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Quilombola preso protesta por inocência em acusação de crime sexual

O quilombola Manoel Pedro Serafim está preso em Xuri 5, no complexo penitenciário localizado em Vila Velha, para onde foi recentemente transferido. Ocupa uma cela com capacidade para quatro pessoas, que hoje tem dez. Sem cama para dormir, foi obrigado a improvisar seu leito no chão. Passa, portanto, o que os presos passam nas masmorras capixabas.  

Sofre, porém, por um crime do qual protesta por inocência: é acusado de crime sexual contra duas menores. Seus protestos de nada valeram. Foi condenado pela Justiça em São Mateus (norte do Estado), a principal cidade do antigo Território do Sapê do Norte, formado ainda por Conceição da Barra. Com mandado de prisão em aberto, foi localizado e preso numa propriedade rural em Aracruz, onde trabalhava na lavoura como agricultor. 

Trabalhava no local e não se apresentava para ser preso pelo simples fato de saber que seus protestos de inocência de nada valeriam, como conta. E que preso, não lhe restaria espaço diferente do que recebe hoje, e com coragem e aparente resignação ocupa, enquanto seus advogados buscam provar sua inocência.

Pelos supostos crimes praticados, Manoel Pedro Serafim responde a dois processos. Um no qual recebeu condenação, da qual recorre no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) e, outro, ainda não julgado, na justiça local em São Mateus. 

O advogado Fábio Pereira Dutra, que atua na área do Direito Criminal e Agrário, defende Manoel Pedro Serafim em um dos processos – o que ainda não foi julgado. Ele afirma que tem uma declaração em vídeo onde a suposta vítima, de viva voz, afirma que Serafim não é culpado do crime. Esta declaração já está nos autos do processo, e o advogado trabalha nas alegações finais para que possa provar a inocência do seu cliente.

Fábio espera que o recurso de sua colega advogada no outro processo seja finalmente julgado pelo TJES para que Manoel Pedro Serafim seja solto, considerando os irreparáveis danos que sofre com a sua prisão. 

O inimigo

O verdadeiro inimigo de Manoel Pedro Serafim e do povo quilombola é a Aracruz Celulose (Fibria). Há quem veja o dedo da empresa na sua prisão. Teria monitorado seus passos e colocado à disposição da polícia para prendê-lo.

A Aracruz Celulose (Fibria) construiu um império na região norte e noroeste capixaba e estende sua destruição com plantios de eucalipto para todo o Estado, até para o Caparaó, na região serrana. Também quer porque quer aumentar a destruição que sua fábrica de celulose causa, com a construção de uma quarta unidade em Aracruz.

Do povo quilombola, dos índios e de pequenos proprietários de terra, a Aracruz Celulose (Fibria) tomou milhares de alqueires de terra, seja à força ou comprando a preços vis após seduzir suas vítimas com promessas de enriquecimento fácil. 

Das vozes que se levantaram denunciando os crimes da Aracruz Celulose (Fibria), a de Manoel Pedro Serafim é das mais fortes e altissonantes. Tanto que após uma das denúncias, sua propriedade foi queimada, num procedimento que tem a marca da arbitrariedade da empresa, aliada dos governos estadual e municipais.

O clamor

A Aracruz Celulose (Fibria) tem todo interesse que Manoel Pedro Serafim cumpra a sentença de 9 anos e seis meses que recebeu. Por que? Simplesmente porque Serafim, como é conhecido na comunidade quilombola, ignora o poderio da empresa, aponta o dedo para as chagas, como são as gigantescas feridas que a Aracruz Celulose (Fibria) produziu sobre o seu povo.

Na sexta, 7 de março de 2014, Seculo Diário publicou reportagem em que um dos principais personagens é Manoel Pedro Serafim. O título é Reféns do eucalipto e começa assim: O veneno lançado pela Aracruz Celulose (Fibria) sobre os eucaliptais está asfixiando as comunidades quilombolas. Manoel Pedro Serafim é um dos sobreviventes que decidiu enfrentar a empresa”.

E segue: Wendson Valentin, 13 anos; Jery Valentin, 18 anos; e Wando Valentim, 13 anos, tiveram o mesmo fim: morreram envenenados. “E minha irmã ficou cega”, conta Manoel Pedro Serafim. O quilombola de 62 anos, após casos recorrentes registrados na região norte do Espírito Santo, área dominada por extensos eucaliptais da Aracruz Celulose (Fibria), resolveu encarar a empresa. 

 

As doenças e mortes são o resultado da elevada quantidade de venenos que a Aracruz utiliza na conservação e replantio da monocultura do eucalipto. “É tanto veneno, que existem casos como de uma moça que atravessou os eucaliptos, vindo da cidade para sua casa, e ficou vários dias tremendo. Ela mora aqui na comunidade Nossa Senhora Aparecida. Se quiser ouvir dela o que estou lhe dizendo, levo você lá”, atestou Serafim.

 

O quilombola Serafim é responsável pela criação da Associação dos Pequenos Agricultores Vizinhos dos Empreendimentos Industriais de Conceição da Barra e São Mateus, municípios situados no norte do Estado.  

Embora dono de 16 alqueires de terra, área relativamente expressiva para os padrões da região, Serafim não conseguiu proteger sua lavoura dos efeitos nocivos do vizinho indesejável. Como grande parte dos demais agricultores, o veneno tornou roça improdutiva.

 

Uma riqueza, porém, Serafim conseguiu preservar: a água. Sua área ainda mantém uma densa cobertura de espécies nativas de Mata Atlântica, uma espécie de oásis em meio ao deserto verde de eucaliptos. O rico bioma protege um córrego que nasce nos seus domínios e deságua no rio Cricaré, em Conceição da Barra. 

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