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Governo Hartung institucionaliza ???balcão de negócios??? entre fundapianas e Aracruz Celulose

Além de abrir mão de cifras bilionárias todos os anos em favor de poucas empresas, o governo do Estado também criou um “balcão de negócios” com créditos tributários em favor dos chamados grandes projetos. A institucionalização dessas negociações foi iniciada no final da primeira Era Hartung, no ano de 2009. Essa prática – cujos valores são omitidos pelo Estado – se arrasta ao longo da última década. No último dia 13 de março, a secretária da Fazenda, Ana Paula Vescovi, assinou um termo de acordo com a Aracruz Celulose (hoje Fibria) para autorizar a utilização dos créditos de ICMS, acumulados em decorrência da Lei Kandir, que desonerou as exportações.

De acordo com o Termo de Acordo nº 005/2015, o Estado permite à empresa que faça uso dos créditos para compensar o imposto devido na importação de máquinas, equipamentos, partes, peças e partes destinadas a integrar o seu ativo. Em outras palavras, o governo abre mão da arrecadação do tributo, o que significa renúncia fiscal, uma vez que os créditos são gerados independentemente da existência de ônus – isso porque as atividades de produção de semielaborados e commodities (neste caso, a produção de celulose) não geram o ICMS estadual, mas as empresa pode se creditar em decorrência da atividade industrial.

O acordo tem vigência do dia 1º de fevereiro deste ano – ou seja, com efeitos retroativos à publicação do ato – até o dia 31 de janeiro de 2017. Chama atenção que o governo não revela o estoque de créditos fiscais das grandes empresas poluidores – juntas, a Aracruz Celulose, as mineradores Vale e Samarco, além da siderúrgica ArcelorMittal Tubarão (antiga CST), respondem pela quase totalidade deste tipo de crédito. As únicas informações disponíveis são divulgadas nos balanços financeiras das próprias empresas. No caso da Fibria, a companhia registrou um volume de R$ 849,35 milhões de créditos tributários em seu mais recente relatório, com dados sobre o exercício de 2014.

Apesar da ementa simples – única parte que é publicada no Diário Oficial –, a leitura da íntegra dos termos de acordo revelam as verdadeiras negociatas entre o poder público e a iniciativa privada, em detrimento da arrecadação de tributos. Um exemplo vem dos Termos de Acordo nº 078/2009 e 079/2009, assinados pelo então secretário da Fazenda, Bruno Pessanha Negris – que hoje é subsecretário da Receita, autoridade responsável pela arrecadação do Estado. Segundo os dois acordos, publicados em novembro de 2009, o prazo de vigência dos benefícios vai até o final de 2019.

O primeiro termo de acordo foi firmado com a Fibria para autorizar a transferência dos créditos de ICMS acumulados. Em seguida, o governo Paulo Hartung autorizou a empresa de comércio exterior Cisa Trading, que é uma das beneficiárias do Fundap. Nada demais para quem apenas leu os atos publicados no Diário Oficial. No entanto, a reportagem de Século Diário teve acesso à íntegra dos documentos, que deixam claro a institucionalização desse balcão de negócios.

Pelo acordo com a Cisa Trading, a empresa fundapiana fica autorizar a compensar os créditos transferidos pela Aracruz Celulose com o imposto devido nas operações de importação realizadas por encomenda das empresas do Grupo Votorantim – que adquiriu a produtora de celulose e fundiu com a firma do grupo (Votorantim Celulose e Papel, a VCP), que resultou na criação da Fibria. Segundo o Termo nº 079/2009, a compensação dos créditos será efetivada para que a carga tributária incidente sobre os produtos fique em 1% do total das operações de importação. Na época, a alíquota normal do tributo era de 12% – desde o início de 2013 a alíquota caiu para 4%, em função da aprovação da Resolução nº 13/2012, do Senado Federal.

O documento (clique aqui para ver a lista completa) listou as pessoas jurídicas de 116 empresas do grupo Votorantim, sediadas em onze estados diferentes (SP, RJ, MG, RS, PE, PR, TO, SC, MS, PA e RN), que poderão utilizar os créditos gerados pela Fibria no Espírito Santo. Desde então, o acordo recebeu três aditivos – o primeiro, garantindo a possibilidade das 116 empresas utilizarem o benefício para seus estabelecimentos filiais; o segundo, estendendo a eficácia da negociata à recém-criada Fibria – que havia sido recém-criada e incluiu ainda mais três empresas do grupo Votorantim; e o terceiro, assegurou a utilização dos créditos, inclusive, para a saída de mercadorias sujeitas à substituição tributária (regime tributário, onde a empresa contribuinte recolhe diretamente o imposto do cliente e depois repassa ao Fisco).

