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Comunidade contesta extinção de ação que condenou imobiliária por ocupação ilícita

Sócio da imobiliária, vice-prefeito de Fundão, José Murilo Coutinho, já foi investigado pela CPI da Grilagem 

Tati Beling/Ales

Aguarda análise, pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), o recurso (embargo de declaração) impetrado por populares contra o acórdão emitido em maio passado, em que os desembargadores decidiram extinguir a Ação Popular – processo nº 0000 469 36 2001 808 0059 – que condenou em 2018, em primeira instância, a Imobiliária Praia das Flexeiras, bem como outros réus, por ocupação ilícita na Praia Grande, em Fundão, região norte da Grande Vitória.

Relatado pelo desembargador Annibal de Rezende Lima, o acórdão determina a extinção “sem a resolução do mérito”, alegando, entre outros pontos, que a Ação Popular não é a via correta para as reivindicações feitas pelos autores e que a intimação de parte dos réus não poderia ter sido feita por edital.

No Embargo de Declaração impetrado no TJES, os autores da ação pedem que seja considerado o pedido, já feito em momentos pretéritos do processo, de “destituição da personalidade jurídica” da Imobiliária Praia das Flexeiras, para que o novo responsável jurídico por ela, José Murilo Coutinho, seja citado nos autos.

Coutinho é o atual vice-prefeito de Fundão, eleito em 2020 pelo Cidadania na chapa do prefeito Gilmar de Souza Borges (PSD), que era prefeito de Fundão quando a ocupação irregular foi concretizada sob omissão do município, como apontam os autores, já que o ente público não se pronunciou no sentido de evitá-la. Eles afirmam que o atual vice-prefeito é quem passou a responder pela Imobiliária desde a morte de seu pai e sócio na empresa, Horaldo Fundão Coutinho.

Os embargos também pedem que o TJES não se omita de analisar o mérito da ação, que resultou numa sentença publicada em abril de 2018 em que o juiz Leonardo Mannarino Teixeira Lopes, após estudo de todos os documentos apresentados, reconhece que a área é de fato pública, e não particular, corroborando a denúncia feita na Ação Popular, de ocupação ilícita por parte da Imobiliária e seus sócios-proprietários.

“Foram responsáveis pela prática do ato [de ilícita ocupação] as pessoas de Horaldo Fundão Coutinho, Imobiliária Praia das Flexeiras Ltda. e Dorvalino Batista Ferreira, posto que deram causa à geração da matrícula eivada de nulidade”, expõe o magistrado em um trecho da sentença.

Sobre Dorvalino, o juiz afirma: “Tendo em vista que, aparentemente, houve a prática de ato ilícito por parte do delegatário do Cartório de Registro de Imóveis de Ibiraçu, o Sr. Dorvalino Batista Ferreira, extraiam-se cópias integrais dos autos, remetendo-os à Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo, para adoção das providências que entender cabíveis”.

A sentença, em caráter liminar, também manteve “a proibição de novas construções no local, sob pena de aplicação da multa já fixada”, mas suspendeu “a desocupação da área e demolição das construções existentes até o trânsito em julgado”.

Ocorre que nem Dorvalino, nem os herdeiros de Horaldo, nem os demais responsáveis pela Imobiliária recorreram dessa sentença. Apenas a Defensoria Pública recorreu, em nome das pessoas que compraram lotes no local denunciado e lá construíram suas casas. E ao julgar o recurso, como apontam os autores, os desembargadores desprezaram toda a análise de mérito feita pelo magistrado em 2018, “que resultou na identificação do ilícito iniciado pela Flexeiras, seu falecido proprietário e o delegatário do cartório de Ibiraçu”.

