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Servidor do TJES exerce ilegalmente cargo de superintendente jurídico do Banestes

A nomeação de Tiago Cunha Ferreira, que se tornou servidor licenciado do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), onde exercia a função de analista judiciário da 2ª Vara Criminal da Serra, como superintendente jurídico do Banestes, foi alvo de críticas do mercado jurídico capixaba em julho de 2017, data da transferência. Na época, a cessão havia sido questionada não só pelo destino (cargo político) como também pela situação do quadro da justiça estadual, que se encontra defasado.

Passados pouco mais de oito meses, o assunto voltou a levantar questionamentos. Desta vez, sobre a legalidade da nomeação de Tiago Cunha Ferreira, que é genro do atual presidente do TJES, Sérgio Luiz Teixeira Gama. De acordo com o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Lei Federal n.º 8.906/94 -, ele não atende às exigências do cargo por não ter registro na Ordem. Além disso, segundo a mesma legislação, está impedido por ser ocupante “de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário” (artigo 28, inciso IV).  O parágrafo 1º, do mesmo artigo, ainda diz: “a incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente”.

Ainda segundo a Lei n.º 8.906/94, “são privativas do advogado as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas (art. 1º, inciso II)”. Isso tanto no setor público, privado quando no assistencial. O Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que regulamenta a Lei n.º 8.906/94, em seu artigo 7º, é ainda mais claro: “a função de diretoria e gerência jurídicas em qualquer empresa pública, privada ou paraestatal, inclusive em instituições financeiras, é privativa de advogado, não podendo ser exercida por quem não se encontre inscrito regularmente na OAB”. A situação já teria sido denunciada à OAB-ES, como exercício ilegal da profissão.

Conforme a legislação, a transferência de Tiago Ferreira do TJES para o Banestes pode até estar amparada nos termos de cessão entre servidores de órgãos estaduais, mas sua nomeação no cargo de superintendente jurídico é questionável por não atender às exigências do Estatuto da Advocacia.
Cadastro nacional

A informação de que o atual superintendente jurídico do Banestes não possui registro na Ordem dos Advogados do Brasil foi averiguada por Século Diário, após denúncia que chegou ao jornal por fonte ligada ao judiciário capixaba. Foi checada em seguida junto a OAB-ES por telefone e, também, ao Cadastro Nacional dos Advogados (CNA), mantido pelo Conselho Federal da OAB, e que pode ser acessado pelo link http://cna.oab.org.br/. As duas pesquisas, segundo informações dos dois órgãos, indicaram que Tiago Cunha Ferreira não possui registro em nenhuma seccional da OAB no País.

Mais pesquisas indicaram ainda que Tiago Cunha Ferreira ficou reprovado no exame da OAB-ES em 2004 e teria recorrido da decisão na Justiça. Um pedido de liminar, no entanto, foi indeferido. O processo, por sua vez, foi arquivado pelo juiz federal Ronald Kruger Rodor, da 3ª Vara Cível Federal Vitória, em 14 de novembro de 2006. Tiago Cunha Ferreira teria recorrido para anular a 2ª etapa do exame, dessa forma, invalidando seis pontos, obtendo o suficiente para ser aprovado.

Segundo juristas, formado em Direito, Tiago Cunha Ferreira poderia ter obtido o registro na Ordem antes de se tornar servidor do TJES e estaria apto para atuar como advogado em caso de afastamento do Tribunal. Como servidor do Judiciário, no entanto, está impedido pelo Capítulo VII da Lei Federal n.º 8.906/94, que estabelece “incompatibilidades e impedimentos para o exercício da função de advogado”.

Nesse capítulo, o Estatuto da Advocacia e da OAB proíbe que algumas categorias de servidores sejam advogados, como militares na ativa e membros de órgãos do poder Judiciário. Isso com o intuito de evitar conflitos e favorecimentos. No caso de um PM, por exemplo, como tornar compatível se a função do policial é prender e, muitas vezes, a do advogado é a contrária: soltar? Do mesmo jeito, um servidor do Poder Judiciário poderia usar de sua influência para direcionar julgamentos de processos para o qual estivesse advogando. Novo conflito.

