A Prefeitura da Serra, por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (Sedir), abriu procedimento de apuração de uma denúncia de racismo contra a secretária adjunto administrativa da Secretaria de Serviços (Sese) Fabiany Binda Wruck Loureiro, feita pelo servidor da pasta, Lucas de Souza Lucindo. Ele relata que vem sofrendo racismo há cerca de um ano por parte da gestora, que “inicialmente cometia a prática de maneira velada, mas depois passou a fazer de forma mais escancarada”.
Além disso, o secretário municipal de Serviços, Enivaldo Dias Pereira, foi oficiado sobre a denúncia formalizada e o procedimento de apuração dos fatos.
Lucas informa que, a princípio, Fabiany tinha atitudes como sobrecarregá-lo com tarefas que podiam ser divididas entre a equipe e solicitar que ficasse depois do horário para desenvolvê-las. Ele recorda, ainda, de outras situações, como quando ela contestou, na frente dos demais servidores, a veracidade de um atestado médico que apresentou. Lucas, que passou no concurso da Polícia Militar (PM) e está nas etapas de avaliação, narra que Fabiany disse para seus colegas de trabalho que “esse nego é metido, além de metido é mentiroso, não passou no concurso da PM coisa nenhuma”.
O estopim foi na semana passada, quando, conforme afirma Lucas, a gestora solicitou que ele e outros servidores e estagiários mudassem alguns móveis da secretaria de lugar. “Ela pediu para eu e um estagiário levarmos a mesa do térreo para o segundo andar. No último lance de escada, apoiamos a mesa no chão para descansar. Ela falou ‘cansou? Então faça serviço de branco’. Perguntei ‘a senhora disse o que? Serviço de branco? Aí ela disse ‘sim, faça serviço de branco'”, conta Lucas, que registrou Boletim de Ocorrência (BO).
“É como se o serviço pesado fosse coisa de negro, como se, caso eu quisesse um trabalho mais leve, tivesse que ter nascido branco. Me senti humilhado, subjugado, como se tivesse salário de branco e salário de negro, e vejo que essa cultura pode estar em tudo quanto é lugar, inclusive na administração pública”, desabafa.
O advogado do servidor, Gustavo Martins Tavares, informa que, além do registro do BO e do pedido de procedimento administrativo na prefeitura, foi feita representação no Ministério Público do Espírito Santo (MPES). De acordo com ele, a Lei nº 2.360/2001, que trata do Estatuto do Servidores, prevê a presença de, pelo menos, três servidores para a comissão que apura a denúncia, sendo um da Sedir, um da pasta na qual está lotado o denunciante, e um de outra secretaria, sendo que ao menos um deles deve ser efetivo.
Gustavo informa que, na esfera administrativa, caso se chegue à conclusão de que a gestora de fato cometeu racismo, ela deverá ser exonerada, não poderá se candidatar a cargo eletivo no âmbito do executivo municipal, não poderá disputar licitações da Prefeitura da Serra nem prestar concurso público. Na esfera criminal, a comprovação da prática de racismo pode levá-la à reclusão.
Repercussão na Câmara
A denúncia do servidor foi debatida na sessão da Câmara Municipal nessa quarta-feira (31). Quem puxou a questão foi o vereador Professor Arthur (Solidariedade). “É momento de pedir à prefeitura para tomar atitudes corretas, combater com a máxima responsabilidade, apurar os fatos, é isso que a gente espera”, disse.
O vereador afirmou que muitas pessoas dizem que ele tem que ir para cima do prefeito, Sérgio Vidigal (PDT), mas Professor Arthur discorda. “Não vou ser covarde de jogar essa responsabilidade para o prefeito por ora, mas ele tem a responsabilidade de apurar os fatos para que isso seja esclarecido da melhor forma possível”, afirma.
Para o vereador Alex Bulhões (PMN), a denúncia de Lucas prova que o Brasil tem uma abolição “inconclusa”. “Segundo os fatos, ele estava carregando uma mesa e a senhora lá da fazenda viu dois negros fazendo isso e falou para fazer trabalho de branco, né? Lamentável, lamentável que a gente ainda assista esse tipo de episódio”, disse, fazendo uma analogia entre o suposto comportamento da gestora e o das sinhás da época da escravidão.
O vereador prosseguiu dizendo que Lucas “não deve se importar com quem vai dizer que é “mimimi”. “Só quem sofre na carne sabe o que está passando. Estamos acompanhando o que vai acontecer. Já ligamos, conversamos com a secretária de Direitos Humanos [Lilian Mota Pereira]. Se tiver culpa, tem que ter punição”, disse.
Quem também se pronunciou foi o vereador Anderson Muniz (Podemos), que pediu “cautela e critério para não generalizar de forma política este fato”. “A gente não pode ser irresponsável, mas ao mesmo tempo a gente pede que seja apurado para que seja responsabilizado quem cometeu esse ato”, defendeu.
A vereadora Elcimara Loureiro (PP) também defendeu a apuração dos fatos. “Ainda acham que tem trabalho de branco e trabalho de negro, ainda acham que pode ter salário de branco e salário de negro. Isso nós não podemos permitir e, sobretudo, entender que racismo é crime”, disse.