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Estado vai abrir mão de R$ 4,3 bilhões em impostos até o fim do governo Hartung

Ao mesmo tempo em que tenta vender o discurso de austeridade fiscal, o governo do Estado abre mão de uma cifra bilionária em incentivos fiscais para um seleto grupo de empresas. Até o fim do mandato do governo Paulo Hartung (PMDB), o Estado deve abrir mão de R$ 4,31 bilhões na arrecadação de ICMS. O principal setor beneficiado é o atacadista, cuja renúncia fiscal deve bater a marca de R$ 3,2 bilhões ao longo dos quatro anos de gestão. Todos os dados são estimados no texto do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que será apreciado pela Assembleia Legislativa.

Essa foi a primeira vez que o atual governador revela o volume das renúncias fiscais em sua gestão. Nos dois primeiros mandatos, Hartung resistiu à divulgação das informações, obrigatoriedade prevista na Leio de Responsabilidade Fiscal (LRF). O governo do Estado só passou a publicar a estimativa dos benefícios no ano de 2011, na gestão Renato Casagrande (PSB), mesmo assim após determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Mas apesar das vultosas cifras envolvidas neste financiamento à iniciativa privada, os números se referem apenas aos chamados Contratos de Competitividade (Compete-ES), cuja legalidade é alvo de questionamentos judiciais. Segundo a LDO, apenas seis setores industriais (atacadista, metalmecânico, alimentos, vestuário, material plástico e móveis) vão deixar de arrecadar R$ 983,59 milhões somente este ano. Até 2018, a renúncia fiscal deve crescer 21%, alcançando R$ 1,19 bilhão no último ano de mandato do peemedebista.

Números que são significativos em relação à expectativa de resultado do governo, por exemplo, do novo programa de refinanciamento de dívidas (Refis), divulgado nessa quinta-feira (21). O Estado espera arrecadar cerca de R$ 200 milhões com o plano, que vai permitir que o Fisco abra mão da cobrança de até 100% dos juros dos devedores – medida que penaliza quem paga seus tributos em dia, além de servir como um incentivo a mais à sonegação.

Essas “novas receitas” oriundas do Refis não chegam nem perto do que o Estado deixa de arrecadar apenas com as empresas atacadistas, de longe o setor mais beneficiado pela política de incentivos de Hartung. As empresas associadas ao Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado (Sincades) devem deixar de arrecadar R$ 3,2 bilhões ao longe de 2015 e dos próximos três anos. A expectativa do governo é de que os benefícios ao setor saiam da casa dos R$ 729 milhões este ano para alcançar R$ 883 milhões em 2018.

Por outro lado, o governo não informa quais são as contrapartidas oferecidas pelas empresas ao Estado. O texto da LDO ressalta que os “benefícios concedidos têm proporcionado o esperado aumento de faturamento das empresas dos segmentos beneficiados”, fato que, segundo o Estado, acaba trazendo mais recursos aos cofres estaduais. Uma lógica que não se justifica, pelo menos, na comparação do faturamento das empresas e o que fica nos cofres públicos, dinheiro este sim que é convertido em obras e ações para a população.

No ano passado, o Sincades divulgou que as empresas do setor – aproximadamente 700 firmas – movimentaram R$ 21 bilhões, porém, a arrecadação do ICMS deve ter girado na casa dos R$ 500 milhões. Os números são estimados com base na fórmula do incentivo, uma vez que o Fisco não divulga informações sobre os contribuintes do Estado. O Compete-ES do setor atacadista permite às empresas o recolhimento de apenas 1% dos 12% da alíquota normal do tributo. Para os outros setores industriais, o programa de incentivo não é tão benevolente, garantindo a redução alíquota de 5% a 7% em relação ao normalmente cobrado.

Apesar dos números significativos, a renúncia fiscal do Estado não se resume ao Compete-ES. As Secretarias de Desenvolvimento (Sedes) e da Fazenda (Sefaz) mantém outros programas e ações de fomento à iniciativa privada, cujo impacto nas contas públicas é totalmente desconhecido pela sociedade – e até mesmo de autoridades, como a Assembleia Legislativa. Um exemplo é o Programa de Incentivo ao Investimento no Estado (Invest-ES), que resultou em deferimentos na ordem de R$ 19,83 bilhões nos oitos anos da primeira Era Hartung.

No período, foram assinados 209 termos de acordo do Invest-ES, que permitiram desde a redução na alíquota de importação de máquinas, equipamentos e até de matéria-prima para implantação de novas fábricas ou expansão das atuais plantas industriais, além da possibilidade de utilização dos créditos fiscais para reduzir a carga tributária incidente sobre a produção.

Os maiores beneficiados pelo programa de fomento foram os chamados grandes projetos, que receberam mais de 70% dos deferimentos do Invest-ES. Juntas, as empresas Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU), projeto capitaneado pela Vale para construir uma mineradora no município de Anchieta (litoral sul capixaba); a Companhia Siderúrgica de Tubarão (antiga CST, hoje ArcelorMittal Tubarão); e a Sol Coqueria Tubarão, subsidiária do mesmo grupo, ficaram com R$ 14,37 bilhões dos R$ 19,83 bilhões – valor que deixou de ser recolhido para se transformar em “incentivos”.

As grandes empresas, que se mostram as principais parceiras de Hartung desde 2003, também são agraciadas com créditos de ICMS, oriundos da Lei Kandir, que desonerou as exportações – sobretudo de produtos semielaborados e commodities – e estabeleceu a compensação às empresas e ao Estado.

Por força de atos administrativos, a Sefaz garante a utilização desses créditos – considerados como papéis podres em outros estados, mas que aqui podem ser utilizados pelas empresas que recolhem ICMS (caso exclusivo da antiga CST, que vende bobinas de aço para o mercado interno, sendo o restante da produção exportado) ou repassado a terceiros com deságio. O volume de negócios não é divulgado pelo governo, que também não dá publicidade ao estoque de créditos homologados pela Sefaz.

Com base nos balanços divulgados pelas quatro poluidoras – principais detentoras dos créditos da Lei Kandir – é possível afirmar que Vale, ArcelorMittal Tubarão, Samarco e Aracruz Celulose (hoje Fibria) têm acumulados mais de R$ 2 bilhões em créditos de ICMS. Essas grandes empresas negociam os créditos fiscais com deságio de até 70%, isto é, os devedores pagam 30% do valor do crédito e descontam o valor da face das suas dívidas com o Estado.

Um ótimo negócio para as empresas poluidoras, que não teriam a possibilidade de geração de caixa em outros locais, e aos devedores do Fisco, uma vez que se tornou muito mais vantajoso não cumprir com suas obrigações legais.

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