A 13ª Promotoria de Justiça Cível da Serra abriu inquérito para investigar o prefeito Audifax Barcelos (Rede) por suposto desvio de função de servidores. A denúncia é que a Secretaria de Obras da Serra (Seob), cujo titular é João Carlos Meneses, tem nomeado comissionados para as funções de gestor e fiscal de contratos, incluindo para o controle de obras milionárias, funções, que, segundo a lei, deveriam ser ocupadas por efetivos da área de engenharia. Uma ação civil pública com pedido de liminar foi encaminhada pelo Ministério Público do Estado (MPES) à Vara da Fazenda Pública da Serra, onde o processo tramita.
Os promotores, que instauraram o inquérito civil nº 2017.0007.3596-97, solicitam que a prefeitura abra, com urgência, concurso público para os cargos de engenheiro civil e de arquiteto, além de tornar a Lei 2.356/2000 (elenca atribuições para cargos comissionados da Seob) inconstitucional. De acordo com dados da Secretaria de Administração e Recursos Humanos do município, das 31 vagas de engenheiros destinadas à prefeitura, sete estão ocupadas e, dessas, apenas quatro destinadas à Seob. Apesar da vacância, há cerca de 10 cargos comissionados atuando na Seob na gerência de contratos de obras de grande vulto com salários mais elevados (cerca de R$ 4 mil, enquanto efetivos recebem R$ 2.623,33). O último concurso para engenheiro civil na cidade data de quase 15 anos atrás.
A petição do MPES, que tramita em primeira instância, é a única no Estado que pede impedimento para comissionados que estão atuando diretamente na gestão de verba pública, podendo, pela natureza do cargo, estar sob domínio da “veia política” em suas decisões.
De acordo com as investigações dos promotores, a Seob não tem cumprido uma série de leis, incluindo a Constituição Federal, a Constituição Estadual e o próprio Manual de Normas e Procedimentos do Município da Serra. No caso da Constituição Federal, o artigo 37, diz que “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Já o documento municipal expressa que a função de gestor/fiscal de contratos, tratando-se de cargo de confiança, deve ser ocupada, prioritariamente, por servidores efetivos da instituição e deverá ser exercida por engenheiro civil devidamente inscrito no Conselho Regional de Engenharia [Crea-ES]”.
“Mas, ao contrário do que determina a lei, a Seob tem posto a função de fiscal de contratos como ‘cargo de confiança’ e nomeado para tal comissionados. Além disso, em inúmeras situações, as funções de gestor e fiscal do contrato são exercidas pelos mesmos servidores, o que também se demonstra totalmente inapropriado e contrário ao princípio da segregação das funções na Administração Pública”, esclarece a petição enviada à Justiça.
Ainda segundo o documento, “de uma simples comparação entre a tabela com a descrição dos servidores que exercem cargos comissionados e o relatório com a descrição dos gestores e fiscais dos contratos vigentes entre dez/2016 e maio/2017 foi possível constatar que determinados servidores comissionados eram, repetidamente, nomeados para os cargos de confiança na Seob”.
Para a Promotoria, os cargos comissionados são cargos de vínculo precário, servindo a uma administração transitória e, portanto, jamais poderiam exercer funções de caráter estritamente técnicas, que são do interesse do Município e inerentes aos cargos efetivos de carreira.
Conhecimento técnico
Os promotores comprovaram que a função de fiscal de contratos administrativos de obras exige conhecimento técnico diretamente ligado às funções desempenhadas por servidores efetivos da área de engenharia e ou arquitetura (no caso de edificações). “Tal cenário acarreta, inevitavelmente, a configuração de um desvio de função por parte dos servidores comissionados da Seob, que vêm exercendo não só a função de fiscais de contratos sem nenhum auxílio de terceiros, mas também atividades que extrapolam totalmente o espectro das funções de direção, chefia ou assessoramento como as medições das obras contratadas”, explicaram os promotores na petição inicial encaminhada à Justiça.
Para a Promotoria, “a situação levanta suspeitas quanto aos reais motivos para a designação irregular de servidores comissionados como fiscais de contratos administrativos, em nítido detrimento aos servidores efetivos, que possuem atribuição específica e prioritária para tal atividade”.
Contratos milionários
Fontes ligadas à Secretaria de Obras informaram em oitivas realizadas pelo MPES que, há aproximadamente três anos, houve uma mudança das posturas administrativas que causou estranheza aos servidores efetivos. O fato de contratos muito relevantes e que historicamente vinham sendo fiscalizados por servidores efetivos passarem a ser fiscalizados por servidores comissionados. Entre eles, obras com recursos federais acima de R$ 9 milhões; como a drenagem do Rio Jacaraípe; a construção de unidades habitacionais Novo Horizonte e Vila Nova de Colares.
No caso da drenagem do Rio Jacaraípe, segundo relatos coletados pela Promotoria, efetivos chegaram a constatar, após a análise dos projetos e das planilhas, algumas inconformidades entre a execução realizada no campo e o projeto original da obra, pedindo explicações. Mas o fiscal do contrato, cargo comissionado, negou-se a passar tais informações. Ainda segundo a petição da Promotoria, “tal comissionado sequer tinha qualificação porque era engenheiro de produção e não poderia estar exercendo atribuições de engenheiro civil”. Nesse caso, só foi exonerado após reportagem de Século Diário denunciar que o comissionado estava sendo investigado pelo MPE.
Entre uma série de funções, os gerentes de contrato devem fiscalizar a obra, realizar medições, avaliar a qualidade dos serviços e dos materiais utilizados, aferir se o concreto e de outros materiais está conforme as normas, além de analisar documentações e planilhas de custos.
Foi citado, ainda, que desde 26 de fevereiro de 2014, o Departamento de Obras Contratadas da Seob (DOC/Seob), responsável por valores milionários anuais, não possui sequer um engenheiro civil efetivo atuando nas atividades técnicas de gestão, fiscalização, controle, emissão de laudos conclusivos, emissão de justificativas técnicas e de aditivos de contratos diversos e de pareceres conclusivos inerentes aos seus contratos e demandas; situação similar que ocorre na coordenadoria das regionais de obras.
Carta
Em 6 de dezembro de 2016, um documento intitulado “Carta dos Profissionais Efetivos, Engenheiros e Arquitetos da Secretaria de Obras (Seob)” foi protocolado no Protocolo Geral da Serra, questionando a inconstitucionalidade das nomeações de fiscais de contrato sem prévia aprovação em concurso público.
Século Diário procurou a Prefeitura da Serra sobre abertura de concurso para o cargo de engenheiro civil em substituição dos comissionados na Seob, mas até o fechamento desta edição, não houve respostas.