O governador Paulo Hartung (PMDB) poderá ter problemas por descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O peemedebista foi denunciado no Tribunal de Contas do Estado (TCE) pela concessão de incentivos fiscais sem lei específica ou indicação dos benefícios práticos à sociedade de cerca de R$ 1 bilhão que o Estado abre mão em favor dos empresários. A representação pede ainda a responsabilização de Hartung pelo descumprimento da obrigatoriedade do envio da lei da revisão anual dos servidores à Assembleia Legislativa.
A denúncia foi protocolada na semana passada pelo advogado Luís Fernando Nogueira Moreira, que é procurador do Estado. A peça sustenta que o governador é pouco transparente quanto à divulgação das informações relativas aos incentivos fiscais. “É notório que a segurança e saúde pública estão precárias, sendo certo que o servidor público sofre arrocho salarial. Sendo digno de ressaltar que os impostos pagos pelos servidores, e por toda a sociedade, são muito superiores ao absurdo percentual de 1% como se propõe ao setor comercial atacadista”, apontou.
O autor denuncia também que o chefe do Executivo estadual não está respeitando ao omitir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) os dados obrigatórios quanto às renúncias fiscais. “Obviamente vem a favorecer com a supressão de recolhimentos de tributos aqueles que dela são destinatários”, lembrou. Segundo ele, o governador estaria ainda descumprindo uma decisão do próprio TCE, que exigiu uma “maior transparência e consistência aos valores apresentados como renúncia de receitas” – isto é, os valores que o Estado deixa de arrecadar em favor das empresas incentivadas.
Nogueira Moreira questionou o fato de a LDO se referir apenas aos dados do passado, enquanto a LRF obriga a projeção dos impactos da renúncia fiscal no futuro: “Quanto o Estado arrecadaria se não concedesse créditos presumidos e reduções nas bases de cálculo?”. Para ele, caso o Estado não abrisse mão de parte dos tributos devidos pelas empresas, a arrecadação poderia ser ainda superior àquela alcançada com a renúncia fiscal.
“Como se pode notar, os princípios da administração pública estão sendo violados. A uma pelo motivo da LDO ter sido encaminhada em violação aos princípios da responsabilidade fiscal. A duas pelo motivo de estarem sendo concedidos incentivos fiscais sem leis específicas. A três pelo motivo de que houve omissão legislativa em encaminhar, no ano de 2015, a revisão geral dos servidores à Assembleia. Em outras palavras, o representado está agindo à margem da lei, pois subtrai R$ 4 bilhões para supostamente permitir incentivos à custa do servidor público”, narra um dos trechos da denúncia.
Segundo o texto da LDO deste ano, o governo capixaba deve abrir mão de R$ 1,06 bilhão em tributos (ICMS e IPVA). Somente as empresas incentivadas vão deixar de arrecadar R$ 1,03 bilhão, sendo que o setor atacadista é responsável pela renúncia estimada em R$ 769 milhões. Para os próximos anos, o palácio Anchieta prevê um salto no total de recursos que vão deixar de entrar nos cofres públicos por ação do próprio governo. Para 2018, a renúncia fiscal prevista é de R$ 1,22 bilhão (somente as empresas atacadistas vão deixar de arrecadar R$ 883 milhões).
Os questionamentos feitos ao TCE não diferem muito do bojo da ação direta de inconstitucionalidade movida pelo governo de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os incentivos fiscais capixabas. Naquele processo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) pede o fim dos chamados Contratos de Competitividade (Compete-ES) ao setor atacadista – decisão que pode ser estendida aos demais setores contemplados, uma vez que todos os incentivos são respaldados por decreto, sem qualquer lei específica aprovada pelos deputados estaduais, como prevê a Constituição Federal.
De acordo com informações do sistema processual do STF, os autos da ADI 4935 estão conclusos com o ministro-relator, Gilmar Mendes, desde setembro de 2014. A Advocacia Geral da União (AGU) e a Procuradoria Geral da República já se manifestaram pela procedência do processo. No início do mês, o Sindicato dos Servidores Público do Estado (Sindipúblicos) requereu ingresso na ação como amicus curiae (parte interessada). A entidade destaca que as renúncias fiscais afetam diretamente a população capixaba, em especial, o funcionalismo público.