O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica nessa terça-feira (21), ao decidir que presas provisórias (gestantes, lactantes e com filhos deficientes ou com até 12 anos) possam cumprir suas penas em prisão domiciliar até decisão final do processo. Em seu voto, o ministro relator ministro Ricardo Lewandowski ressaltou como argumento as péssimas condições do sistema prisional brasileiro, que não garante tratamento humanitário para mulheres e seus filhos.
Além disso, Lewandowski citou julgamento de outro tribunal – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – como exemplo a ser seguido. Em 23 de março de 2010, o STJ beneficiou, com prisão domiciliar, 430 presos que estavam em 14 contêineres mantidos em centros de detenção de Cariacica. O episódio, ocorrido no segundo mandato do governador Paulo Hartung, tornou-se escândalo de repercussão internacional de atentado aos direitos humanos.
Quadro da Defensoria Pública do Espírito Santo destacado em Brasília, o defensor Thiago Piloni acompanhou o julgamento que, segundo ele, renovou as esperanças na justiça brasileira. “Foi sem precedentes por tratar de forma coletiva um problema coletivo. Uma vitória expressiva para os casos que sabemos existir, como presas sem pré-natal adequado, dando a luz até em solitárias. Antes o verbo ‘poderá’, previsto em lei mas quase não cumprido, tornou-se ‘deverão’”, disse Thiago Piloni.
O defensor foi testemunha da fala do ministro Lewandowski, que citou que o STF deveria ousar como o STJ, que determinou o fim das celas metálicas capixabas em 2010.
Beneficiadas
No Estado, a decisão do STF deve beneficiar cerca de 260 mulheres. De acordo com a coordenadora criminal da Defensoria Pública do Estado, Roberta Ferraz, em levantamento realizado pelo projeto “Prisão Sem Perder o Cordão” em maio de 2017, foi constatado que havia, entre as presas provisórias do sistema penitenciário capixaba, oito gestantes, oito lactantes e 246 com filhos menores de 12 anos.
Diante desse estudo, tem-se mais ou menos a quantidade de mulheres que deve ser beneficiada com a medida.
Segundo Roberta Ferraz, após o levantamento em 2017, a Defensoria Pública entrou com pedidos individuais de prisão domiciliar e liberdade provisória, mas a maioria dos casos foi indeferida pela Justiça capixaba. “Entramos para todas as oito gestantes e oito lactantes, mas todos foram indeferidos”, lamentou.
Como o STF determinou o prazo de 60 dias para que a decisão seja cumprida, segundo a defensora Roberta Ferraz, a Defensoria vai atualizar os dados e está estudando como fiscalizar o cumprimento da decisão, adotando uma medida administrativa, judicial individual ou coletiva. Informações mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) colocam o Espírito Santo como o 6º estado brasileiro com mais grávidas ou lactantes em presídios. Os dados, apurados em dezembro último, apontaram 19 mulheres grávidas e 10 amamentando.
Coletivo
O habeas corpus, que deu origem à decisão do Supremo, foi ajuizado pela Defensoria Pública da União e pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu). Ele se estende a todas as unidades federativas do país. Segundo as duas entidades, a maioria das prisões do país não tem condições de abrigar detentas gestantes e mães de filhos pequenos.
Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) apontam que, até junho de 2014, apenas 34% das unidades de internação femininas tinham celas ou dormitórios adequados para gestantes. Nos estabelecimentos mistos, somente 6% apresentavam condições para a custódia de mulheres grávidas. À época, só 34% das unidades femininas e 3% das mistas contavam com berçários ou centros de referência materno-infantis.
Falta fiscalização
O Relatório de Gestão do Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura do Estado do Espírito Santo (Cepet/ES), apresentado para a Secretaria de Direitos Humanos e para a Sociedade em dezembro de 2017, “raio-x” dos trabalhos desempenhados pelo órgão estadual especializado em evitar e combater a tortura e maus tratos, aponta várias limitações na fiscalização dos presídios.
Segundo o defensor público Pedro Temer, para que o órgão consiga atingir sua finalidade com a eficiência necessária, seria imprescindível implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação à Tortura do Espírito Santo (MepetT/ES).
“O mecanismo deveria ser composto por peritos que iriam até os locais onde é praticada a tortura e fariam os laudos e relatórios que, posteriormente, seriam usados pelo próprio Cepet/ES para fazer seus encaminhamentos”, explica o defensor público.