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‘Não tem tráfico nem homicídio. Tem abandono do Estado e resistência do povo’

Baiana, da ocupação Vila Esperança, contesta acusações feitas por advogado de empresários

Leonardo Sá

“Não tem tráfico nem homicídio em Vila Esperança. Aqui, a gente planta alimentos e protege a mata. O que tem é abandono do Estado e resistência do povo”. A declaração é da presidente da ocupação em Jabaeté, Vila Velha, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, em resposta às declarações do advogado Renan Sales, que se coloca – sem citar os nomes – como representante de empresários que seriam donos da área, feitas ao jornal A Tribuna desse domingo (13).

O advogado afirma “que há no processo provas de prática de crimes ambientais, tráfico de drogas e homicídios”, e de “venda irregular de terrenos”. Também argumenta que a suspensão da reintegração “foi um erro”, para, em seguida, exaltar projetos futuros de seus clientes que vão “gerar emprego e renda”.

Para Baiana, as declarações representam mais uma tentativa de criminalizar a ocupação e a própria região da Grande Terra Vermelha, marcada por histórico de vulnerabilidade social e negligência do poder público. “Nós fazemos nosso papel de orientar as pessoas e cuidar uns dos outros em situações extremamente difíceis, em que o Estado e a prefeitura deixam o povo desamparado”, afirmou. “O que há na região é um esforço coletivo por dignidade, diante da omissão do poder público frente à crise habitacional”, acrescenta. As acusações do advogado, ressalta, não possuem comprovação.

Ela reconhece que casos de venda irregular de lotes já aconteceram, mas atribui isso à ausência de regularização e à atuação de pessoas de má-fé. “Nós alertamos que não é permitido vender, porque não temos a posse legal, estamos em luta por moradia. Mas a falta de apoio do poder público só piora a situação. Em vez de ajudar, criminalizam”, reitera.

A liderança comunitária denuncia a violência policial, a atuação parcial da prefeitura, sob gestão de Arnaldinho Borgo (Podemos), e do governo Renato Casagrande (PSB), assim como a tentativa de estigmatizar as famílias carentes que vivem na ocupação, associando-as à criminalidade como forma de justificar uma reintegração violenta.

Ela também aponta “ações de intimidação contra os ocupantes por parte de pessoas que alegaram estar ‘limpando a área’ a mando do novo proprietário”, identificado por Baiana como Eduardo Balestrassi. “Em 2022, quando ele se apresentou, foi com máquina pesada, sete horas da manhã, derrubando barracos e árvores da mata. Denunciamos ao Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam), mas o processo não anda. Quando chamamos a polícia, não fomos atendidos. É revoltante, quando é contra pobre, ninguém se mexe”, acrescentou.

As declarações do advogado Renan Sales vieram a público após a suspensão da reintegração de posse da ocupação, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 7, um dia antes da data marcada para a ação de despejo. A decisão do ministro Dias Toffoli atendeu a uma reclamação constitucional com pedido de liminar ajuizada pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que apontou violações de direitos fundamentais e o desrespeito à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 — norma que estabelece diretrizes para remoções durante e após a pandemia de Covid-19.

A medida suspendeu a reintegração determinada pela desembargadora Janete Vargas Simões, no dia 27 de fevereiro. Na decisão, a magistrada chegou a alertar Adriana Paranhos sobre eventuais responsabilidades caso houvesse conflito durante a ação de despejo. “Disseram que eu teria responsabilidade no caso de mortes aqui dentro”, relembra a liderança comunitária.

Leonardo Sá

A ocupação começou em uma área que, segundo os moradores, estava completamente abandonada. Em 2020, o local foi declarado de interesse social pelo então prefeito Max Filho (PSDB), mas a medida foi revogada em 2022 pela atual gestão. Em agosto de 2021, a Guarda Municipal e a Fiscalização Ambiental derrubaram 12 barracos sem ordem judicial ou aviso prévio. A prefeitura alegou crime ambiental, dizendo que se tratava de uma Zona de Especial Interesse Ambiental (Zeia) com vegetação de Mata Atlântica, o que depois foi contestado pelos próprios moradores, que afirmam que a vegetação permanece preservada.

