O Tribunal de Justiça do Estado (TJES) e o Ministério Público Estadual (MPES) podem extrapolar o teto de gastos com pessoal, caso os órgãos passem a calcular a totalidade das despesas com inativos. A revelação foi feita pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Sebastião Carlos Ranna, durante o julgamento das contas do ex-governador Renato Casagrande (PSB), nessa quinta-feira (16). O lançamento deste tipo de despesa nos gastos do Executivo era uma dos argumentos levantados pelo Ministério Público de Contas (MPC) na tentativa de rejeitar as contas do socialista no exercício de 2014.
Apesar de a prática ter sido instituída desde o início da década passada, com anuência do próprio TCE, as despesas com inativos de outros Poderes passaram a exercer uma maior influencia no demonstrativo financeiro do Poder Executivo, que hoje já ultrapassou o limite de alerta nos últimos três anos. Desde o ano passado, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) vem se manifestando contra a prática, revelada com exclusividade por Século Diário no início de junho. Na ocasião da prestação de contas de Casagrande, a PGE – sob nova administração – também mostrou seu descontentamento com a situação.
De acordo com Ranna, os conselheiros já têm uma proposta em mãos que está discussão com o governo para acertar essa conta. No entanto, um acordo não será tão simples. Primeiro, porque a situação foi provocada pelo próprio TCE que garantiu por meio de dois instrumentos [Decisão plenária TC 006/2001e Resolução TC 189/2003] a transferência ao Executivo de parte das despesas dos outros Poderes com a contribuição complementar para cobertura de déficit financeiro dos gastos com inativos e pensionistas. Segundo, a mudança representaria imediatamente o estouro do teto pelo TJES e MPES.
Durante o seu voto, o conselheiro explicou que apenas a Assembleia Legislativa e o próprio Tribunal de Contas conseguiriam assimilar a obrigação sem alcançar os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O índice de gastos com pessoal da Assembleia saltaria de 1,18% da Receita Corrente Líquida (RCL) para 1,34% (o limite de alerta é 1,53%) e o TCE cresceria dos atuais 0,81% para 1,01%, enquanto o limite de alerta é 1,17%.
O mesmo não aconteceria com os órgãos ligados à Justiça, justamente por conta dos altos gastos com membros aposentados – que têm direito aos mesmos benefícios e vantagens dos membros da ativa, o que garante a elevação da remuneração de inativos, ao contrário do que acontece com o restante dos trabalhadores do País.
No caso do Tribunal de Justiça, que já extrapolou os limites de alerta e prudencial, a incorporação do cálculo elevaria o índice de 5,44% para 6,26% da RCL, bem acima do limite máximo, que é de 6%. O Ministério Público segue no mesmo caminho: o atual índice é de 1,65%, mas dispararia para 1,98% com a incorporação dos valores repassados ao Executivo, ficando bem próximo de superar o limite máximo – que é de 2% da RCL.
A situação ganha contornos mais críticos com a queda na arrecadação do Estado, que impacta diretamente a RCL. No primeiro semestre deste ano, a Fazenda arrecadou 2% a menos do que o registrado no mesmo período de 2014. Caso seja considerada a inflação, a queda real se aproxima da casa dos 10%. Isso acontece em um momento que se discute o reajuste nos salários do Judiciário e a possibilidade da aprovação da nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que pretende “institucionalizar” quase 20 tipos de benefícios – em alguns casos, tratados hoje como penduricalhos legais, como o polêmico auxílio-moradia, fixado em R$ 4,3 mil mensais, sendo disponível a todos os membros.
Por outro lado, caso os demais Poderes assumirem suas despesas com inativos, o Executivo poderia ganhar uma folga no índice – que hoje já superou o limite de alerta, informou Ranna sem mencionar valores exatos.
Uma das implicações previstas na LRF é a proibição da abertura de novas vagas, suspensão de concursos públicos e até a redução de salários. Por exemplo, o presidente do TJES, desembargador Sérgio Bizzotto, teve que recorrer a medidas emergenciais no mês passado, como a ordem para exoneração de assessores nos gabinetes de magistrados e o corte de funções gratificadas na tentativa de reduzir os gastos com pessoal.
Apesar de todos esses componentes, uma mudança nas atuais regras é alvo de resistência dentro do próprio TCE. Durante a votação das contas de Casagrande, os conselheiros levantaram a necessidade da criação de uma regra de transição com o objetivo de evitar que o TJES e MPES furem o teto de uma só vez. Nenhum dos membros do TCE chegou a revelar o teor das discussões com o governo ou de como funcionaria essa transição.
Entretanto, a questão vai muito além do julgamento das contas do governo – e deve ser novamente citado pelo MP de Contas, desta vez, na apreciação das contas do atual governador Paulo Hartung (PMDB).