Denúncia aponta que Programar coagiu funcionários a participarem de manifestações golpistas e recebeu candidatos
A Programar Progresso Granitos e Mármore, empresa do setor de rochas ornamentais de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, foi condenada a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos em um processo por assédio eleitoral a funcionários. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT-ES), a empresa acolheu atividades de candidatos de extrema direita durante as eleições gerais de 2022 e coagiu trabalhadores a participarem de manifestações golpistas logo após o anúncio do resultado do segundo turno, que deu vitória a Lula (PT) como presidente.
Em primeira instância, o juiz do Trabalho substituto Jailson Duarte não deu provimento às alegações do Ministério Público. O MPT recorreu da sentença e, em segunda instância, os desembargadores acolheram o recurso por unanimidade, conforme acórdão publicado no último dia 3 de maio (processo número 0000762-12.2023.5.17.0131).
A denúncia chegou ao MPT por meio do Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Rochas Ornamentais no Espírito Santo (Sindimármore), dois dias após a realização do segundo turno presidencial, em 30 de outubro de 2022. O Ministério Público confirmou os fatos por meio de testemunhas e de um vídeo de uma manifestação golpista ocorrida no trevo da Safra.
Segundo o órgão ministerial, a Programar abriu as portas para que o então candidato a senador Magno Malta (PL) e o vereador Júnior Corrêa (Novo, então no PL), que concorria a uma vaga como deputado federal, fizessem campanha dentro da empresa – neste ano, os dois romperam politicamente.
As provas arroladas também apontam que a empresa forneceu um ônibus para que funcionários participassem de manifestações contra o resultado das urnas, no qual o então presidente Jair Bolsonaro (PL) saiu derrotado. De 20 a 25 trabalhadores da Programar teriam participado dos atos golpistas, realizados nos 1º e 2 de novembro de 2022, sem que o dia de salário fosse descontado dos empregados.
Um vídeo produzido na ocasião – disponível no YouTube – mostra um ônibus chegando na Safra com bandeiras do Brasil. Um homem aparece olhando para a câmera e dizendo: “Olha aí! Programar aí!”.
O MPT aponta, ainda, que a empresa se recusou a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), “por se negar a reparar os danos morais coletivos nos termos propostos, ofertando valor ínfimo diante da gravidade da lesão aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores e dos objetivos do instituto”.
A Programar se defendeu dizendo que “sempre agiu de inteira boa-fé e com total respeito às leis em relação aos seus funcionários”, argumentando ainda que “não há, nos autos, qualquer menção a benefícios ou punição/retaliação a qualquer trabalhador para votar ou deixar de votar em candidatos às eleições. O juiz Jailson Duarte acolheu os argumentos e não considerou que os fatos alegados, por si só, configurassem coerção.
Entretanto, para a desembargadora Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi, relatora do processo na segunda instância, “qualquer interferência visando ao controle dessa espécie de liberdade [voto] configura a lesão, não só ao trabalhador coagido diretamente, como à coletividade, devendo ser prontamente rechaçada pelo Poder Judiciário, seja por tutelas inibitórias, seja com condenação à indenização por danos morais, coletivos e individuais”.
“A partir do momento em que o empregador leva políticos para dentro da empresa para se apresentar e fazer campanha, no momento em que conduz empregados em ônibus fretados para movimentos políticos e ainda abona o dia, é óbvio que pretende influenciar a opção política dos empregados que se traduz no voto. E esse comportamento é claramente uma forma de intimidação e constrangimento. Afinal, não há paridade de forças entre empregado e empregador. E essa intimidação e constrangimento não são ostensivos”, afirma a relatora.
Ainda de acordo com o voto da relatora, o fretamento do ônibus para as manifestações golpista não caracteriza o assédio em si, sendo “apenas a culminância de todo o movimento no sentido de influenciar o voto ao longo do período pré-eleitoral, tanto que a insatisfação se estendeu após o resultado desfavorável a opção do empregador. E envolveu seus próprios empregados nessa oposição ao resultado das eleições, em prol da sua linha ideológica partidária”.
Mais empresas envolvidas
Esse não foi um caso isolado. Segundo o presidente do Sindimármore, Amarildo Lugão, foram feitas denúncias de assédio eleitoral relacionadas a mais de dez empresas do setor em todo o Estado nas eleições de 2022, ano em que teve um grande crescimento desse tipo de denúncia, como acrescenta. O MPT também investigou mais de 20 empresas de vários setores sobre esse tema.
“Todas as denúncias que a gente recebeu, entramos com processo. Também tiveram casos no norte do Estado. Assim como a Programar, outras empresas foram condenadas. O trabalhador vê que não é o certo isso de empresa escolher o lado partidário. Cada um tem o seu direito de voto e ninguém precisa pressionar ninguém a votar. E tem empresa que acha que é dona do voto do trabalhador”, comenta Amarildo.
O presidente do Sindimármore relata ainda que a “classe patronal bancou os atos” golpistas ocorridos entre o fim de 2022 e o início de 2023, mas acredita que as coisas mudaram e não enxerga com preocupação as eleições municipais deste ano.
“Hoje o cenário é totalmente diferente de dois anos atrás. Voltou a normalização. Existe ainda aquela política forçada, mas isso já diminuiu muito, não é a mesma coisa”, opina.
‘Coach eleitoral’
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