante chega a R$ 32,1 milhões, sem contar as despesas que o Estado têm com decisões judiciais que favorecem os dativos que acionam a Justiça pleiteando equiparação dos honorários recebidos à tabela da OAB-ES. 

A ACP solicita também que o Estado aumente o orçamento da Defensoria capixaba, que atualmente é de R$ 71,9 milhões, o menor entre os entes estaduais (neste ano, por exemplo, os orçamento do MPES é de R$ 411,9 milhões; o da Assembleia Legislativa, R$ 380,6 milhões; e do Judiciário, R$ 1,1 bilhão) de forma que a entidade seja fortalecida como órgão de assistência jurídica aos mais necessitados. O promotor de justiça cita ainda a baixa remuneração dos defensores capixabas, a pior do País, o que tem causado grande evasão da carreira, e a necessidade de cumprimento da Emenda Constitucional (EC 80/2014), que estipula a presença de, pelo menos, um defensor em cada comarca capixaba. Atualmente, apenas 26 municípios capixabas têm cobertura da DPES. 

A Procuradoria Geral do Estado (PGE), por sua vez, emitiu contestação à ação civil pública do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) em face do governo do Estado, que solicita à Justiça ampliação do número de defensores públicos nas comarcas capixabas. No documento, é requerido que o pedido não seja reconhecido, julgado improcedente, e extinto pelo Judiciário, uma vez que o governo tem autonomia sobre seu orçamento e deve zelar pelo equilíbrio de suas contas. 

A contestação alega ainda que o governo tem dado tratamento diferenciado para a Defensoria no Plano Plurianual, apesar dos percentuais terem decepcionado a categoria. O juízo da Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória negou o pedido de liminar, assim como um agravo proposto com forma de recurso pelo MPES. Uma nova decisão será tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado ainda sem data definida. 

 

Discussões do PPA

Para a presidente da Adepes, Mariana Sobral, na prática, o Plano Plurianual 2020-2023 apresentou um pequeno acréscimo de investimento para a instituição a partir de 2021, conforme se depreende da proposta de lei encaminhada à Assembleia Legislativa. Ao longo de quatro anos, o governo do Estado quer destinar à Defensoria Pública apenas 0,05%. Em 2019, o Estado destinou 0,44% da receita corrente líquida à Defensoria. Já em 2020, destinará apenas 0,40% da sua receita corrente líquida. 

Segundo ela, este ano, haverá recorde de gastos com advogados dativos, reflexo da falta de investimento na Defensoria Pública que, em desrespeito à Constituição Federal, encontra-se instalada apenas em 26 dos 78 municípios capixabas. “Esse quadro tende a permanecer se o PPA for aprovado da forma que está, na medida em que sua previsão orçamentária para os próximos quatro anos demonstra que não há expectativa de cumprimento da Emenda Constitucional 80. Investir em Defensoria Pública, além de um dever constitucional, é ampliar políticas públicas para as pessoas que mais precisam de forma integrada e econômica”, reforça Mariana Sobral. 

Segundo dados da Adepes, apenas na Grande Vitória, em agosto e setembro deste ano, a Defensoria Pública atendeu 30.123 pessoas, sem contar as realizações de audiências judiciais, reuniões, petições, ofícios e acordos realizados. “Não vislumbro equívoco na cobrança da OAB-ES. O advogado que prestou serviços deve receber a contraprestação do seu trabalho de forma ágil e em valor justo. Não há conflito de interesses. O Estado do Espírito Santo é quem viola os regramentos legais. A quem interessa não fortalecer a Defensoria Pública?!”.

Para o representante dos Aprovados no IV Concurso da Defensoria Pública, Fernando de Castro Silva, “mais uma vez, o montante gasto com advocacia dativa demonstra que o governo do Estado tem feito uma escolha incorreta: relegar a Defensoria a um estado de sucateamento e investir na prestação de serviços de assistência jurídica gratuita por vias diversas. A escolha constitucional é pelo modelo público, de modo que priorizar outra sistemática de prestação de serviços viola inúmeros princípios: economia, eficiência, impessoalidade, legalidade, entre outros”, explicou.

Audiências Públicas

Maior destinação de recursos para a Defensoria Pública foi uma das reivindicações feitas durante audiência pública da Comissão de Finanças para debater duas peças orçamentárias do Governo do Estado, o Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), cujas propostas – Projeto de Lei 716/2019 e PL 830/2019 – estão em análise na Assembleia Legislativa (Ales). 

O encontro, realizado na última quinta-feira (17), contemplou as microrregiões Metropolitana, Litoral Sul, Central Serrana, Sudoeste Serrana, Central Sul e Caparaó, as quais envolvem 46 dos 78 municípios capixabas. Na sexta-feira (18), o encontro foi na Câmara de Vereadores da  Serra, tendo como foco as microrregiões Rio Doce, Nordeste, Noroeste e Centro-Oeste, envolvendo 32 municípios restantes.

De acordo com o defensor público Douglas Louzada, desses 46 municípios abrangidos pela audiência, 26 não contam com defensoria pública. “A emenda constitucional 80 prevê que todas as cidades do Espírito Santo devem ter um defensor público até 2022. Infelizmente, o PPA não contempla o planejamento feito pela Defensoria Pública; então provavelmente, essa emenda constitucional não vai ser cumprida. Um serviço essencial que não está sendo disponibilizado para toda a população capixaba”. 

Louzada também informou que membros da Defensoria Pública estão elaborando uma emenda para ser apresentada aos parlamentares, de modo a aumentar o recurso destinado ao órgão e possibilitar a presença de defensores públicos nos 78 municípios capixabas.

Mariana Sobral, da Adepes, completou que nas duas audiências públicas que debateram o PPA, em 95% das falas da sociedade foi pedido o aumento de investimentos na Defensoria. “Esperamos que a voz do povo seja ouvida e que possamos avançar no orçamento da instituição”, concluiu.

 

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