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Órgãos de Justiça recebem denúncia de assédio sexual contra professor da Ufes

Renato Siman é denunciado há um ano, mas direção da universidade mantém caso invisibilizado, apontam os documentos

Leonardo Sá

Várias denúncias de assédio sexual e moral contra um professor, mas nenhuma providência por parte da direção da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). A situação, que se arrasta desde 2021, foi levada nesta sexta-feira (14) aos Ministérios Públicos Estadual e Federal (MPES e MPF) e às Defensorias Públicas Estadual e da União (DPES e DPU).

O acusado é o professor do Departamento de Engenharia Ambiental da Ufes Renato Ribeiro Siman, que segue com suas atividades docentes normalmente. O encaminhamento do caso aos órgãos de Justiça foi feito pelo também professor de Engenharia Ambiental Ricardo Franci e a professora do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) Rosely Pires, coordenadora do programa de extensão Fordan – Cultura no Enfrentamento às Violências e integrante do Conselho de Ensino, pesquisa e Extensão (Cepe-Ufes).

O professor Ricardo Franci foi quem abriu a primeira denúncia formal sobre o caso dentro da universidade, em março de 2022, depois de ter sido procurado diretamente pelas vítimas, que buscavam ajuda para fugir da perseguição que sofriam por parte de Renato Siman, na época, orientador das mesmas, em cursos de mestrado e doutorado e em estágio.

“Fiquei muito abalado pelo sofrimento delas. Uma chegou em estado de choque na minha sala, catatônica. Eu tenho uma filha da mesma idade delas, não podia ignorar aquela situação”, relata Ricardo Franci, que aceitou o pedido de se tornar orientador das alunas, que acabaram concluindo seus trabalhos com êxito, diferentemente do que prognosticava Renato Siman, que elas eram incapazes de concluir o mestrado/doutorado, que eram burras e coisas do tipo. As ofensas, relata o documento encaminhado pelos professores aos órgãos de Justiça, se seguiam mediante as recusas das alunas em ceder aos seus convites.

Somente em fevereiro, conta o professor que acolheu as vítimas, a Ufes abriu uma comissão de sindicância sobre o caso, porém, não é possível acessar o processo, que teria mantido em sigilo. “Não há informação de que o processo tenha evoluído. O tempo está passando e a comissão não ouviu ninguém, o que é estranho, porque ela tem todos os relatos e contatos das vítimas”.

Antes desse registro em março de 2022, o professor havia tentado denunciá-lo ao Centro Tecnológico, ao qual a Engenharia Ambiental é vinculada, mas não conseguiu. “Não aceitaram, disseram que eu não tinha provas, o que é estranho também, porque como servidor público, se eu fizesse uma falsa denúncia, recorreria em prevaricação”.

Antes, ainda, a pedido das estudantes, que não queriam que o caso fosse resolvido dentro da universidade, com medo de exposição e perseguição, as denúncias foram feitas na Delegacia da Mulher, em 2021, de onde foram encaminhadas para a Polícia Federal. “A PF fez muitas entrevistas, mas não houve nenhum encaminhamento em favor das vítimas”, lamenta.

O documento encaminhado aos órgãos cita ainda o registro de uma denúncia contra o mesmo Renato Siman, de 2018, na Vara de Violência Contra Mulher, “Convertido (a) o(a) Julgamento em Diligência Segredo de Justiça e remetido para 2ª Vara da Infância e da Juventude de Vitória”.

Rosely avalia que o caso é mais um exemplo da negativa recorrente da universidade, não só a capixaba, em reconhecer os crimes de assédio e outras violências. “É uma briga constante entre a universidade e a Justiça. A lei diz que é crime, mas a universidade age como se não fosse. A Ufes não pode continuar com esse e outros casos engavetados. Se esse professor tivesse sido punido na primeira vez, não teria feito outras três vítimas”.

A postura negacionista e revitimizadora, pontua a coordenadora do Fordan, se repete, via de regra, nas universidades brasileiras. A necessidade de mudar isso tem sido o motor a mobilizar diversos pesquisadores do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e outros estados, em torno da criação de uma diretriz que oriente quais procedimentos devem ser adotados em casos de violência como esse. “Não há um protocolo que oriente os gestores, os professores e os servidores sobre como agir nessas situações, para acolher a vítima e responsabilizar o agressor. Não é só mandar para a delegacia, a universidade tem que tomar providências também”.

