Acusado falou em “anexar um cheque em nome de vossa excelência”, aponta MPF
“Neste exato momento, em que redijo esta peça, poderia anexar um cheque em nome de Vossa Excelência, com a quantia que considerasse conveniente”.
O parágrafo foi escrito pelo advogado Eberson Bremenkamp Annecchini, em uma manifestação de 24 de março de 2021, dentro de um processo que tramitou na 1ª Vara Federal da Serra. O Ministério Público Federal (MPF) entendeu a frase como uma tentativa de suborno ao juiz Caio Souto Araújo, e o denunciou por corrupção ativa.
O processo em questão, no qual o advogado defendeu um cliente que pediu revisão de aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), teve início em setembro de 2020. Já a ação penal por corrupção ativa começou a tramitar no último dia 12 de julho, mas o MPF só deu publicidade ao caso nesta semana.
De acordo com o processo, o cliente de Eberson, aposentado desde 1994, requereu a aplicação individual dos efeitos de uma ação civil pública movida pelo MPF contra o INSS, o que lhe daria o direito de revisão em 39,67% na aposentadoria, além da restituição dos valores não pagos no período. O processo transitou em julgado em 2008, com resultado favorável aos segurados, e retornou à 6ª Vara Federal de Vitória, em 2019, para definição das bases de pagamento dos valores atrasados.
Entretanto, a Procuradoria-Geral Federal se manifestou contrária ao pedido, por entender que o cliente de Eberson não era beneficiário da revisão relativa à ACP, e sim da Medida Provisória 201/2004, cujos valores foram pagos de 2004 a 2007.
Em 25 de fevereiro de 2021, o juiz Bruno Dutra determinou que o setor de Contadoria da Justiça Federal analisasse os documentos previdenciários do aposentado, para saber se houve ou não o pagamento dos valores pleiteados. Mas, em 24 de março de 2021, o procurador federal Gustavo Cabral Vieira assinou uma peça processual em que pede a condenação do autor do processo por litigância de má-fé, tendo em vista um suposto termo de acordo assinado pelo aposentado em 11 de novembro de 2004 para o recebimento dos valores.
É na resposta a esse posicionamento da Procuradoria Federal que ocorreu a manifestação controversa. Considerando o parágrafo anterior e posterior à frase – que está em negrito e sublinhada no texto –, a peça diz o que segue:
“E (sic) de se compreender tal situação, pois já nesta faze (sic) da execução, não logrou comprovar que as diferenças devidas objeto da referida ação civil pública foram pagas ao segurado. Neste exato momento, em que redijo esta peça, poderia anexar um cheque em nome de Vossa Excelência, com a quantia que considerasse conveniente. Por fim, se a Autarquia realmente não está em débito com o segurado, qual prejuízo trará ao processo o parecer da contadoria?”.
O juiz Caio Souto Júnior determinou, então, que o MPF e a seção capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) fossem comunicadas da peça processual de Eberson, para que fossem tomadas as devidas providências, mas o processo seguiu sua tramitação.
No dia 30 de março de 2021, Eberson se defendeu. “A manifestação objeto de controvérsia, tão somente refere-se ao fato de a Autarquia não ter provar (sic) o alegado. Diante de tal declaração, imputar crime de corrupção passiva??? Acaso se pretendesse subornar o Magistrado, faria isso dentro de um processo???”, argumentou.
A sentença do juiz Caio Souto Araújo relativa a esse processo, publicada no dia 14 de dezembro de 2021, foi desfavorável ao cliente de Eberson, por entender que o prazo da pretensão judicial prescreveu em junho de 2013. A investigação sobre a conduta do advogado ocorreu paralelamente.
Na visão do Ministério Público Federal, não há conexão entre o parágrafo que contém o suposto oferecimento de vantagem indevida ao juiz com o parágrafo anterior ou com o parágrafo seguinte da petição. O MPF afirma, também, que o cliente de Eberson alegou em depoimento desconhecer a suposta oferta de suborno. Já o advogado não teria comparecido ao depoimento na autoridade policial, por entender que isso não traria elemento de prova para elucidar os fatos.
“A oferta resta cristalina, quase que com vida própria. Outro fator que demonstra a vontade do denunciado em oferecer o cheque ao juiz para praticar ato de ofício que lhe seria favorável foi o de sublinhar, para dar grande destaque, todo o parágrafo contendo a oferta de cheque”, afirma o procurador da República Julio de Castilhos, que assinou a denúncia.
Século Diário tentou contato com Eberson Bremenkamp Annecchini, mas não obteve sucesso até o fechamento desta matéria.