Em nenhum desses casos, o governo Hartung conferiu publicidade aos atos, tampouco abriu à população sobre o volume de negócios realizados com os créditos tributários. De igual forma aos demais benefícios fiscais, esse dinheiro não chega a entrar nos cofres do Tesouro Estadual. Mais grave ainda é o fato de o Estado sonegar a cota parte dos municípios no bolo de ICMS, já que a Constituição Federal garante que as prefeituras têm direito a 25% do valor arrecadado. Essa prática guarda relação com as transações com créditos de ICMS entre a mineradora Samarco e a concessionária de energia Escelsa (hoje EDP Escelsa, após a privatização da companhia), feitos no governo José Ignácio Ferreira, no ano de 2000.

Naquela época, o então prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Theodorico Ferraço (DEM), que hoje é o presidente da Assembleia Legislativa, entrou com uma ação judicial contra o Estado para que incluísse o repasse de 25% devido ao município nas transações com créditos fiscais. O demista, que presidia ainda a Associação dos Municípios capixabas (Amunes), também apresentou o pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as transações. O Ministério Público Estadual (MPES) e Federal (MPF) também chegaram a ajuizar ações judiciais contra os envolvidos naquelas transações.

Vale destacar que, diferentemente do que ocorre hoje, a operação entre a Samarco e Escelsa teve a autorização da Assembleia, além da publicação do contrato no Diário Oficial. Atualmente, as transações feitas no balcão de negócios da gestão Hartung não têm qualquer tipo de transparência. Pelo contrário, todos os atos legais da operação – desde a homologação (reconhecimento) dos créditos de ICMS, fiscalização das transações e autorização para uso – são feitos pela própria Sefaz, em processos administrativos internos sem qualquer tipo de fiscalização pelos órgãos de controle, como a Assembleia e o próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE).

A reportagem teve acesso a uma operação realizada por outra empresa fundapiana, que havia sido executada judicialmente pelo Estado. Toda a transação ocorreu no ano de 2011. Em fevereiro, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) ingressou com uma ação de cobrança da dívida estimada em R$ 977 mil, referentes a três autos de infração, além de juros e multas contra a empresa Frecomex Comércio Exterior Ltda. Em abril, a Justiça determinou a penhora dos bens da firma para garantir o pagamento da dívida. No entanto, ao ser cumprida a ordem, a empresa ofereceu para a penhora os créditos tributários cedidos pela Fibria até o limite executado.

Apesar de ter sido legalizada no governo Hartung, a transação esconde uma renúncia fiscal, já que o próprio mercado confirma a existência de um mercado por trás das negociações com créditos de ICMS. Fontes ouvidas pela reportagem afirmaram que, as grandes empresas negociam os créditos fiscais com deságio de até 70%, isto é, os devedores pagam 30% do valor do crédito e descontam o valor da face das suas dívidas com o Estado. Um ótimo negócio para as empresas poluidoras, que não teriam a possibilidade de geração de caixa em outros locais, e aos devedores do Fisco, uma vez que se tornou muito mais vantajoso não cumprir suas obrigações legais.

Fato que se soma às vultosas cifras envolvidas no financiamento à iniciativa por meio de incentivos, como os Contratos de Competitividade (Compete-ES), cuja legalidade é alvo de questionamentos judiciais. Segundo o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o Estado deve abrir mão de R$ 4,31 bilhões na arrecadação de ICMS para apenas seis setores industriais (atacadista, metalmecânico, alimentos, vestuário, material plástico e móveis). Somente as empresas do setor atacadista, principal beneficiado, a renúncia fiscal deve bater a marca de R$ 3,2 bilhões ao longo dos quatro anos de gestão.

Curiosamente, no momento em que o discurso é sobre a necessidade de ajustes em função da crise, o governo Hartung não cogita mexer nos incentivos às empresas ou rever sua política de diferimento de benefícios fiscais. Pelo contrário, a própria Sefaz estimula o crescimento de um “balcão de negócios”, que até hoje permanece totalmente oculto da população.

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