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‘Reduz as brechas com que o sistema Judiciário e policial mantêm o patriarcado’

Advogada Layla Santos explica avanços na Lei Maria da Penha com nova sanção do presidente Lula 

Divulgação

“Reduz as brechas com que o sistema Judiciário e policial mantêm o patriarcado”. A afirmação é da socióloga e advogada Layla dos Santos, em relação à Lei nº 14250/2023, sancionada nessa quinta-feira (20) pelo presidente Lula (PT), que reforça alguns aspectos fundamentais da Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) que vêm sendo negligenciados pela Justiça e pelas Delegacias de Polícia.

Presidente da Comissão da Mulher na Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracim-Mulher) e pesquisadora do programa de extensão Fordan – Cultura no Enfrentamento às Violências, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Layla afirma que a nova lei tende a facilitar a aplicação da Lei Maria da Penha em sua integralidade, facilitando o acesso das vítimas de violência doméstica à Medida Protetiva de Urgência (MPU) e outros direitos fundamentais para sua segurança e de seus filhos.

A nova lei acrescenta o artigo 40-A à Lei Maria da Penha, determinando que “todas as situações previstas em seu artigo 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida” devem ser respeitadas no atendimento às vítimas de violência doméstica. Com isso, interpretações equivocadas da Lei Maria da Penha tendem a cessar.

“Nem a motivação dos atos de violência, nem a condição do agressor ou da vítima podem ser considerados como critérios para aplicação da Lei Maria da Penha”, ressalta Layla, referindo-se a situações que ela testemunha com frequência no acolhimento das mulheres atendidas pelo programa de extensão universitária, quando, apesar do relato de violência doméstica feito pela vítima, a autoridade policial ou judicial subverte os fatos e atribuem outras motivações para o crime, ou, quando se negam a enquadrar o caso como violência doméstica por não se tratar de companheiros ou ex-companheiros conjugais.

Casos por exemplo, elenca Layla, em que uma mulher LGBTQUIA+ é agredida por familiares homofóbicos, mas que a autoridade policial registra, no Boletim de Ocorrência, tratar-se de conflito familiar e não violência doméstica. Ou quando a Justiça classifica como disputa patrimonial um caso em que o ex-marido agressor se nega a fazer a partilha dos bens com a ex-companheira.

“Muitas vezes presenciamos casos em que a Vara de Violência contra a Mulher nega a Medida Protetiva considerando esses critérios, de motivação e condições do agressor e da vítima, desrespeitando, portanto, o artigo 5º da Lei Maria da Penha. Isso tem provocado uma persistência da violência no poder Judiciário, por meio da revitimização e do retrauma, com prejuízo das vítimas, muitas vezes fatais”.

Em síntese, reafirma, a nova lei vem reforçar que todas as situações já previstas no artigo 5º precisam ser aplicadas. “A Lei Maria da Penha não trata apenas de relação afetiva [marido e mulher, ex-marido e ex-mulher]. Mas como ela não vem sendo aplicada integralmente, houve a necessidade desse reforço. O que é um absurdo, você ter que reforçar uma lei, porque não é cumprida pelas varas e delegacias”, aponta.

Outra alteração da lei sancionada nessa quinta-feira se dá no Artigo 19 da lei original, com o acréscimo de três parágrafos. “Determinando que a MPU tem que ser aplicada em nível de cognição sumaria, ou seja, tem que ser dada de pronto, a partir do relato da vítima na delegacia, sem a necessidade de uma sentença judicial”.

Essa regra, explica Layla, já era válida para localidades onde não há a Vara de Violência Doméstica, mas agora deve ser estendida a todas as localidades. “O delegado ou delegada pode conceder a MPU ‘de ofício’ e passar isso para o juiz ou juíza, que pode manter a MPU ou revogar. Isso é importante, porque há uma demora frequente na decisão do Judiciário. As sentenças, que deveriam sair em 24h ou no máximo 48 horas, muitas vezes levam uma semana, um mês. E enquanto isso, a mulher fica sem a Medida Protetiva”.

E essa avaliação, primeiramente da autoridade policial e posteriormente da autoridade judicial, deve levar em consideração não apenas a segurança física da mulher, como, via de regra, ocorre hoje. “É também a integridade emocional, sexual, patrimonial e psicológica da mulher e de seus dependentes”.

No Espírito Santo, a nova lei federal tende a salvar a vida de milhares de mulheres, especialmente negras e pobres. Estudo do Fordan identificou que o Estado é um dos três onde houve maior percentual de negativas de Medidas Protetivas de Urgência e, simultaneamente, onde o feminicídio aumentou, quando comparados os números oficiais de 2021 e 2020. Sendo que, do total de assassinatos, 85% foram de mulheres pretas e de periferia.

Visando atacar esse problema, o programa de extensão desenvolve um aplicativo para facilitar o registro de Boletim de Ocorrência por mulheres negras e pobres no Estado. O projeto tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e vai criar um banco de dados que mostre as especificidades desse grupo social e apontem os caminhos para a criação de políticas públicas que preencham as lacunas que hoje permitem que o Estado e o Judiciário negligenciem a ameaça cotidiana à vida dessas mulheres.

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