Invasões
A Ação Popular foca numa área localizada dentro do Loteamento Enseada das Garças, na Praia Grande, que “há mais de vinte anos (…) está legalmente registrado, ocupando toda a área que segue paralela à Rodovia do Sol (Nova Almeida a Santa Cruz)”.
A Ação relata que “até poucos meses atrás, não existia loteamento algum do lado direito da rodovia Nova Almeida a Santa Cruz”, mas que “por volta de 1998 a 1999, essa área vem sendo invadida sem nenhum critério, já foram feitas várias denúncias no DER [Departamento de Estrada de Rodagem] e PMF [Prefeitura Municipal de Fundão] e o poder público nada faz, inclusive pessoas com funções públicas delegadas estão ganhando e vendendo lotes nesta área”.

A área invadida passou então a ser alvo de tentativa de legalização junto à Prefeitura de Fundão, “inclusive o próprio prefeito já está adquirindo vários lotes segundo moradores em ofensa ao bem comum (…) ferindo ainda a lei de crimes ambientais”.

No pedido da Inicial, os autores da ação “requerem a citação de pessoas jurídicas públicas e privadas, autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, projetos de loteamento e construção de obras na faixa de terra entre a Rodovia do Sol (Nova Almeida a Santa Cruz) e Rua das Perdizes, pertencente ao loteamento Enseada das Garças há mais de vinte anos como logradouro público, ou que por omissão tiverem dado oportunidade à lesão, como também os beneficiários diretos do mesmo ato”.

Democratização jurídica ferida
No recurso impetrado no TJES, os autores argumentam ser necessário rever a decisão dos desembargadores, no acórdão, de declarar a Ação Popular uma via indevida para as reivindicações feitas na inicial. Entendem ter havido “ofensa à lei da Ação Popular”, pois, ao ser instituída no Direito brasileiro pela Lei federal nº 4.717/1965, a Ação Popular objetiva ser um instrumento para que qualquer cidadão, munido de título de eleitor, possa reivindicar a defesa de interesses coletivos.

E enfatizam que, diferentemente da proposta de democratização jurídica da Ação Popular, a Ação Civil Pública, sugerida pelos desembargadores como a via adequada para o pleito, somente pode ser impetrada pelo Ministério Público ou por um conjunto específico de pessoas jurídicas, como associações e fundações.

Grilagem
Os autores também reiteram o pedido de destituição da personalidade jurídica da Imobiliária Flexeiras, “feito no início do processo, em 5 de fevereiro de 2002 [poucos meses depois de impetrada a inicial da Ação Popular, em agosto de 2001]”, quando Horaldo e seu filho José Murilo eram sócios. 
Em abril de 2017, José Murilo Coutinho depôs na CPI da Grilagem da Assembleia Legislativa, como proprietário da empresa J.M. Empreendimentos, para responder a uma “queixa-crime feita por Ludovico Pimentel Serra”. Segundo publicado pelo portal da Ales na ocasião, na queixa, Ludovido Serra “reivindica a posse da propriedade de dois milhões e 200 mil metros quadrados, em Nova Almeida, incorporada pela J. M. Empreendimentos Imobiliários”.

Aos deputados da CPI, Serra alegou “explorar a área há muitos anos”. Já Coutinho, “responsável pela incorporação, afirmou aos deputados que a propriedade é de Helio Perim”, que “a área seria unida ao loteamento de 180 mil metros quadrados que está sendo efetivado pela mesma empresa que incorporou” e que “a documentação, que foi encaminhada ao colegiado, está totalmente legal”.

Omissão, contradição e erro de fato
Em síntese, o pedido feito no recurso ao TJES é no sentido de “suprir as omissões verificadas (…), tratando de grave omissão, contradição e erro de fato, obscuridade de estrema relevância”.

Entre os vários pontos levantados estão, além da destituição de pessoa jurídica da Imobiliária, a atenção sobre a omissão da Prefeitura em impedir as invasões da área, fato exposto desde a inicial da ação, com a apresentação de recibos de venda de terrenos pelo ‘funcionário público Carlos Mercier, fiscal da prefeitura, que apesar de citado no processo sempre esteve à revelia”. Chamado na inicial de Carlinhos, o funcionário “estava vendendo lote na área em litígio (…) conforme se verifica recibo de compra e venda (…)”.

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