Vila Esperança celebra suspensão de reintegração após decisão do Supremo

Vila Esperança, ocupação localizada em Jabaeté, Vila Velha, amanheceu em clima de alívio e celebração nesta terça-feira (8), após o anúncio da suspensão da reintegração de posse programada para acontecer logo pela manhã. Com o céu limpo após a chuva da noite anterior, moradores relembravam o sufoco recente: a água invadindo pelas frestas dos barracos, a árvore que desabou sobre uma das casas e uma noite quase inteira sem dormir. Grande parte das moradias mede menos de 3 por 2,5 m², com paredes montadas como quebra-cabeças de pedaços de madeira, portas e janelas vindas de demolições. Mesmo diante da ameaça de despejo, a maioria decidiu permanecer, sem ter para onde ir.
“Foi uma vitória no último instante e fruto da luta coletiva, então estamos muito felizes e gratos pela força dos movimentos sociais. A injustiça seria cometida. Ontem eu estava muito triste. Foi desumano o que queriam fazer com as famílias”, desabafa Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, presidente da ocupação. Apesar do alívio, a comunidade reconhece que a luta precisa continuar até que a regularização do terreno seja conquistada.

A ocupação Vila Esperança, junto à vizinha Vale da Conquista, também alvo da reintegração, está situada em uma área que pertencia à Fazenda Moendas Empreendimentos e Participações Ltda, na região de Grande Terra Vermelha. A ação foi movida em 2019 por Carlos Fernando Machado, que requer a posse das glebas 3 e 4 da chamada “Fazendinha Treze”.
Mesmo com a suspensão, o ato programado para o amanhecer foi mantido. Às 8h, organizações e movimentos sociais caminharam ao lado da comunidade pelas ruas do bairro Jabaeté, entoando palavras de ordem como “Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm! Se não vêm nossos direitos, o Brasil perde também!”, “Ocupar, resistir, construir, para morar“ e “Nem que a coisa engrossa, essa terra é nossa”.

A mobilização foi convocada por entidades como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), e partidos políticos do campo progressista.
Com a liminar concedida na noite anterior pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dia Toffoli, em reclamação movida pela Defensoria Pública do Estado (DPES), a comunidade comemorou a chance de permanecer e seguir cultivando a terra onde, ao longo de oito anos, desenvolveram redes de resistência, economia criativa e formas de pertencimento comunitário. “Quando se pensa em um território que é sumariamente preto, nosso povo nunca teve um lugar para estar, e Vila Esperança é uma garantia disso”, ressalta a moradora Ione Duarte.

No dia anterior, a comunidade ainda se organizava coletivamente para se proteger do despejo e garantir que, mesmo sob ameaça, todos pudessem estar amparados e em segurança. Criaram núcleos de segurança e saúde, distribuíram kits de primeiros socorros, e prepararam espaços de acolhimento para crianças e idosos. “Por mais que a polícia falasse que a operação era para garantir nossa segurança, a gente sabia qual seria o tom, pela forma como estavam abordando os moradores na última semana. E quando a polícia entra, entra com truculência. A gente não queria isso”, explica.
João Augusto Gomes Vieira, que vive há sete anos na ocupação, chegou a pensar em desmontar seu barraco diante do pânico instaurado após a reunião preparatória com a Polícia Militar, que havia prometido cumprir a ordem judicial ainda que por meio da força e, para isso, já havia um aparato designado, com apoio do Comando da PM, Cavalaria, Batalhão de Missões Especiais (BME), Guarda Municipal e dezenas de máquinas para realizar a demolição. “Mas no fim, resolvi deixar tudo como estava e ficar. A gente construiu isso aqui com muita luta. Não tinha para onde levar nada, não tinha por que ir embora.”

O plano de reintegração de posse, derrubado pela ausência de qualquer solução habitacional ou assistencial às famílias atingidas, é apontado como um ato de violência institucional, marcado pela omissão das gestões de Renato Casagrande (PSB) e de Arnaldinho Borgo (de saída do Podemos). No pedido de liminar acatado pelo ministro Dias Toffoli, a Defensoria apontou violações de direitos humanos contra “famílias vulneráveis residentes na área, mesmo após diversas audiências e requerimentos”.
Preso após participar de um protesto pacífico na sede da prefeitura, realizado no dia 25 de março, em que moradores cobravam uma resposta do prefeito sobre o despejo, o morador da ocupação João Otávio também recebeu palavras de apoio e solidariedade durante o percurso. Ele foi solto na última quinta-feira (3), após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogar a fiança de R$ 30 mil que havia sido exigida para sua liberdade.

Vila Esperança nasceu como resposta à exclusão habitacional, em um terreno abandonado, durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos). Em 2020, a ocupação ganhou respaldo com o decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), que declarou a área de interesse social. No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo (Podemos) revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram. A decisão de reintegração, proferida em 27 de fevereiro pela desembargadora Janete Vargas Simões, reacendeu a luta por moradia digna.
Até o julgamento do mérito da posse da área pelo Supremo, não há previsão de nova ação de despejo. A partir de agora, o foco de luta das mais de mil famílias das duas áreas ameaçadas passa a ser a conquista do direito à titularidade da terra, enquanto resistem às pressões para transformar a área em um empreendimento imobiliário de luxo, privilégio acessado somente pela minoria, porém poderosa, elite capixaba.