Ex-funcionários do antigo Hospital dos Ferroviários, atual Hospital Estadual de Vila Velha, cobram na Justiça mais de seis meses de salários atrasados e direitos trabalhistas. Uma comissão foi criada após o fechamento do hospital, em 2013, com o objetivo de acompanhar o processo, até hoje sem solução. São quase 320 famílias desamparadas pela antiga e atual administração do hospital, que está sob aquisição administrativa do Estado.
Porta-voz dos funcionários que foram lesados, a comissão é formada por quatro pessoas. Um ex-técnico de enfermagem, uma ex-assistente social, uma ex-nutricionista e uma ex-técnica de segurança do trabalho da unidade. Alguns trabalhadores prestaram serviços por 30 anos, mas também saíram sem receber seus direitos.
O ex-técnico de enfermagem Thiago Batista Vitorugo, membro da comissão, ressalta que os funcionários já estavam sem receber desde novembro de 2012, incluindo o 13º do mesmo ano. Ninguém recebeu, também, a rescisão. Alguns conseguiram sacar apenas o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que estava retido. Mesmo assim, não foram todos.
“Nós saímos com uma mão na frente e outra atrás. Simplesmente avisaram do dia para noite que o hospital iria fechar e chegaram a dizer que estávamos revoltados com os salários atrasados, sugerindo um 'motim'. Estávamos revoltados, sim, e muito, mas nunca deixamos de trabalhar. Nenhum setor ficou sem funcionar em momento algum, até o dia do fechamento”, afirmou Thiago.
O hospital fechou as portas em feveiro de 2013, alegando falta de recursos. Após o anúncio, os funcionários foram avisados que teriam férias coletivas, mas continuariam com seus contratos ativos. Apenas no dia 30 de março, os trabalhadores foram desligados do hospital.
Dos muitos trabalhadores afetados pelo fechamento, alguns optaram por contratar advogados particulares, outros procuraram os sindicatos das respectivas categorias para pedir apoio. Nesses anos de longa espera, alguns já faleceram, outros adoeceram, e muitas famílias ficaram desestruturadas.
Hoje, a única esperança que os trabalhadores têm de receber o que têm direito é com a desapropriação do prédio. Em 2015 ele foi posto em leilão pela Justiça do Trabalho e, com isso, o responsável por arrematá-lo pagaria o passivo trabalhista deixado pela administração anterior.
No entanto, no ano seguinte, o governo do Estado decretou que o prédio seria desapropriado, inviabilizando o leilão. Desde então, travou-se uma briga do governo com a diretoria do hospital, até hoje, sem solução. O processo de desapropriação tramita na Vara da Fazenda Pública De Vila Velha.
Denúncia
O Ministério Público Federal (MPF) no Espírito Santo denunciou, nessa semana, dois gestores do antigo Hospital dos Ferroviários pelo desvio de mais de R$ 2 milhões, verba essa proveniente de um convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS). O presidente da Associação Civil Cidadania Brasil (ACCB), Marco César de Paiva Aga, e o diretor-presidente da Associação Beneficente dos Ferroviários da Estrada de Ferro Vitória Minas (ABF), Jair Demuner, estão sendo processados pelo crime de crime de peculato, ou seja, desvio de dinheiro público para proveito próprio ou alheio, por 159 vezes, no total.
Segundo a denúncia do MPF/ES, em janeiro de 2012, o Estado celebrou convênio com a ABF, que administrava o Hospital dos Ferroviários. Pelo acordo, o hospital receberia anualmente o valor de mais de R$ 17 milhões de verbas estaduais e federais. Em contrapartida, o hospital deveria, entre outros serviços, disponibilizar leitos, acesso a terapias, exames e consultas, além de procedimentos de média e alta complexidade, segundo metas e indicadores previstos pelo convênio.
Apesar do contrato ter sido celebrado entre a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) e a AFB, o MPF diz que o que ocorreu, na prática, foi a execução do convênio pela ACCB, que, desde 2009, tinha um contrato com a AFB para gerir o hospital. Pelo acordo, Jair Demuner constituiu Marco César como procurador da ABF, dando totais poderes para praticar os atos de gestão da Associação.
A ABF deveria manter os recursos recebidos em conta bancária específica, com a permissão de apenas saques para pagamentos de despesas previstas no Plano Operativo Anual (POA), sendo vedada, expressamente, a aplicação das verbas em finalidades diversas das estabelecidas, mesmo que em caráter de urgência.
Mas toda a verba repassada mensalmente pela Sesa era transferida para a conta da ACCB, sendo os recursos utilizados para pagamentos não abrangidos pelo acordo, como serviços advocatícios e de acordos judiciais de questões trabalhistas; dívidas com o INSS; aluguel de imobiliária; contabilidade; informática; segurança patrimonial; reformas; assessoria de imprensa; doações; serviços de lava-jato; produções de gráficas; ressarcimento de viagens aéreas feitas pela diretoria do Hospital; e até pagamento de sorveteria.