O Fordan publicou, nessa quinta-feira (13), a edição nº 2 do Boletim Jurídico Nacional “Violências nas universidades: o acolhimento às vítimas e enfrentamentos às violências de gênero e raça”, resultado de um segundo simpósio nacional sobre o assunto, realizado no último mês de março, em parceria com o Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN), a União das Negras e Negros (Unegro-ES), a Revista Direito e Feminismos e o Instituto Baiano de Direito e Feminismos (IBADFEM).

O boletim reúne 13 textos de juristas e pesquisadores da área de diversos estados, sendo alguns transcrições de suas participações no simpósio, além de uma matéria publicada em Século Diário por ocasião do primeiro simpósio, realizado em abril de 2022.

Em sua fala, a defensora pública Maria Gabriela Agapito, coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres na DPES, cita dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública referentes à quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, com dados inéditos sobre diferentes formas de violência física, sexual e psicológica sofridas por mulheres com 16 anos ou mais no ano de 2022.

Segundo o Fórum, “45% das mulheres entrevistadas, indagadas sobre a atitude tomada em relação à agressão mais grave sofrida nos últimos 12 meses, responderam que nada fizeram. Isso se deu, em regra, pela ausência de confiança nas instituições no sentido de acolhimento e de providências efetivas para fazer cessar as agressões”, relata a defensora.

“Essas violências podem ser praticadas nos mais diversos ambientes, inclusive nas universidades. As instituições de ensino superior reproduzem um microcosmo da sociedade brasileira, extremamente patriarcal, hierarquizada, homofóbica, racista e misógina. As pessoas que se tornam vítimas de assédio e de discriminação encontram uma grande dificuldade de furar esta bolha para denunciar quem as violentaram, se sentindo incapazes e descrentes nos mecanismos de proteção”, aponta.

“Existe, nas universidades e nas instituições de ensino superior, a liberdade de cátedra, que não deve ser confundida com liberdade para violentar. Ela é um princípio fundamental que garante aos/às professores/as o direito de ensinar e pesquisar livremente, sem interferência ou pressão externa”, posiciona.

“A lei é um limite quando o diálogo não funciona. O agressor pode ser um amigo, um colega de trabalho, mas se houver crime, não pode haver corporativismo. Isto é a lei. Ali você não tem como dialogar. Mas muitas das universidades não entenderam isso ainda”, concorda Rosely Pires.

A professora do Departamento de Direito e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes, Brunela Vieira de Vincenzi, reforça o diagnóstico, ao afirmar que “são vários casos que acontecem de diretorias, centros e dirigentes, em geral, que não iniciam o processo administrativo mesmo tendo conhecimento do assédio. Se tivéssemos um processo, ficaria mais fácil para a vítima e para a comunidade cobrar uma ação. Esse é um problema. Lembremos, ainda, que determinadas denúncias precisam ser confirmadas pessoalmente. Daí vimos dois problemas acontecerem, durante a pandemia as pessoas não se deslocavam para a universidade e muitas pessoas não tinham coragem de formalizar a demanda, sob pena de ameaças ou represálias”.

Carla Appollinario de Castro, professora do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora da Clínica Jurídica LGBTQIA+ da UFF, cita exemplos de iniciativas sendo trabalhadas, ainda de forma inicial, nas universidades de São Paulo (Usp) e de Ouro Preto (Ufop), que podem servir de referência para as demais instituições de ensino superior, incluindo a UFF e a UFes.

“As formas tradicionais de solução de conflitos, via ouvidorias gerais, nas universidades não têm sido suficientes e efetivas no melhor encaminhamento das demandas. Podem resultar no prolongamento do processo de violência com revitimização e continuidade das relações de poder (docente-discente, docente-técnico, docente/chefia-docente). É necessário criar novas formas ou utilizar as formas antigas de prevenção à violência de novas maneiras com atualização do que se entende hoje como violências no ambiente institucional/acadêmico e unir nacionalmente as experiências em redes amplas”, afirma.

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