O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir sobre a possibilidade ou não do início das penas de prisão antes do trânsito em julgado das condenações. O tema é alvo de duas ações declaratórias de constitucionalidade movidas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em ambos os processos, os autores defendem a legitimidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que trata da presunção de inocência. As ações vão tramitar em conjunto e têm relatoria do ministro Marco Aurélio.
Na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 43, o PEN sustenta que o dispositivo é uma interpretação possível e razoável do princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal. Já a OAB, na ADC 44, argumenta que a nova redação do dispositivo do CPP – modificada em 2011 – buscou harmonizar o direito processual penal ao ordenamento constitucional, espelhando e reforçando o princípio constitucional. Nas duas ações, os autores questionam a decisão do STF em que os ministros, por maioria de votos, consideraram válido o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da condenação, retomando o entendimento que prevalecia até 2009.
Pela redação do artigo 283 do CPP, “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Entretanto, o julgamento do STF abriu precedente para que os tribunais estaduais e federais decidissem pelo início da pena de prisão com a simples confirmação das sentenças condenatórias de 1º grau por órgão colegiado – no caso, as câmaras criminais e turmas dos tribunais.
No entendimento da OAB, a decisão tem gerado um “caloroso debate doutrinário” e uma grande controvérsia jurisprudencial quanto à relativização do princípio constitucional da presunção de inocência, o que, conforme a entidade, pode ameaçar a segurança jurídica além de restringir a liberdade do direito de ir e vir. A entidade destaca ainda que, apesar da decisão do Plenário não ter efeito vinculante, os tribunais de todo o País passaram a adotar posicionamento idêntico, “produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”, o que viola a cláusula de reserva de plenário.
No Espírito Santo, há um caso emblemático. A advogada Karla Cecília Luciano Pinto foi condenada por denunciação caluniosa após representar contra juízes estaduais no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela foi sentenciada a cinco anos e dois meses de prisão, em regime semiaberto, mas a pena foi reduzida para três anos de reclusão, em julgamento no início de maio pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi determinado ainda que a Justiça estadual decida sobre a eventual substituição da pena por medidas alternativas, porém, nada aconteceu até o momento e ela segue “presa” em casa, por falta de Sala de Estado Maior no Espírito Santo.
Neste processo, Karla Cecília está sendo assistida no julgamento pelo Conselho Federal da OAB, que aprovou a concessão do desagravo à advogada, cujas prerrogativas profissionais foram violadas pelos juízes Carlos Magno Moulin Lima e Flávio Jabour Moulin – justamente aqueles magistrados denunciados por ela. Esse caso foi alvo de reportagens na mídia local e em grandes portais jurídicos do País, que destacaram que o pedido de prisão partiu da Associação de Magistrados do Espírito Santo (Amages).
Fim das prisões antecipadas
Nas ADCs em trâmite no Supremo, os autores pedem que não sejam deflagradas novas execuções provisórias de penas de prisão e que sejam suspensas as que já estiverem em curso. No primeiro processo, o PEN pede subsidiariamente, caso o pleito liminar seja indeferido, a decisão pela aplicação das medidas alternativas à prisão em substituição ao encarceramento provisório decorrente da condenação em segunda instância.
Ainda subsidiariamente, o partido pede que, se os pedidos cautelares anteriores não forem acolhidos, seja realizada interpretação conforme a Constituição do artigo 637 do CPP, restringindo, enquanto não for julgado o mérito desta ação, a não produção do efeito suspensivo aos recursos extraordinários, e condicionando a aplicação da pena à análise da causa criminal pelo STJ quando houver a interposição do recurso especial.
Já a OAB defende no mérito que a ação seja julgada procedente para declarar a constitucionalidade do dispositivo em questão, com eficácia erga omnes [para todos] e efeito vinculante.