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Indenização de R$ 2 mil/dia é armadilha, alerta escritório que move ação na Inglaterra

Decisão do juiz Mário de Paula no caso Samarco/Vale-BHP estimula assédio de “advogados caça-níquel” e visa “quitação geral dos danos”

É uma armadilha a decisão do juiz Mario de Paulo Franco Junior, da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG, que estabelece o valor das indenizações relativas ao chamado Dano Água, a serem pagas individualmente a todas as pessoas prejudicadas pela suspensão do abastecimento de água nas localidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em Mariana/MG.

O alerta é feito por diversos advogados que atuam no atendimento dos atingidos pelo crime socioambiental na bacia do Rio Doce, que completou seis anos nessa sexta-feira (5) e lançou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre 600 km de leito do rio, contaminando também todo o litoral capixaba e sul da Bahia.

“Essa decisão, ao meu ver, é uma tentativa de confundir as vítimas e reduzir o prejuízo das empresas poluidoras caso a ação na Inglaterra seja vencedora”, afirma Pedro Luiz Andrade, coordenador da equipe capixaba de advogados colaboradores do PGMBM, escritório de advocacia internacional que representa as vítimas brasileiras na ação movida contra a BHP Billiton na Justiça Britânica. Reaberta pela Corte inglesa em julho passado, a ação tem valor de R$ 35 bilhões e beneficia 200 mil pessoas no Espírito Santo e Minas Gerais.

Na sentença, publicada no último domingo (31), o juízo da 12ª Vara Federal mineira define o valor de R$ 2 mil cada dia sem abastecimento de água, o que pode render, para os moradores de Colatina, por exemplo, no noroeste do Estado, indenizações de até R$ 14 mil, já que é calculado em aproximadamente sete dias o período de interrupção do fornecimento de água pela autarquia municipal de saneamento ambiental (Sanear).

Podem ter acesso à indenização os atingidos que se cadastrem no sistema simplificado de indenização hospedado no portal da Fundação Renova, o Novel, concordando, portanto, com a quitação geral de danos, ou seja, abrindo mão de qualquer outra indenização futura que ele venha a ter direito – cláusula que consta no Novel e que é ilegal, como já denunciado pelas Defensorias Públicas e Ministérios Públicos.

Isso, desde que tenham comprovação de registro prévio do dano decorrente da falta de abastecimento de água, até a data limite de 30 de abril de 2020, sendo válidas ações judiciais impetradas na Justiça brasileira ou estrangeira, ou ainda manifestações de reclamação feitas junto à Renova ou a órgãos e instituições públicas, como Defensoria e Ministério Público, Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e secretarias de Assistência Social. “Caberá às concessionárias de serviço público atestar a quantidade de dias em que o fornecimento/abastecimento de água em cada localidade ficou comprometido”, estabelece a sentença.

Pedro Andrade chama atenção para o fato de que um dos requisitos para acesso à indenização seja a adesão a uma ação em justiça estrangeira. “Ter isso como condição para uma ação brasileira, e impondo quitação geral de danos, é algo completamente irregular e estranho a todos os precedentes legais que existem no Brasil”, destaca.

Mineradoras se beneficiam

Essa manobra ilegal, aponta o coordenador da equipe capixaba de advogados colaboradores do PGMBM, não foi a primeira feita pelo magistrado da 12ª Vara. “Os movimentos do juiz Mário de Paula têm sido cirurgicamente escolhidos pra impactar o processo da ação inglesa e beneficiar as empresas”, afirma, ressaltando tratarem-se de métodos que contrariam em vários aspectos o regramento jurídico brasileiro.

“Quando um juiz brasileiro cita uma ação estranha ao processo que ele cuida, age de ofício, por conta própria, o que é contra o Código de Magistratura e o Código de Processos Civil. Isso é muito grave. E fica mais grave ainda, quando ele cita informações de uma ação estrangeira para fundamentar sua própria decisão, sem que nenhuma parte tenha arguido ou apresentado esses fatos a ele. O ordenamento jurídico brasileiro veda a litispendência entre uma ação estrangeira e uma nacional”, explica.

Outro ponto importante de alerta, prossegue, é que “essa sentença traz um tumulto muito grande na população das cidades afetadas pela falta d’água”, por definir um valor proporcionalmente mais alto que a média das indenizações estabelecidas por ele próprio até o momento, mas “sem deixar claro para as pessoas as consequências da adesão a um acordo como esse, que é a quitação geral de danos, ou seja, a perda do direito de reclamar qualquer indenização futura, seja pelo poder judiciário brasileiro ou de outro país, onde, a rigor, o Direito Brasileiro não tem qualquer jurisdição”, explica.

No fim das contas, salienta, “ao tentar implementar no Brasil acordos que preveem quitação de direitos sobre uma ação estrangeira, o juiz cria um salvo-conduto pra que as empresas excluam as vítimas de uma eventual condenação na Inglaterra. Isso é grave: é instrumentalização da justiça brasileira para interesses particulares de empresas”.

Advogados ‘caça-níquel’

Há ainda o incentivo à chamada “advocacia predatória”, também já denunciada pelas Defensorias e Ministério Públicos, como uma prática recorrente contra as populações impactadas, devido às decisões do juiz federal mineiro.

Pedro explica que, como qualquer advogado pode apresentar uma procuração representando um cliente, desde que consiga ingressar primeiro na plataforma Novel requerendo a indenização pelo Dano Água, a sentença de Mário de Paula “estimula uma concorrência desleal entre advogados, desconsiderando anos de trabalho que eventualmente já tenham realizado nos territórios”. Assim, “as vítimas podem ser enganadas por advogados caça-níquel e pelas empresas que estão assediando os atingidos com cartas, dizendo que está prestes a acabar o prazo para entrar no processo simplificado de indenização [Novel]”.

Isso tudo, reafirma, “sem resolver o problema da reparação integral das pessoas atingidas”, situação que requer “uma decisão complexa, que estruture todos os atores envolvidos e não apenas aposte na ‘corrida do ouro”.

Desde que a decisão foi publicada no último domingo, relata Pedro, vários advogados sem relação prévia com o território têm se instalado às pressas, principalmente em Colatina, mas também em Linhares, no norte do Estado, e assediado os moradores, seja “batendo às portas das casas dos moradores ou telefonando”.

Essa postura “predatória”, acentua, contraria o Código de Conduta da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por isso, “a OAB deveria ser firme na punição contra advogados que eventualmente possam agir de má-fé, as captações irregulares de clientes e os advogados que usurpam o direito de representação das vítimas que já possuem advogados com serviços empenhados. Mas a atual diretoria da OAB está mais preocupada com a reeleição do que em tomar as providências necessárias”, criticou, em referência à gestão de José Carlos Rizk Filho.

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