Dias Toffoli acatou reclamação da Defensoria que apontou violações aos direitos humanos

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli suspendeu, nesta segunda-feira (7), a reintegração de posse da ocupação Vila Esperança, em Jabaeté, Vila Velha, marcada pela Justiça Estadual para esta terça-feira (8). A decisão atende a uma reclamação constitucional, com pedido de liminar, ajuizada pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que apontou violações de direitos fundamentais e desrespeito à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que estabelece parâmetros para ações de despejo durante e após a pandemia da Covid-19.
A decisão representa uma importante vitória para os moradores da ocupação, que há mais de oito anos vivem na área e enfrentavam a iminência de serem removidos à força, sem alternativas habitacionais dignas. A liminar de Toffoli acata os argumentos da DPES, que afirma que o município de Vila Velha e o Estado não apresentaram qualquer encaminhamento habitacional ou assistencial às famílias atingidas.
A Defensoria sustenta que a decisão da 6ª Vara Cível de Vila Velha, que autorizava a desocupação, violava o entendimento consolidado no STF por meio da ADPF 828, uma vez que não havia plano de reassentamento prévio, nem garantia de direitos básicos às famílias. Na decisão, Toffoli considera que “a desocupação forçada sem garantia de alternativa habitacional viola os direitos humanos” e que “nenhum dos entes públicos envolvidos – Município, Estado ou União – apresentou proposta efetiva para assegurar os direitos das famílias vulneráveis residentes na área, mesmo após diversas audiências e requerimentos”.
A ocupação Vila Esperança, junto à vizinha Vale da Conquista, também alvo da reintegração, está situada em uma área que pertencia à Fazenda Moendas Empreendimentos e Participações Ltda. A ação foi movida em 2019 por Carlos Fernando Machado, que requer a posse das glebas 3 e 4 da chamada “Fazendinha Treze”.
Relatórios sociais apresentados pela própria prefeitura em 2024 apontaram que pelo menos 664 famílias estavam cadastradas na área como residentes em situação de vulnerabilidade. No entanto, a DPES denuncia que esse levantamento foi incompleto, com ausência de visitas in loco e ausência de ampla divulgação do cadastramento via Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e critérios de vulnerabilidade pouco transparentes e restritivos. “Nem mesmo os que preenchiam o critério máximo de miserabilidade tiveram suas necessidades atendidas”, afirmou no recurso apresentado ao Supremo.
Diante da iminência da operação policial, movimentos sociais, parlamentares e moradores da região se mobilizaram para reverter a reintegração. O senador Fabiano Contarato (PT) anunciou a concessão da liminar por Toffoli por meio das redes sociais. “Cheguei aqui logo cedo para sensibilizar o ministro Dias Toffoli a fim de conceder uma liminar para impedir a reintegração de posse. Eu acabo de receber a informação que o ministro concedeu a liminar”, declarou. O senador ainda reforçou que a moradia é um direito constitucional previsto no artigo 6º da nossa Constituição Federal.
Com a suspensão da reintegração, o ato de protesto que havia sido convocado para esta terça-feira na entrada da ocupação foi cancelado. A mobilização articulada por organizações como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase); o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab); e partidos políticos do campo progressista, visava denunciar o despejo e a articulação entre prefeitura, governo estadual e Judiciário para atender aos interesses do setor imobiliário.
O vereador de Vila Velha, Rafael Primo (PT), também celebrou a decisão nas redes sociais. “Hoje é dia de vitória. Um dia antes da data fatal da reintegração, conseguimos uma liminar para impedir a ação marcada para amanhã. Respeitamos direitos. A liminar adia a reintegração até o julgamento do mérito da posse da terra”, afirmou. Primo disse que houve uma intensa articulação política para sensibilizar o ministro.
Até o julgamento do mérito da posse da área pelo STF, não há previsão de nova ação de despejo. “É a vitória do povo, de quem precisa”, considera Rafael Primo, que reafirmou o compromisso do seu mandato em continuar atuando com a Defensoria Pública e lideranças comunitárias para garantir os direitos das famílias que vivem em Vila Esperança e Vale da Conquista.
A decisão judicial de reintegração de posse foi proferida no último dia 27 de fevereiro pela desembargadora Janete Vargas Simões. Na ocasião, a magistrada chegou a alertar a presidente da coupação, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, sobre possíveis consequências caso ocorram conflitos durante a desocupação. “Disseram que eu teria responsabilidade no caso de mortes aqui dentro”, relatou a liderança da comunidade.
A ocupação surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado que, com o tempo, foi sendo transformado em um território vivo, produtivo e solidário. Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais. No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo (Podemos) revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram.
A repressão contra o movimento também se intensificou com a mobilização dos moradores para denunciar o descaso do poder público diante da crise habitacional. João Otávio Silva Lessa, um jovem autista de 18 anos e morador da ocupação, foi preso durante um protesto pacífico em que a comunidade se dirigiu até a sede da administração municipal para cobrar um posicionamento do prefeito. Ele teve sua liberdade condicionada ao pagamento de uma fiança de R$ 30 mil e passou nove dias preso no Centro de Triagem de Viana, até conseguir a revogação da fiança por meio de um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A prisão foi apontada por movimentos sociais e entidade como a Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo) como parte de uma tentativa de criminalizar a luta por moradia e os moradores da ocupação.