Delegado afirma que não encontrou evidências para crime de mando
Lumbrigão afirma que confessou crime de mando sob tortura
Inventar versão de mando foi saída para cessar tortura
Giliarde denuncia tortura, mas 'se perde' sobre trama da morte do juiz
Novos depoimentos põem governador Paulo Hartung no enredo da morte do juiz
Juiz repete acusações, mas deixa brechas em tese sobre crime de mando
Delegado Danilo Bahiense ratifica tese de mando
Testemunhas do coronel Ferreira não conseguem sustentar tese de latrocínio
O fato foi revelado por Aurich, que era o secretário-chefe da Casa Militar do governo Hartung na época da morte do juiz Alexandre. Segundo o coronel, esse foi um dos três motivos para que ele sugerisse a federalização do crime. No último depoimento desta terça-feira, concluído às 19h58, o coronel reserva disse que os fatos estranhos envolvendo o processo o levaram a descartar a tese do crime de mando – pelo menos, aquela defendida pelo Ministério Público, que acusa o oficial reformado da PM, Walter Gomes Ferreira, o ex-policial civil e hoje empresário, Cláudio Luiz Andrade Batista, o Calu, e o juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, de terem sido os mandantes do assassinato.
O coronel da reserva disse que em função do pedido de federalização passou a ser ameaçado pelo então presidente do Tribunal de Justiça, ex-desembargador Alemer Ferraz Moulin, que teria mandado um emissário (o advogado Erildo Martins, já morto) para assediá-lo. Segundo o coronel, a alegação era de que ele “estaria atrapalhando as investigações sobre o mando”. Chama atenção que, na época do crime, a maior parte dos atos sobre as apurações, como a nomeação do juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos para instruir a primeira ação penal e do delegado Danilo Bahiense, que atuou no inquérito policial, foram de autoria de Alemer Moulin.
Segundo Aurich, os “fatos estranhos” que o levaram a cogitar a entrada da Polícia Federal no caso começaram com a revelação feita a um cliente – o ex-militar é advogado – pelo promotor de Justiça, Evaldo da França Martinelli, que coordenava um dos grupos de combate ao crime do Ministério Público. Ele teria confidenciado que o coronel Ferreira seria transferido no dia seguinte do Quartel de Maruípe para um presídio de segurança máxima no estado do Acre – fato que ocorreu antes da morte do juiz Alexandre e já havia sido levantado anteriormente no júri.
Em seu relato, Aurich estranhou o fato de não existir qualquer notícia sobre a medida, circunstância que o teria feito alertar seu cliente para não manter qualquer conversa com o ex-militar preso. Logo depois de ser consumada a transferência, o ex-militar ouviu de seu cliente o relato de uma ligação de Ferreira do presídio do Acre. De acordo com o relato de Aurich, ele teria, juntamente com seu cliente, levado a denúncia para o promotor Evaldo Martinelli e para a Procuradoria da República no Estado.
Esse fato já levantaria a suspeição do caso, mas ele citou ainda o depoimento da personal trainer do juiz Alexandre, que prestou depoimento contando que o magistrado, poucos dias antes de ser morto, disse temer por sua vida. O coronel Aurich, que atuava no Palácio Anchieta na época dos fatos, contou que recebeu uma cópia do depoimento de Júlia Fontoura, em primeira mão, do promotor Gilberto Toscano (hoje aposentado), que era lotado na Promotoria de Vila Velha. Ele foi a primeira autoridade a ouvir o depoimento da personal trainer.
De acordo com Aurich, o promotor lhe entregou o depoimento – que teria marcas para evitar um eventual vazamento – para que repassasse a Hartung, já que o procurador-geral da Justiça à época, José Maria Rodrigues, não havia conseguido uma agenda com o governador. O coronel da reserva relatou ao júri que entregou o documento ao então chefe do Executivo, que não teria esboçado qualquer reação à denúncia – dando conta da existência de supostas fitas com casos de corrupção na Prefeitura de Vitória na gestão de Hartung. Aurich contou que ao questionar o governador sobre quais providências deveriam ser tomadas, o governador teria lhe dito que “resolveria pessoalmente” a situação.
