A Justiça capixaba condenou o Estado do Espírito Santo a pagar R$ 80 mil de indenização por danos morais à família de Priscila Rocha Santa Clara. A jovem, de 23 anos, tirou a própria vida dentro do Centro de Detenção Provisória Feminino de Viana (CDPFV), em 14 de novembro de 2015, onde estava presa provisoriamente por três meses. Apesar de ser ré primária, ter residência fixa, estar empregada e ter, supostamente, cometido crime de menor potencial ofensivo, Priscila foi mantida no cárcere em condições precárias, sendo vítima de tortura e maus-tratos. Não suportando as condições da prisão, atentou contra a própria vida.
Segundo decisão da juíza Sayonara Couto Bittencourt, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde, assinada na última sexta-feira (27), os R$ 80 mil são correspondentes a quatro montantes de R$ 20 mil, reparando os pais da vítima – Andreza de Souza Rocha e Renato Kuster Santa Clara -, além dos dois irmãos menores de idade.
A sentença estabelece também o pagamento de pensão mensal (1/3 do salário mínimo) aos pais até que completem 70 anos. E outra pensão para os dois irmãos até que completem 21 anos de idade. O Estado também terá que reembolsar à família da jovem em R$ 1,6 mil referentes aos gastos com o velório; valores que devem ser corrigidos monetariamente. O juízo alega que, como a família é de baixíssima renda, o salário de Priscila era importante para sobrevivência dos parentes.
Defesa
De acordo com o advogado Antônio Fernando de Lima Moreira da Silva, que representa a família e escreveu a inicial que deu origem ao processo na Justiça, Priscila foi presa por suspeitas de associação ao tráfico. A própria polícia, no entanto, tinha pedido o arquivamento do inquérito por falta de provas. “Dias depois que ela se suicidou, o promotor pediu a absolvição de todos os envolvidos”, explicou Fernando Moreira.
O advogado utilizou informações de vistorias. Relatório do Conselho Nacional De Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), referente a inspeções entre 13 e 15 de 2016, traz as seguintes conclusões sobre o presídio onde Priscila estava: “insuficiência de ventilação nas celas, insuficiência de sol nas celas, ausência de iluminação natural nas celas, presas com transtorno mental, presas sem tratamento para dependência química, presas com HIV, presas com hepatite, rotina padrão de 2 horas de banho de sol, visita familiar de 2 horas a cada 15 dias, ausência de visita íntima, ausência de programa individualizado para cumprimento da pena, ausência de atividades culturais, de lazer e esportivas, uso de gás de pimenta, uso de arma de eletrochoque, bala de borracha. Misture bem essa química, pronto: o resultado é a morte”, relata a inicial escrita pelo advogado.
Para Fernando, a Constituição Federal é clara quando expressa que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Segundo o advogado, a jurisprudência também culpabiliza o Estado em caso de suicídio, conforme decisão do já falecido ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal de Justiça: “O Estado tem o dever de proteger os detentos, inclusive contra si mesmos. Não se justifica que tenha tido acesso a meios aptos a praticar um atentado contra sua própria vida. Os estabelecimentos carcerários são, de modo geral, feitos para impedir esse tipo de evento. Se o Estado não consegue impedir, ele é o responsável”.
Morte
O laudo cadavérico apontou asfixia mecânica por enforcamento como causa da morte de Priscila, tendo sido instaurado inquérito policial para apurar as circunstâncias. Ela já havia apresentado sinais e sintomas de quadro depressivo, agravado pelas condições de encarceramento, além de anemia, uma vez que a comida oferecida era imprópria. Depois do suicídio, a Secretaria de Estado da Justiça editou portaria objetivando embaraçar o acesso dos familiares da jovem ao prontuário médico. Foi necessária ação na Justiça para que tais informações fossem fornecidas.
Priscila foi recolhida no sistema prisional em março de 2015, quando estava presente em uma operação policial em que foram presas diversas pessoas sem que, contudo, fosse encontrada nenhuma droga ilícita com a jovem. Ela ficou 15 dias no CDPFV e foi liberada. A mãe de Priscila, Andreza de Souza Rocha, conta que a filha não era usuária de drogas – como, inclusive, consta no prontuário médico da jovem – e levava uma vida normal. A vida continuou depois dessa prisão: Priscila entrou na faculdade e começou a trabalhar em uma empresa de importação e exportação em Vila Velha, tendo sido promovida, quando, inesperadamente, foi novamente presa em 1º de setembro de 2015 por, supostamente, ter a possibilidade de interferir nas investigações.
Andreza conta que a família, de origem humilde, foi pega de surpresa com a nova prisão, incluindo Priscila, que acreditava que o processo dela havia sido arquivado. Durante o tempo em que permaneceu no CDPFV, Priscila escreveu cartas para a mãe e os familiares em que relatava as condições da prisão. Segundo relatos da família, apesar de não ter sido presa com posse de entorpecentes, Priscila foi colocada em uma cela com internas que aguardavam julgamento por crimes de maior potencial ofensivo.
A mãe descobriu ainda cartas não enviadas em que a filha relatava episódios de violência ocorridos no CDPFV. Numa das narrativas, Priscila relatou que uma mulher havia morrido na unidade por falta de atendimento médico. Para chamar a atenção para o fato, as presas chutaram chapas de metal. Posteriormente, ocorreu uma operação em que colocam as internas todas agachadas, o chamado “procedimento”, e atiraram gás e balas de borracha contra as internas.
A morte de Priscila provocou abalos profundos na família. Sua mãe, que trabalhava em um supermercado, deixou o emprego e não consegue mais trabalhar.