quarta-feira, abril 16, 2025
23.9 C
Vitória
quarta-feira, abril 16, 2025
quarta-feira, abril 16, 2025

Leia Também:

‘Foi uma vitória no último instante, fruto da luta coletiva’

Vila Esperança celebra suspensão de reintegração após decisão do Supremo

Leonardo Sá

Vila Esperança, ocupação localizada em Jabaeté, Vila Velha, amanheceu em clima de alívio e celebração nesta terça-feira (8), após o anúncio da suspensão da reintegração de posse programada para acontecer logo pela manhã. Com o céu limpo após a chuva da noite anterior, moradores relembravam o sufoco recente: a água invadindo pelas frestas dos barracos, a árvore que desabou sobre uma das casas e uma noite quase inteira sem dormir. Grande parte das moradias mede menos de 3 por 2,5 m², com paredes montadas como quebra-cabeças de pedaços de madeira, portas e janelas vindas de demolições. Mesmo diante da ameaça de despejo, a maioria decidiu permanecer, sem ter para onde ir. 

“Foi uma vitória no último instante e fruto da luta coletiva, então estamos muito felizes e gratos pela força dos movimentos sociais. A injustiça seria cometida. Ontem eu estava muito triste. Foi desumano o que queriam fazer com as famílias”, desabafa Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, presidente da ocupação. Apesar do alívio, a comunidade reconhece que a luta precisa continuar até que a regularização do terreno seja conquistada. 

Leonardo Sá

A ocupação Vila Esperança, junto à vizinha Vale da Conquista, também alvo da reintegração, está situada em uma área que pertencia à Fazenda Moendas Empreendimentos e Participações Ltda, na região de Grande Terra Vermelha. A ação foi movida em 2019 por Carlos Fernando Machado, que requer a posse das glebas 3 e 4 da chamada “Fazendinha Treze”.

Mesmo com a suspensão, o ato programado para o amanhecer foi mantido. Às 8h, organizações e movimentos sociais caminharam ao lado da comunidade pelas ruas do bairro Jabaeté, entoando palavras de ordem como “Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm! Se não vêm nossos direitos, o Brasil perde também!”, “Ocupar, resistir, construir, para morar“ e “Nem que a coisa engrossa, essa terra é nossa”.

Leonardo Sá

A mobilização foi convocada por entidades como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), e partidos políticos do campo progressista. 

Com a liminar concedida na noite anterior pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dia Toffoli, em reclamação movida pela Defensoria Pública do Estado (DPES), a comunidade comemorou a chance de permanecer e seguir cultivando a terra onde, ao longo de oito anos, desenvolveram redes de resistência, economia criativa e formas de pertencimento comunitário. “Quando se pensa em um território que é sumariamente preto, nosso povo nunca teve um lugar para estar, e Vila Esperança é uma garantia disso”, ressalta a moradora Ione Duarte. 

Leonardo Sá

No dia anterior, a comunidade ainda se organizava coletivamente para se proteger do despejo e garantir que, mesmo sob ameaça, todos pudessem estar amparados e em segurança. Criaram núcleos de segurança e saúde, distribuíram kits de primeiros socorros, e prepararam espaços de acolhimento para crianças e idosos. “Por mais que a polícia falasse que a operação era para garantir nossa segurança, a gente sabia qual seria o tom, pela forma como estavam abordando os moradores na última semana. E quando a polícia entra, entra com truculência. A gente não queria isso”, explica.

João Augusto Gomes Vieira, que vive há sete anos na ocupação, chegou a pensar em desmontar seu barraco diante do pânico instaurado após a reunião preparatória com a Polícia Militar, que havia prometido cumprir a ordem judicial ainda que por meio da força e, para isso, já havia um aparato designado, com apoio do Comando da PM, Cavalaria, Batalhão de Missões Especiais (BME), Guarda Municipal e dezenas de máquinas para realizar a demolição. “Mas no fim, resolvi deixar tudo como estava e ficar. A gente construiu isso aqui com muita luta. Não tinha para onde levar nada, não tinha por que ir embora.” 

João Augusto (dir.), com o amigo Isaías, no quintal de sua casa. Foto: Leonardo Sá

O plano de reintegração de posse, derrubado pela ausência de qualquer solução habitacional ou assistencial às famílias atingidas, é apontado como um ato de violência institucional, marcado pela omissão das gestões de Renato Casagrande (PSB) e de Arnaldinho Borgo (de saída do Podemos). No pedido de liminar acatado pelo ministro Dias Toffoli, a Defensoria apontou violações de direitos humanos contra “famílias vulneráveis residentes na área, mesmo após diversas audiências e requerimentos”. 

Preso após participar de um protesto pacífico na sede da prefeitura, realizado no dia 25 de março, em que moradores cobravam uma resposta do prefeito sobre o despejo, o morador da ocupação João Otávio também recebeu palavras de apoio e solidariedade durante o percurso. Ele foi solto na última quinta-feira (3), após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogar a fiança de R$ 30 mil que havia sido exigida para sua liberdade.

Leonardo Sá

Vila Esperança nasceu como resposta à exclusão habitacional, em um terreno abandonado, durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos). Em 2020, a ocupação ganhou respaldo com o decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), que declarou a área de interesse social. No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo (Podemos) revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram. A decisão de reintegração, proferida em 27 de fevereiro pela desembargadora Janete Vargas Simões, reacendeu a luta por moradia digna. 

Até o julgamento do mérito da posse da área pelo Supremo, não há previsão de nova ação de despejo. A partir de agora, o foco de luta das mais de mil famílias das duas áreas ameaçadas passa a ser a conquista do direito à titularidade da terra, enquanto resistem às pressões para transformar a área em um empreendimento imobiliário de luxo, privilégio acessado somente pela minoria, porém poderosa, elite capixaba.

Mais Lidas