O presidente da OAB-ES, Homero Mafra, indagado inicialmente sobre o caso, afirmou que a Ordem irá investigar a situação. Como estava em viagem, Mafra, no entanto, afirmou que precisaria de um tempo para “averiguar e examinar o caso com calma”. O jornal voltou a procurar Mafra por mais dois dias seguintes, mas o presidente da OAB-ES disse que ainda não tinha tido tempo de se inteirar sobre a situação. Século Diário também procurou o Conselho Federal da OAB, em Brasília, e também não obteve qualquer resposta sobre o caso. Procurou ainda o Sindicato dos Advogados do Espírito Santo, que também não se manifestou oficialmente.

Já o advogado do Sindicato dos Bancários, André Moreira, confirmou o impedimento da nomeação de Tiago Cunha Ferreira. “Simplificando o que determina o Estatuto da Advocacia, o advogado só pode estar subordinado a um outro advogado. O cargo de superintendente é um cargo de direção. Além disso, ele está totalmente impedido por ter cargo no Judiciário. Se a OAB ainda não se manifestou, é porque tem medo de se indispor com o Tribunal de Justiça”.
Cessão

O ato que cedeu Tiago Cunha Ferreira do TJES para o Banestes foi assinado pelo então presidente em exercício, Fábio Clem de Oliveira, em 28 de junho de 2017. A cessão é válida entre o período de 26 de junho de 2017 até 31 de dezembro de 2019 (ato 234/2017). Já a nomeação no Banestes teve aval de Michel Sarkis, que assumiu a presidência do banco estadual em janeiro de 2017. Em consulta ao protocolo do TJES, é possível verificar que Sarkis requisitou o servidor por meio de ofício do dia 19 de junho de 2017.

Em julho de 2017, o atual presidente do TJES e também sogro de Tiago, Sérgio Luiz Teixeira Gama, já era cotado como o próximo presidente do Tribunal, assumindo o cargo, de fato, em dezembro do mesmo ano.

Tiago continua fazendo parte da folha de pagamento do Tribunal. Segundo portal da Transparência do TJES, ele recebeu no último pagamento (referente a fevereiro) R$ 9,8 mil brutos e R$ R$ 7,6 mil líquidos. Não foi possível, no entanto, verificar se ele tem acumulado vencimentos do Tribunal com o Banestes, uma vez que o banco não disponibiliza, em seu portal de transparência, a remuneração discriminada pelos nomes dos servidores.

Foi possível identificar, no entanto, que a função de superintendente jurídico recebe uma gratificação de R$ 5,4 mil. Depois de aprovado no concurso público de 2004, Tiago foi nomeado no dia 26 de janeiro de 2006 no Tribunal (analista judiciário – direito).

Chamou atenção também dos bastidores jurídicos, no início deste mês (2 de abril), quando o TJES tornou público, por meio do Diário Oficial da Justiça, o ato nº 200/18 (assinado pelo presidente Sérgio Luiz Teixeira Gama), nomeando Sergio Figueira Sarkis Filho para exercer em comissão o cargo de assessor de nível superior do Tribunal. Sérgio é irmão do presidente do Banestes, Michel Sarkis, que assumiu a presidência da instituição financeira em 31 de janeiro de 2017.

Legalidade X MoralidadeO Espírito Santo já enfrentou denúncias de fraudes em concursos públicos e também nomeações de moralidade duvidosas em cargos públicos. Nos anos 2000, por exemplo, foi denunciado um esquema de nepotismo cruzado entre servidores do TJES e da Assembleia Legislativa. 

Concursos realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado também ficaram sob suspeição por indícios de fraude. A seleção de 2004, por exemplo, foi alvo de denúncia e investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) em operação deflagrada no final de 2008, conhecida como Naufrágio. Gravações teriam confirmado a ocorrência de preterição de candidatos em favor de parentes de magistrados. Os suspeitos, no entanto, acabaram sendo absolvidos da prática de atos de improbidade.
Sem respostasDiante da denúncia recebida, Século Diário procurou todos os órgãos e pessoal envolvidas nos fatos, sendo eles: o presidente do Tribunal de Justiça, Sérgio Gama, além do presidente do Banestes, Michel Sarkis, e do próprio superintendente jurídico, Tiago Cunha Ferreira, por meio de suas respectivas assessorias de imprensa. A resposta obtida foi de que nenhum deles se pronunciaria sobre o assunto.

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