Uma semana após enviar um documento ao presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Sérgio Bizzotto, alertando que vem sofrendo ameaças após a deflagração da Operação Derrama (2012), o desembargador Pedro Valls Feu Rosa encaminhou um novo documento nesta segunda-feira (23) ao tribunal, desta vez, à Comissão de Segurança Institucional.
No documento, o ex-presidente do TJES dispensa a escolta policial que lhe foi oferecida pelo desembargador Telêmaco Antunes de Abreu Filho, presidente da Comissão de Segurança do tribunal. Pedro Valls diz que os desembargadores não precisam de escolta, mas de um Judiciário que funcione plenamente. E cita, em seguida, o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), morto em 2012, Humberto Gomes de Barros: “O Judiciário brasileiro é uma máquina de rolar dívidas”.
A partir da frase do ministro, que aparece no terceiro parágrafo do documento, Pedro Valls passa a citar casos que ilustram a omissão da Justiça capixaba. Ele relembra o caso de seu tio, José Maria Miguel Feu Rosa. O ex-prefeito da Serra foi assassinado em 1990, junto com seu motorista, Itagildo Coelho. “Foram quase 25 anos de tramitação sem que um singelo júri fosse realizado. Tudo acabou arquivado por prescrição”. Em seguida repete: “(…) arquivado por prescrição! Por prescrição!”, enfatiza.
Em seguida, após recordar que já se foram mais de 12 anos da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, o desembargador critica o descaso do Judiciário com seus próprios membros. “Qual a resposta que fica para a sociedade? A de que o crime compensa”. Mas à frente ele reafirma: “A imagem que fica é de uma instituição fraca, que não se importa verdadeiramente sequer com que acontece aos seus integrantes”, desabafa, fazendo menção à ameaça que sofreu.
À medida que os parágrafos avançam, cresce a indignação do desembargador com o Judiciário. Pedro Valls volta a questionar a impunidade. Afirma que os membros do Judiciário, Ministério Público e das polícias estão indefesos, fragilizados, diante das tentativas de assassinatos físico ou moral.
Como no primeiro documento, ele volta a afirmar que os autores dessas ameaças, quase sempre, respondem a inúmeros processos. “São, no mais das vezes, pessoas acusadas de desviarem milhões dos cofres públicos, aos custos da desgraça de todo um povo. E praticamente tudo dando em nada! Os anos se passam e os processos seguem em uma espécie de ‘limbo jurídico’, aguardando o dia— humilhante para uma instituição — da prescrição”.
Em seguida, o conteúdo do documento se torna ainda mais grave, com denúncias diretas à inépcia e à condescendência do Poder Judiciário. “Manter este ‘estado de coisas’ tem sido uma constante. Há 20 anos no Tribunal de Justiça, quantas vezes escutei frases do tipo: ‘temos que resolver este problema’; ‘não podemos mexer com esse pessoal’; ‘esses elementos são perigosos, temos que pensar nas consequencias’; ‘a Casa poderá sofrer alguma retaliação'”.
E desabafa: “Cansei, sinceramente cansei, de ver instituições brasileiras tantas vezes de joelhos diante de réus a troco orçamento, ou de simplesmente buscar pagar em dia os salários de seus membros e servidores”. Neste momento Pedro Valls sobe o tom para destacar: “Isto é uma vergonha que tem que acabar. Ou somos autoridades ou somos, com o perdão da palavra, inúteis pomposos. E não posso acreditar que a segunda possibilidade seja verdadeira”.
Fila de licitação
O desembargador afirma que causa revolta saber que processos sérios envolvendo crimes graves, permaneçam “engavetados” sem sequer uma resposta, por anos e anos. Ele destaca que o Poder Judiciário não pode funcionar à base de exceções.
“O mais triste é que a nossa instituição parece ter sido ‘projetada’ para impedir que certos processos tenham tramitação. Confira-se. Sou desembargador há 20 anos, presidente da Câmara Criminal, e nem assim consigo saber onde estão, e em qual estado, processos relativos a não uma, mas quatro operações policiais de ampla envergadura”, Pedro Valls refere-se às operações Derrama, Pixote e Navajo (Polícia Civil) e Lee Oswald (Polícia Federal).
É neste ponto do documento, ao fazer menção à Lee Oswald, que o desembargador fala sobre “fila de licitações”. Pedro Valls afirma que há uma gravação no inquérito que expõe o esquema: “(…) um senhor se apresenta como organizador de ‘filas de licitações’. Diversos municípios são mencionados de forma clara e inequívoca. Pois bem: já se passaram quase dois anos, e sequer consigo saber onde estão os processos!”, questiona inconformado.
O desembargador, que foi relator do processo da Lee Oswald, adverte que as denúncias contidas nas quatro operações são gravíssimas, envolvendo desde corrupção até narcotráfico, mas mesmo assim ninguém é punido.
O ex-presidente do tribunal explica que a obrigação do Judiciário é dar uma resposta à sociedade, seja ela qual for, mas só não pode ficar inerte. “Esta omissão, por alguns interpretada como covardia, custa caro à população. Desestimula os bons políticos, assusta os investidores, humilha os cidadãos. Custa vidas, dadas as consequências dos escandalosos níveis de corrupção registrados”.
Para o desembargador, não adianta o Judiciário se esconder atrás das montanhas de processos para justificar a morosidade da Justiça. “Não, não é [se referindo à morosidade e pilhas de processos]. O problema é mesmo de falta de firmeza. De falta de personalidade institucional”.
No final do documento, Pedro Valls reafirma a Telêmaco que dispensa qualquer tipo de escolta. Ele afirma que irá manter suas rotinas, independentemente das ameaças. “Estou, e sempre estarei à disposição dos sicários de plantão – talvez alguns daqueles que assassinaram tantas autoridades neste Estado sem jamais terem sido sequer julgados”.
O ex-presidente do tribunal pede ao colega desembargador que o ajude a pôr os processos de corrupção, improbidade e pistolagem para andar de verdade. “Peço sua ajuda para que a população capixaba receba uma resposta: existe ou não existe, nos moldes da célebre Operação Lava Jato, uma fila de licitações neste Estado, tal como registrado pela Polícia Federal em um inquérito [Lee Oswald]?