A Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e o Ministério Público (MPES) conseguiram uma medida cautelar para paralisar a obra do imóvel onde funcionava o Restaurante Popular de Vitória, na Ilha de Santa Maria, o que promoveria o desmonte de toda a estrutura do espaço. A gestão do prefeito Luciano Rezende (Cidadania) pretendia transformar o local em espaço de armazenamento dos produtos que serão destinados ao Banco de Alimentos da Família.
No entanto, de acordo com as instituições, “já existe uma avançada negociação com o Governo do Estado para, em corresponsabilidade com os municípios da Grande Vitória, reativar o restaurante, e a reforma representaria prejuízo financeiro aos cofres públicos”. Em sua decisão, a juíza Sayonara Couto Bittencourt, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde, afirmou que a Prefeitura alega que questões orçamentárias “impedem a manutenção de ambos os programas”.
Segundo a juíza, a gestão municipal afirma que “os subsídios ao fornecimento das refeições também oneravam excessivamente o orçamento” e que “uma pesquisa realizada em 2015 revelou que 56,4% do público atendido não era munícipe de Vitória” e que, além disso, iniciou o “processo de fortalecimento do Banco de Alimentos de Vitória, precisando iniciar obras de melhorias do imóvel com recursos advindos do Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento [Finisa], para aprimorar a estrutura física do local, adequando às novas operacionalizações e contemplando, também, questões ergonômicas”.
Contudo, a juíza deixa claro em sua decisão que “o direito social à alimentação está regulamentado e não pode perder eficácia, sob pena de violar o princípio da proibição do retrocesso social”. Um dos argumentos utilizados para justificar a decisão é o fato de que “de acordo com o art. 6º da Constituição Federal, a alimentação é direito social que, apesar de não ser contemplado no Título VIII da Carta, a ele deve ser atribuída densidade suficiente para garanti-lo, pois as disposições constitucionais são normas jurídicas prescritivas”.
A magistrada também salienta que “a Lei Federal nº 11.346/2006 trata o direito à alimentação, criando o ‘Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN’ com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada”. No âmbito estadual, aponta que a Lei Complementar nº 609/2011 determina que “a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se fizerem necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população”. Ela também baseia sua decisão na Lei Municipal nº 6.364/2005, que criou o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional – Comsea-Vitória”, “responsável pelo exercício do controle social da política pública”.
Volta do Restaurante Popular
A medida cautelar foi efetivada na última quinta-feira (27), durante um ato simbólico com representantes do fórum e dos conselhos estadual e municipais de segurança alimentar. A mobilização, que reivindicou a volta do Restaurante Popular, começou na Praça Costa Pereira, no Centro, seguida de uma caminhada dos representantes da sociedade civil até o Fórum de Vitória, onde estavam representantes dos órgãos judiciais que entraram com a ação.
Rosemberg Caitano, atual presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea), ressaltou necessidade de retomar as atividades, sendo que uma vistoria recente feita pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional constatou que os equipamentos do restaurante seguem no local e estão seminovos, em boas condições, o que aumenta a pressão da sociedade civil para que o serviço possa ser retomado.
“O restaurante popular é importante principalmente para os mais vulneráveis, pois garante uma alimentação saudável a baixo custo. Eram 2 mil refeições diárias, então são 2 mil pessoas que deixam de se alimentar dignamente por dia. Nesse tempo de pandemia e pós-pandemia, é fundamental que esse equipamento de segurança alimentar e profissional volte a funcionar”.
Implementado em 2005 no Centro de Vitória, o restaurante popular do município funcionou na Ilha de Santa Maria de 2012 a 2017, quando foi fechado, inicialmente de forma temporária, com argumento de realização de obras para reforma. Mas não voltou mais a funcionar, e hoje o espaço abriga o Banco de Alimentos Herbert de Sousa, outro projeto ligado a políticas de segurança alimentar.
Apesar de a volta do restaurante popular ser uma demanda que vem desde seu fechamento, o tema ganhou mais força no debate a partir do final de abril deste ano e, em maio, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) encaminhou uma recomendação às prefeituras da região metropolitana para que reabrissem ou inaugurassem restaurantes populares, que chegaram a funcionar em Vitória, Cariacica, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina e Nova Venécia.
No final de julho, o Conselho Estadual de Segurança Alimentar colocou o ponto em pauta considerando que nenhum desses restaurantes já existentes funciona mais, sendo a Cozinha Comunitária de Cachoeiro o único equipamento público similar na área de segurança alimentar.