“Não tem desmatamento da nossa parte. A gente orienta a preservar as árvores e a mata. Plantamos alimentos e limpamos apenas a área onde são construídos os barracos. Quem destrói o entorno são as máquinas das empresas de construção contratadas pelos empreendimentos imobiliários da região, não a comunidade. Temos visto várias nascentes sendo soterradas ao redor da ocupação, e questionamos a conivência da prefeitura”, enfatiza.

A ocupação começou devido à falta de alternativas para famílias em situação de vulnerabilidade, destaca. “Família nenhuma quer viver no escuro, sem geladeira, com comida estragando porque não tem energia”. Ela conta que a comunidade conseguiu, por meio da união, reduzir casos de violência doméstica e construir uma rede de apoio entre os moradores. Além disso, a ausência de serviços básicos obriga os moradores a percorrerem trajetos igualmente longos apenas para buscar água. Ela também critica como o Estado age para regularizar terrenos de luxo, enquanto ignora a situação crítica em que vivem os residentes da ocupação.

“Passamos noites em festas comunitárias para arrecadar dinheiro e comprar alimentos. Tudo que temos é por nossa organização. Se a comunidade fosse reconhecida, seria muito mais fácil garantir segurança e dignidade. O ônibus escolar chegaria, a água chegaria, a luz chegaria. Hoje tem criança andando quilômetros para estudar. Qual é a segurança que estão oferecendo para essas famílias?”, questiona.

Leonardo Sá

Protesto e repressão   

A decisão pela reintegração motivou um protesto da comunidade no prédio da Prefeitura de Vila Velha, para exigir um diálogo direto com o prefeito Arnaldinho e garantias de alternativas concretas de moradia e dignidade às famílias da ocupação. Contudo, o prefeito se recusou a dialogar com os manifestantes e enviou representantes para atender a uma comitiva de dez pessoas, sem apresentar soluções efetivas. 

A situação se agravou quando, ao começar a dispersão do protesto, os manifestantes foram cercados pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal, que usaram spray de pimenta contra os moradores. Durante o tumulto, o estudante João Otávio Lessa foi detido sob a alegação de ter agredido uma funcionária pública. No entanto, os moradores contestam essa versão, afirmando que a prisão do jovem foi premeditada, pois já existia um mandado de prisão contra ele antes do fim da manifestação. A detenção de João, um jovem de 18 anos diagnosticado com autismo e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), gerou repercussão, sendo denunciada por movimentos sociais e pela Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo). 

Integrante de um movimento de juventude da região de Terra Vermelha, ele já havia se posicionado contra a gestão de Arnaldinho Borgo durante a campanha eleitoral, o que teria gerado desconforto ao prefeito, relatam familiares e moradores da ocupação. Após nove dias dias preso, João deixou o Centro de Triagem de Viana por meio de um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O jovem havia sido sentenciado à prisão preventiva no último dia 27 de março, com possibilidade de ser revertida em medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de sair da Grande Vitória sem autorização judicial, proibição de manter contato ou se aproximar das supostas vítimas, além de uma fiança arbitrada no valor de R$ 30 mil. Sem condições de pagar a fiança, que classificou como “exorbitante” e símbolo de perseguição política, teve sua liberdade garantida após o pedido da defesa ser aceito pelo ministro Antônio Saldanha Palheiros, que extinguiu a fiança e manteve as demais medidas cautelares.

O plano de desocupação, que vai ser efetivado pelo comando da Polícia Militar, Guarda Municipal, Cavalaria e Batalhão de Missões Especiais (BME), além de dezenas de máquinas para derrubar as construções, é apontado como um ato de violência institucional, marcado pela omissão das gestões municipal e estadual.

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