Na sentença da ação penal (0023254-87.2007.8.08.0024), publicada nesta sexta-feira (9), a juíza da 6ª Vara Criminal de Vitória, Cláudia Vieira de Oliveira Araújo, rechaçou a tese do Ministério Público Estadual, autor da denúncia, que atribuía ao ex-deputado Gratz e o ex-diretor André Nogueira, a prática do crime de peculato (desvio de dinheiro público). A promotoria sustentava que os dois tinham conhecimento do esquema, que consistia no pagamento de diárias aos deputados mesmo sem a realização das viagens programadas. O MPES alegava ainda que o objetivo da medida seria a manutenção da base política do então presidente da Assembleia.
Entretanto, a juíza considerou que não existe comprovação de que Gratz teria prévio conhecimento de que a viagens – as quais os parlamentares solicitaram a ajuda de custo – não seriam realizadas. “Não se desconhece o forte poder político que o acusado exerceu neste Estado, na função de presidente da Assembleia, contudo não há nos autos prova concreta de que o acusado José Carlos Gratz agiu com dolo (culpa), ou que tenha se beneficiado de verba pública e ainda, a existência de um possível conluio com o deputado beneficiado não pode ser extraída por presunções”, pontuou.
Ainda segundo a juíza Cláudia Araújo, o ex-presidente do Legislativo capixaba sequer poderia ser responsabilizado pelo crime de peculato, caso houvesse comprovação de eventual conluio com os beneficiários das diárias, “pois não há no processo prova mínima demonstrando que o réu tinha ciência de que a verba liberada ao parlamentar a título de ajuda de custo seria futuramente destinada a fim diverso para qual foi solicitada”. A togada esclarece ainda que todas as diárias foram autorizadas mediante prévio e regular procedimento administrativo, que não passavam necessariamente pelo presidente ou diretor-geral da Casa.
“Veja-se, portanto, que não se pode admitir a punição do sujeito apenas pelo fato do que ele é, mas pelo que faz, de modo que acolher o aspecto subjetivo como determinante para caracterização do delito equivale criminalizar a condição pessoal, econômica, do agente e não os fatos objetivos que causam relevante lesão aos bens jurídicos tutelados pela norma penal. Desse modo, sem a comprovação de que o réu tinha ciência da ilicitude de seu proceder na condição de ordenador de despesa, descabe a sua responsabilização criminal”, concluiu.
Em relação ao deputado beneficiado neste episódio (Wilson Japonês), a magistrada destaca, porém, que as provas revelam a autoria da prática do crime de peculato. Na decisão, Cláudia Araújo afirma que “restou comprovado que o acusado não realizou a viagem para Belo Horizonte, já que se fez presente nas sessões justamente nos dias em que estaria fora do Estado, conferindo, assim, destino diverso àquela verba pública pleiteada, a título de ajuda de custo”. Ela destacou que, ao longo da tramitação da ação, a defesa do ex-parlamentar não trouxe qualquer comprovante de que a viagem teria sido feito, como notas fiscais com gastos em hospedagem ou alimentação.
“Desse modo, o conjunto probatório destes autos evidenciou, suficientemente, que o réu, na qualidade de deputado estadual, requeria as diárias para custear viagens de interesse público, recebia os valores correspondentes, mas os desviara de seu destino legal em benefício próprio. Nessa esteira de raciocínio, não há que se falar em ausência de dolo ou culpa por parte do réu, pois solicitou diárias e deixou de viajar para outros Estados da Federação, recebendo o valor integralmente e causando prejuízo ao erário. Por esses motivos, não resta dúvida quanto a comprovação da autoria e materialidade do delito”, concluiu a juíza, que relatou a ocorrência de seis episódios de diárias indevidas.
Na sentença assinada no dia 26 de agosto, a juíza condenou o ex-deputado Wilson Japonês a seis anos e três meses de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, além do pagamento de 122 dias-multa (fixado o dia-multa em um salário mínimo à época dos fatos). Ele ainda foi absolvido da imputação do crime de falsidade ideológica. Japonês poderá recorrer da sentença em liberdade.
