O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), por meio da 4ª Câmara Cível, declarou procedente, nesta terça-feira (5), o pedido de aluguel social para os moradores que tiveram que deixar suas casas no Morro da Piedade em 2018, expulsos pelo tráfico ou com medo da violência. A votação dos desembargadores foi unânime em favor da comunidade em processo movido pela ONG Instituto Raízes junto a lideranças locais, defendidos pela Defensoria Pública contra a Prefeitura de Vitória e Governo do Estado, que recorriam da decisão de primeira instância.
De acordo com um dos diretores do Instituto Raízes, Jocelino da Conceição Júnior, a decisão do TJES reafirma o que os moradores das comunidades denunciam desde os ataques violentos ocorridos sobretudo a partir de março de 2018, quando os jovens Ruan e Damião Reis foram barbaramente executados. Das 42 famílias que deixaram a comunidade, somente oito retornaram ao morro. “As que não voltaram nos procuram o tempo inteiro em busca de informações sobre o processo por não terem condições de pagar aluguel. Elas não colocam a volta para o morro como alternativa, infelizmente”, explicou Jocelino.
Segundo ele, a base da Polícia Militar foi instalada, mas predomina a sensação de medo, e a vontade de viver no Morro da Piedade é mínima. “Diversos atores sociais, instituições coletivas e até mesmo alguns órgãos da Prefeitura têm buscado criar intervenções sociais, culturais e artísticas para superar o trauma vivido por essas pessoas. Mas há pontos no morro em que a cena é de filme de terror. Parece que um tsunami que passou por ali, casas destruídas, ruínas, restos de obras, becos vazios. Nem animais que viviam circulando existem mais. Seus donos não estão no bairro”, completou Jocelino.
Contudo, para 2020, o Instituto Raízes tem como objetivo continuar suas ações de controle social, de empoderamento social da comunidade e de seus sujeitos. A proposta é a de abrir a casa de memória para visitação e realizar oficinas temáticas com as crianças que ainda moram no Morro da Piedade.
Processo
Em março deste ano, a Justiça capixaba, em primeira instância, havia determinado que o Governo do Estado e a Prefeitura de Vitória realizassem o pagamento do aluguel social às famílias que tiveram que deixar suas casas no bairro Piedade, Centro de Vitória, em função da violência imposta pelo tráfico de drogas. Passados oito meses, porém, ninguém ainda recebeu o benefício, pois os poderes públicos recorriam da decisão judicial.
Para que as famílias recebessem o aluguel social, a Defensoria Pública ingressou com um agravo de instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal, para que o benefício fosse pago em caráter de urgência. O pedido foi apreciado e deferido pelo desembargador Jorge do Nascimento Viana no mesmo mês, e o pagamento deveria ter sido feito pelo Governo e pelo Município de Vitória, sendo que a Capital tinha o prazo de 20 dias após a intimação para cadastrar os moradores e iniciar os pagamentos.
Outros crimes
No dia 20 de junho deste ano, grupos criminosos invadiram a comunidade, por volta das 21 horas, disparando tiros de fuzis, ameaçando moradores, incluindo crianças que tiveram armas apontadas contra suas cabeças, e ateando fogo em residências. Vídeos gravados por moradores revelaram cenas de destruição após o incêndio com móveis e eletrodomésticos queimados e espalhados pelo chão.
Segundo investigações em curso, as disputas vêm se intensificando desde o ano passado, quando traficantes do Complexo da Penha e do Morro São Benedito resolveram expandir seus domínios para regiões do Centro, incluindo a Piedade e o Morro do Moscoso, que fazem divisa. Em janeiro deste ano, três jovens foram assassinados em plena praça pública no Moscoso.