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Estado vai concluir Política Antimanicomial do Judiciário apenas em 2026

Cronograma prevê fim de novas internações na UCTP de Cariacica no próximo mês

Sejus

A partir do próximo dia 26 de maio, a Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) de Cariacica deixará de receber novos pacientes. A medida cumpre o cronograma previsto na Portaria Conjunta Sejus/Sesa nº 001-R, de 18 de setembro de 2024, para desativação do manicômio judicial do Estado, direcionado a pessoas que cometeram crimes e foram consideradas incapazes de se responsabilizarem pelos seus atos devido a transtornos psiquiátricos. O Estado só concluirá a implementação da Política Antimanicomial do Judiciário, porém, em novembro de 2026, segundo informou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De acordo com o cronograma estadual, ainda falta a retirada dos policiais penais e da equipe de saúde da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), substituídos por segurança privada e equipe da Sescretaria de Saúde (Sesa) até o dia 26 de maio, e a formalização do Termo de Cessão do local à Secretaria da Saúde, até 30 de julho. A UCTP será transformada em um espaço de acolhimento transitório até 2026.

O Conselho Nacional de Justiça aponta que o Espírito Santo e mais nove estados vão finalizar todas as ações no ano que vem – Alagos, Amapá, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Outros 12 estados colocarão seus planos em prática ainda em 2025 – Acre, Amazônia, Bahia, Paraíba, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraná, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins. Os estados Rio de Janeiro e Goiás foram orientados a reapresentar o documento com complementações. Piauí e do Maranhão ainda não apresentaram planos de ação, embora tenham sido formalmente convocados a fazê-lo. O Ceará é o único que informou já ter concluído integralmente a implementação da política.

A consolidação dos planos estaduais faz parte da implementação da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, criada para enfrentar a situação inconstitucional do sistema prisional brasileiro e redirecionar o tratamento de pessoas com transtornos mentais ou deficiência psicossocial em conflito com a lei. A política busca alinhar as práticas às convenções internacionais de direitos humanos e à Lei Federal nº 10.216/2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais.

“A Política Antimanicomial ressignifica a pauta na perspectiva da saúde, que é a forma como o tema, preponderantemente, precisa ser tratado no país, com um alinhamento legal e convencional. Quando trabalhamos essa política com enfoque na saúde, tratamos de assistência, respaldamos a segurança e a não desassistência a essas pessoas. Ao campo da saúde, se confia o encontro das melhores e mais apropriadas formas de encaminhar cada caso para garantir um melhor cuidado para cada pessoa”, avalia o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi.

Atualmente, a UCTP abriga 63 pacientes, sendo 46 sob medida de segurança e 17 em internação provisória, como informou a Sejus. Os crimes são, principalmente, de homicídio, lesão corporal, roubo e ameaça. Os internos serão acompanhados por meio da rede de atenção psicossocial, que inclui serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e as equipes de Estratégia de Saúde da Família. Caso necessário, poderão ser internados nas Unidades de Acolhimento Transitório (UATs), voltadas para pessoas maiores de 18 anos com transtornos mentais em conflito com a lei e sem acolhimento familiar ou condições para inserção imediata em Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs). 

O processo do CNJ também é resultado do movimento iniciado pela Reforma Psiquiátrica de 2001 no Brasil, que visa afastar os pacientes de modelos punitivos e promover um tratamento mais inclusivo e humanizado de cuidado, além da condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2006, após o caso de tortura e morte de um paciente em uma clínica psiquiátrica no Ceará em 1999. 

Os planos foram apresentados pelos poderes públicos locais em resposta à Resolução CNJ nº 487/2023, que determina a substituição de unidades psiquiátricas prisionais por serviços de atenção psicossocial, bem como a Portaria Interministerial do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde nº1, de 2 de janeiro de 2014, que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no Sistema Único de Saúde.

No Espírito Santo, o processo de transição começou efetivamente em agosto de 2024, após o prazo inicial para o fechamento, que seria em maio de 2024, ter sido prorrogado para permitir a adequação das estruturas e serviços necessários para a desinstitucionalização dos pacientes e a implementação de alternativas como as Unidades de Acolhimento Transitório (UATs).  

‘Depósito de pessoas’

Em participação no programa Entrevista do Século, da TV Século, Haroldo Caetano, doutor em Psicologia e promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás,  explicou que, segundo a lei, os internos de manicômios judiciários foram declarados inocentes, uma vez que foram considerados inimputáveis, ou seja, incapazes de responder por seus atos criminosos devido a transtornos psiquiátricos. Na prática, porém, essas pessoas estão condenadas a passar a vida inteira trancafiadas.

“O próprio Conselho Nacional de Justiça, na Resolução 487, dá instruções, e depois o CNJ baixou um manual de orientações de como deve acontecer o fechamento. A política de atenção em Saúde Mental nos estados e municípios é que vai ser chamada a responder a esses casos – assim como, insisto, já acontece aqui no estado de Goiás há 18 anos”, comentou Haroldo Caetano, que defende que os manicômios representam uma política ultrapassada e de viés racista.

Rafael Dias Valencio, psicólogo, professor universitário e integrante do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial no Espírito Santo, relata na entrevista que  esteve na UCTP em uma inspeção e presenciou internos em situação precária. Ele afirma que há um histórico de cidades do Estado com instituições de “depósito de pessoas”, como Cariacica e Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado.

“Apesar da Lei 10.216, da Reforma Psiquiátrica, ser de 2001, a desinstitucionalização das pessoas só começou a acontecer em meados de 2010 e 2012. Quer dizer, 10 anos após a Lei Antimanicomial. Então, a gente tem um hiato gigantesco para conseguir desinstitucionalizar e implementar serviços substitutivos, que são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e a Atenção Primária, que são as Unidades Básicas de Saúde”, disse Rafael.

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