Mais à frente, em seu depoimento, Aurich revelou que foi procurado por Hartung mais de duas semanas depois, quando da prisão de Lumbrigão. O motivo foi a detenção de Robson Silveira, primo do coronel da PM Herman da Silveira, já aposentado, que, por sua vez, é primo de 1º grau de Hatung. Na época, chegou a ser levantada uma suposta ligação entre o assassino do juiz e Robson Silveira.
Sobre este grupo de militares, o ex-chefe da Casa Militar informou que todos os quatros estariam “encostados” no serviço médico da PM por problemas psiquiátricos, além de responderem a mais de uma dezena de homicídios no exercício da função. Esse mesmo grupo teria realizado a prisão dos ex-sargentos da PM, Heber Valêncio, e Ranilson Alves da Silva, que acabaram sendo condenados como intermediários do crime do juiz. Segundo ele, os militares à disposição trabalhavam sob ordens diretas de Rodney e de seu subsecretário à época, Fernando Francischini, que apareceu no depoimento do ex-deputado Neucimar Fraga (PSD), também ouvido na tarde desta terça (25).
‘Sombra’ de Francischini
Antes das revelações bombásticas do coronel da reserva, o ex-deputado federal Neucimar Fraga foi ouvido como testemunha da defesa de Ferreira. Na época do crime, o político era vice-presidente da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados. Na ocasião, o então parlamentar apresentou um requerimento para criação de uma comissão especial para acompanhar a investigação do caso. Dois dias após a morte do juiz Alexandre, o grupo veio ao Estado, onde se reuniu com promotores e foi recebido ainda pelo governador Paulo Hartung, que teria informado os quatro deputados da comissão de que não havia uma conclusão sobre o tipo de crime.
Apesar de a comissão especial ter sido encerrada sem uma conclusão, Neucimar revelou que soube mais do crime após um almoço com o ex-subsecretário Francischini, que atuava como delegado federal responsável pelo combate ao tráfico de armas – assunto de uma audiência pública que acabou permitindo o encontro dos dois. Nesse almoço, o ex-subsecretário – que deixou o governo após o crime, mesmo caso de Aurich que não suportou a pressão meses depois – confidenciou ao parlamentar sobre os bastidores da investigação do crime do juiz.
Todos esses detalhes foram relatados pelo ex-deputado em seu depoimento ao júri. Segundo Neucimar, o ex-subsecretário deixou o cargo após não concordar com o “método de investigação” do caso. O delegado relatou a reunião de um grupo contra a impunidade – que ele foi identificado pela testemunhas pelas siglas GGI. Durante esse encontro, o então coordenador do grupo, o procurador da República, José Roberto Santoro – já aposentado e hoje é advogado de Hartung – teria dito que colocariam o crime do juiz Alexandre “na conta de Ferreira”, fato que poderia indicar um eventual direcionamento das investigações.
Nesta quarta-feira (25), o Tribunal Popular do Júri deve terminar a fase de instrução do processo com a oitiva das cinco últimas testemunhas, todas arroladas pela defesa de Calú: o perito Mauro Juarez Nadvorny, que colheu o depoimento de testemunhas com o uso do “detector de mentiras”; o delegado aposentado André Luiz Cunha Pereira, que presidiu o primeiro inquérito policial, além dos executores do crime Odessi Martins da Silva Junior e Giliarde Ferreira.
Também será ouvido o ex-juiz e advogado criminalista, Antônio Franklin Cunha, que foi contratado pela Associação dos Magistrados do Estado (Amages) para atuar como assistente da acusação, mas renunciou à função após concluir que o caso teria sido um latrocínio (roubo seguido de morte) e não um crime de mando. O terceiro dia de trabalhos no júri recomeça a partir das 9 horas, no Cineteatro da Universidade de Vila Velha (UVV).