Senador eleito tentou enquadrar matérias jornalísticas baseadas em ações judiciais como “propaganda e fake news”
“A notícia publicada pelos Representados [ Século Diário] não extrapola o limite aceitável da liberdade de expressão garantido constitucionalmente, especialmente aos órgãos de imprensa, à luz dos parâmetros traçados pela Corte Suprema no julgamento da ADPF nº 130 (…)”. O texto é parte da decisão da desembargadora Janete Vargas Simões, do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES), na qual nega contestação do então candidato a senador Magno Malta (PL), eleito em 2 deste mês, a matérias jornalísticas publicadas em Século Diário em 26 e 28 de setembro, antes do primeiro turno.
Na representação, Magno pedia direito de resposta e a retirada das matérias, alegando tratar-se de “fake news e propaganda eleitoral irregular”, configurando um ato de censura à imprensa, apesar de ter sido procurado por Século Diário, por meio de sua assessoria, que, inclusive encaminhou posicionamentos e vídeos, inseridos na segunda matéria, na qual ele nega as acusações.
“Cotejando-se as alegações, documentos e informações trazidas a apreciação deste Juízo, não se vislumbra qualquer fundamento idôneo a refutar a decisão proferida in limine, restando confirmados todos os argumentos utilizados para indeferir a tutela de urgência, fundamentos estes que também afastam a pretensão de aplicação de multa”, aponta a decisão.
A desembargadora afirma ainda que “assiste razão aos Representados quando defendem as prerrogativas inerentes à imprensa: (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar”, bem como que “o exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado”.
As matérias foram publicadas sob os títulos Vítima de Tortura desabafa: Magno Malta não é pastor, é ruim e mentiroso e Magno Malta nega acusações de cobrador, que faz nova denúncia, todas baseadas em fatos e processos judiciais.
Ambas mostram o drama do ex-cobrador de ônibus Luiz Alves da Silva e de sua esposa, Cleonice Conceição, personagens de um pesadelo iniciado em 2010, quando o então senador Magno Malta, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus Tratos e candidato à reeleição, os envolveu em suposto crime de abusar sexualmente da própria filha, então com dois anos de idade. Inocentados, denunciaram o senador em 2018, em processos ainda em andamento na Justiça.
Luiz e Cleonice afirmam terem sido submetidos a torturas físicas e psicológicas, que resultaram, para Luiz, na perda de visão e incapacidade para o trabalho, e, para Cleonice, em frequentes crises de angústia e depressão, sendo necessário acompanhamento especializado. O caso veio ao público em 2018, em matéria de Século Diário, e teve forte repercussão nacional. A acusação afirma que promoveram “um verdadeiro show no departamento de polícia, incitando a população e demais participantes do ato a menosprezar os requerentes em virtude dos meros indícios encontrados (laudo errôneo e testemunhos evasivos)”.
Na representação contra as duas reportagens de Século Diário, com pedido de direito de resposta encaminhado à Justiça Eleitoral em 29 de setembro, também negado, Magno Malta afirma, por seus advogados, que “os textos publicados são ultrajantes, com clara divulgação de desinformação, veiculando inúmeras mentiras sobre a índole e a moral do Representante; com o nítido propósito de influenciar negativamente no resultado das eleições”.
Ao rebater essa argumentação, o setor jurídico de Século Diário destacou que “os fatos divulgados na notícia são verídicos e estão submetidos ao Poder Judiciário em processos judiciais que cita; e que não há propaganda eleitoral na publicação de matéria jornalística que divulga uma ação pública movida por um cidadão que afirma ter sido vítima do candidato Representante”.
Na decisão, depois de indeferido o pedido de urgência, a desembargadora decide “pela improcedência do pedido autoral, por não restar demonstrada ofensa grave à honra do Representado ou a divulgação de fatos sabidamente inverídicos que mereçam o juízo de censura por parte desta Justiça Especializada. A atuação da Justiça Eleitoral deve ser mínima, especialmente por se tratar de texto jornalístico à luz do entendimento do STF na ADF nº 130 [Lei de Imprensa]”.
Além disso, afirma que “ao contrário do que aduz o Representante, a multa suscitada aplica-se tão somente à propaganda eleitoral anônima, o que, definitivamente, não é o caso dos autos. Ora, a publicação originou-se de conhecido veículo de comunicação social, Século Diário, cujas notícias jornalísticas são cotidianamente acessadas pela população”.
E prossegue: “reforça-se que os apontamentos precedentes justificam a ausência de irregularidade na notícia ora questionada. Ademais, ainda que fosse constatada a propaganda negativa, atualmente em evidência no cenário eleitoreiro e rotulada como fake news, carece de previsão legal a imposição de multa em decorrência desse descumprimento normativo”.