Valmir Santiago ficou 88 dias na cadeia por decisão de Bruno Fritoli, ex-juiz preso
O presidente da Câmara de Guaçuí, município do Caparaó capixaba, Valmir Santiago (PP), protocolou na Justiça, nesse domingo (8), uma ação de reparação por danos morais contra o Estado do Espírito Santo. Santiago pede indenização de R$ 500 mil por ter ficado 88 dias preso em 2019, no âmbito da “Operação Carro de Boi”, do Ministério Público do Estado (MPES) – o processo foi arquivado por falta de provas.
O vereador também ingressou com outra ação em 2023, na qual citava a atuação do promotor de Justiça Gino Martins Borges Bastos, pedindo indenização de R$ 85 mil. O processo iniciado nesse domingo menciona o então juiz que decretou a prisão preventiva, Bruno Fritoli Almeida, que ficou preso por três meses neste ano devido ao suposto envolvimento em um esquema de sentenças judiciais para saques de heranças.
Deflagrada em maio de 2019, a Operação Carro de Boi visava desarticular e colher provas relativas a um suposto esquema irregular em contratos de prestação de serviços envolvendo a Santa Casa de Misericórdia de Guaçuí (SCMG), destinados ao funcionamento da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e ao setor de hemodiálise, onde foi registrado elevado número de mortes. Ao todo, 15 pessoas foram investigadas pelo esquema, entre elas médicos, empresários e o provedor do hospital.
Valmir Santiago atuou interinamente como provedor da Santa Casa de Guaçuí entre abril de 2014 e março de 2015, e estava em seu primeiro mandato de vereador em 2019. A denúncia do MPES imputava ao vereador participação em desvios de verbas públicas destinadas ao hospital, por suposta ausência de prestação de contas – a existência da prestação de contas foi comprovada logo após a prisão.
No pedido de prisão preventiva, o MPES argumentou que havia o risco de Valmir ameaçar testemunhas e tentar destruir provas. Bruno Fritoli acatou a solicitação, dizendo que Santiago era vereador e, portanto, “pessoa altamente bem relacionada, tendente a obtenção de informações privilegiadas”, o que a defesa do parlamentar classifica como “alegações genéricas e inidôneas” na ação de reparação.
“A decisão ignorou que além de se tratar de suposto desvio de verba pública federal (pelo o que o juiz estadual era manifestamente incompetente), o autor não ocupava mais o cargo de provedor da Santa Casa desde 16 de março de 2015 (e, como dito, sequer fazia parte da diretoria), razão pela qual não possuía meios de interferir nos fatos imputados a ele”, diz a ação.
As oito pessoas presas na operação foram libertadas sob fiança em agosto de 2019. Na ocasião, o próprio Grupo de Atuação Especial ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal (MPF) reconheceu a incompetência de Bruno Fritoli para julgar o caso, e o MPF considerou a prisão desnecessária.
Posteriormente, o MPF requisitou instauração de novo inquérito policial pela Polícia Federal (PF), que foi arquivado em definitivo em março de 2023. O juiz federal Americo Bede Freire Junior afirmou na decisão que a própria PF apontou “carência de substratos mínimos exigidos para o prosseguimento da persecução penal”.
“Fato é que a Polícia Federal nada encontrou para sustentar a ilação, nem mesmo devassando a vida particular do requerente e de sua família, inspecionando todo o conteúdo dos equipamentos apreendidos, como seu notebook, seu telefone celular, o da sua esposa e o de sua filha”, sustentou a defesa de Valmir na ação de 2023.
Mesmo com o arquivamento, o vereador afirma que o fato já havia gerado grande repercussão na imprensa local, prejudicando sua reputação. “O juiz fez um estardalhaço, mandou prender por prender, sem ouvir ninguém. Eu acho que a gente tem que buscar esses reparos, porque a Justiça não socorre quem dorme. Chegou a minha hora de buscar o reparo de um ato ocorrido covardemente”, destaca Valmir Santiago.
Juiz e promotor suspeitos
Na ação de reparação, a defesa de Valmir Santiago destaca também a “trajetória controversa” do juiz que determinou a sua prisão. Bruno Fritoli ingressou na magistratura por meio de uma decisão liminar, em 2015, com base em anulação de questões da prova da qual participou. Após sucessivos recursos, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a sua nomeação em definitivo, em 2024.
Fritoli foi um dos 19 alvos da “Operação Follow The Money”, deflagrada pelo MPES em 1º agosto deste ano. Ele foi denunciado por corrupção passiva, uso de documento falso, organização criminosa e lavagem de dinheiro, em um suposto esquema para obter heranças de pessoas mortas que não deixaram herdeiros. O ministro Reinaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a soltura do ex-magistrado em novembro, mas com obrigação de uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento noturno.
“Esses delitos sugerem um comportamento incompatível com a ética judicial e indicam que o magistrado atuou com desvio de finalidade ao decretar a prisão do autor [Valmir Santiago], prejudicando-o injustamente”, diz a ação.
Na ação do ano passado, a defesa de Valmir Santiago afirmou que a “Operação Carro de Boi”, realizada a partir da denúncia do promotor de Justiça Gino Martins Borges Bastos, “contou com aparato escandaloso e abusivo de direito no sentido que o réu, midiaticamente, agiu ofendendo direitos da personalidade do requerente. Deu publicidade indevida, ofendendo a imagem do requerente, eis que o processo tramitou em segredo de justiça”.
Gino Martins estava incluído como réu na ação, mas foi retirado a pedido da própria defesa de Valmir. As juízas Valquíria Tavres Matos, de Guaçuí, e Rosalva Nogueira Santos Silva, de Dores do Rio Preto, declararam-se impedidas de julgar o caso por motivo de “foro íntimo”. A magistrada Graciene Pereira Pinto foi designada para o caso no início deste ano, mas ainda não emitiu sentença.
Do valor de R$ 85 mil pedido na ação, R$ 25 mil se referem aos gastos de Valmir Santiago com advogados, e R$ 60 mil referentes a danos morais. “Não é só pela questão financeira, é pela questão moral”, completa o vereador.
Presidente da Câmara Municipal desde 2023, Valmir Santiago foi eleito este ano para o terceiro mandato consecutivo como vereador de Guaçuí, com 599 votos. Ele é do mesmo partido do prefeito eleito do município, Vagner Rodrigues (PP).