O depoimento de Giliarde Freitas, um dos executores da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, trouxe a revelação da prática de tortura por policiais com o objetivo de forçar a confissão do mando. Mas apesar das agressões, o hoje representante comercial não teria cedido à pressão e manteve a versão de latrocínio (roubo seguido de morte) no crime. Já no relato feito durante esta quarta-feira (26), terceiro dia do júri popular, Giliarde acabou entrando em contradição sobre o desenvolvimento da trama do assassinato.
Durante as três horas e meia de depoimento, o juiz Marcelo Soares Cunha, que preside o júri, questionou por mais de uma vez sobre a “verdade real” dos fatos ao autor de dois dos três disparos que atingiram Alexandre Martins, na manhã do dia 24 de abril de 2003. Giliarde repetiu todos os fatos ligados ao latrocínio – desde a tentativa frustrada de assalto a um posto de gasolina, passando pela perseguição a caminhonete preta e, por fim, a troca de tiros com o juiz morto ao estacionar o seu veículo em frente a uma academia de ginástica.
No entanto, Giliarde não soube detalhar alguns elementos do crime, como a aquisição da arma utilizada no crime, a forma em que abordou a vítima e a distância do disparo feito por Odessi da Silva Martins Júnior, o Lumbrigão, que atirou no juiz morto já caído no chão. Ele foi confrontado com os depoimentos prestados anteriormente, cada um com uma versão. Mas apesar da imprecisão, ficou claro que todos os fatos relatados dão conta que o crime teria sido uma tentativa de assalto frustrada ao juiz Alexandre.
A convicção sobre o latrocínio teria motivado uma série de agressões sofridas por Giliarde desde a sua prisão, poucas horas depois do crime. Ele denunciou que os policiais que fizeram a sua captura, todos sob comando do delegado Danilo Bahiense, teriam desferidos socos, pontapés e golpes com borracha na sola dos pés, palma das mãos e no topo de cabeça (locais que não deixam marcas visíveis).
Ele relatou que as agressões começaram em sua residência, onde foi preso juntamente com André Luiz Tavares, o Yoxito, que emprestou a motocicleta utilizada no crime. Giliarde afirmou que antes de ser encaminhado à Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), quatro policiais o levaram para uma praia deserta, onde fizeram agressões com o objetivo de forçar a confissão do eventual mandante do crime. O informante disse que não foi induzido pelos policiais sobre nomes, mantendo a versão do latrocínio.
As agressões teriam continuado na DHPP diante da resistência de Giliarde em declarar que o crime teria sido de mando. Ele afirmou que o delegado Danilo Bahiense tinha ciência de tudo e teria estimulado as agressões ao dizer aos policiais para o levarem “somente quando fosse falar a verdade”. Mas diferentemente de Lumbrigão – que chegou a admitir a existência de mandantes do crime após horas sob tortura –, o outro executor do juiz Alexandre não cedeu a pressão para mudar sua versão do crime. Esse fato teria irritado Danilo Bahiense, que não chegou a concluir o depoimento. Tanto que Giliarde foi ouvido posteriormente pelo delegado Adroaldo Lopes, que registrou toda a versão dada por ele.
Outro fato denunciado foi a realização do exame de corpo quase 45 dias após a prisão, o que evitaria a comprovação da prática de tortura – como ocorreu no caso de Lumbrigão, cujas agressões foram atestadas pelo Departamento Médico Legal (DML).
‘Esquecimento é normal’
O advogado Leonardo Picoli Gagno, que defende o ex-policial civil e hoje empresário Claudio Luiz Andrade Baptista, o Calu, minimizou as contradições no depoimento de Giliarde – uma das testemunhas arroladas por ele. “É normal não saber detalhes do crime após 12 anos e mais de 40 depoimentos. Também é preciso considerar os picos de adrenalina daqueles jovens na hora do tiroteio”, avaliou.
A defesa de Calu também anunciou que vai questionar o júri sobre a ocorrência de falso testemunho no depoimento prestado por Danilo Bahiense nessa terça-feira (26). “Ele estava sob condição de dizer só a verdade e mentiu descaradamente sobre vários assuntos”, apontou o advogado, que preferiu não revelar quais pontos serão contestados.
O questionamento deverá ser levado a apreciação dos jurados na fase dos debates – previsto para começar nesta sexta-feira (26), caso seja encerrados no próximo dia de julgamento os depoimento das testemunhas restante, além dos interrogatórios dos dois acusados. Além do ex-policial civil, o coronel reformado da Polícia Militar, Walter Gomes Ferreira, também está sentado no banco dos réus.