Ação de improbidade também é arquivada
O ex-presidente da Assembleia Legislativa e o ex-diretor-geral da Casa também foram absolvidos na ação de improbidade, também movida pelo MPES, em relação ao esquema de desvio de diárias. Na sentença assinada no último dia 25 de setembro, o então juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Jorge Henrique Valle dos Santos, hoje promovido a desembargador, não observou “condutas comissivas ou omissivas [de Gratz e André Nogueira] que mereçam reprimenda com esteio na Lei de Improbidade Administrativa”.
O togado destacou que foram apresentados todos os documentos necessários para a comprovação da concessão das diárias, que era legítima e tinha amparo legal. “Assim, não julgo razoável a exigência de que os requeridos Jose Carlos Gratz e André Luiz Cruz Nogueira tivessem ciência da efetiva realização das viagens dos deputados beneficiados por tal numerário, sendo tão somente necessária uma conferência acerca dos requisitos formais para tanto”, pontuou.
Na denúncia inicial (0006835-89.2007.8.08.0024), o Ministério Público repetia os argumentos lançados na ação penal de que a indenização seria uma forma de patrocínio à base política de Gratz. Neste caso, a promotoria listou diárias concedidas a Mateusão Vasconcelos em todo período em que foi deputado, cujo valor foi estimado em R$ 35 mil que teriam sido recebidos indevidamente. Entretanto, o juiz considerou que apenas cinco diárias pagas foram realmente irregulares, perfazendo o valor de R$ 1.450,00.
Chama atenção que, por conta da acusação criminal, o ex-deputado foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão – atualmente, cumpre pena em regime fechado na Penitenciária Regional de São Mateus.
No caso de improbidade, o ex-deputado Mautesão foi condenado ao ressarcimento do prejuízo ao erário (R$ 1.450,00), além do pagamento de multa civil no valor de R$ 5 mil. A sentença não prevê outras sanções, como a suspensão de direitos políticos. A decisão ainda cabe recurso do Ministério Público e do ex-parlamentar.
“Não vou perder nenhum processo”, diz Gratz
O ex-deputado José Carlos Gratz reagiu com tranquilidade às duas sentenças que o absolveu da acusação de participação no suposto esquema de desvio de diárias. Segundo ele, as decisões seguem o que vem afirmando desde o início dos processos há quase uma década. “Nenhum dos dois juízes dez mais do que julgar de acordo com a lei. Só na cabeça débil de um promotor de Justiça, que coloca na denúncia que eu estaria cooptando deputados por uma diária de R$ 290. Só pode ser irresponsável ou ‘pau mandado’ do meu inimigo político número um, o governador Paulo Hartung (PMDB)”.
Gratz se queixou da demora no julgamento de seus processos – ao todo, são mais de cem, entre ações penais e de improbidade. Ele disse que é alvo de uma “perseguição política”, que completou 13 anos no último mês de setembro. “É maldade do promotor quando fala que eu tinha o apoio de 27 deputados para aprovar matérias do meu interesse. Esclareço que ele é analfabeto ou despreparado, porque a Constituição Federal e o Regimento Interno da Assembleia são claros quanto à proibição do deputado legislar sobre assuntos de seu interesse. Quem precisa de deputado é o Tribunal de Justiça, Ministério Público e o governador do Estado”, disparou.
O advogado Antônio Fernando de Lima Moreira, que defende o ex-diretor-geral da Casa, André Nogueira, ressaltou que o seu cliente sequer comparecia às sessões ordinárias. “Tinha um departamento especifico – a Diretoria Legislativa da Mesa Diretora para Assuntos Econômicos – que tratava da questão das diárias. Era uma acusação surreal de que um deputado iria se vender por uma diária de R$ 100”. Segundo o causídico, o “tempo vai passando e vai ficando claro a fragilidade das provas”.