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Justiça condena União, MG e Funai por Reformatório Krenak da ditadura militar

Entre as condenações, pedido de desculpas pelos atos contra indígenas, incluindo Tupinkins e Guaranis do Espírito Santo

Pesa, na memória de indígenas de diversas etnias do País, a memória dos tempos sofridos no Reformatório Krenak, instalado em 1969 pela ditadura militar, no município mineiro de Resplendor, limítrofe com Baixo Guandu, no noroeste do Espírito Santo, na região do médio Rio Doce. Entre as vítimas, Tupinkins e Guaranis que, hoje vivendo nas aldeias de Aracruz, no norte do Estado, se somam a descendentes de botocudos e centenas de outras pessoas, muitas delas já falecidas, que podem ao menos receber a notícia de alguma justiça sendo feita, mesmo que tardia.

Nessa segunda-feira (13), a juíza da 14ª Vara Federal de Minas Gerais, Anna Cristina Rocha Gonçalves, emitiu sentença em que acolhe parcialmente o pedido do Ministério Público Federal (MPF) – ação civil pública cível nº 0064483 -95.2015.4.01.3800 – condenando a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Estado de Minas Gerais por “violações aos direitos humanos e crimes cometidos contra os Krenak, respaldados em políticas públicas e instituições estatais criadas especificamente para essa finalidade, durante o período da ditadura militar no Brasil”.

As violações ocorreram dentro do Reformatório Agrícola Indígena Krenak e também pela criação e atuação da Guarda Rural Indígena (Grin), ambos no ano de 1969, sucedidos pelo confinamento dos índios, em 1972, na Fazenda Guarani, em Carmésia/MG.

Botocudos fotografados no Rio Pancas em 1909. Dizimados, seus descendentes, Krenaks, hoje vivem na Terra Indígena Krenak, em Resplendor/MG. Foto: Walter Garbe

Os três entres foram condenados a “solidariamente, realizarem, no prazo de seis meses, após consulta prévia às lideranças indígenas Krenak, cerimônia pública, com a presença de representantes das entidades rés, em nível federal e estadual, na qual serão reconhecidas as graves violações de direitos dos povos indígenas, seguida de pedido público de desculpas ao Povo Krenak, com ampla divulgação junto aos meios de comunicação e canais oficiais das entidades rés”.

À Funai, coube a condenação de concluir a Identificação de Delimitação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões – processo administrativo n° 08620-008622/2012-32 – no prazo de seis meses. O local é considerado sagrado pelo povo Krenak, contendo inscrições pré-históricas em suas paredes de pedra. Declarado parque estadual em 1998, é desde então reivindicado por integrar a Terra Indígena Krenak, também criada em Resplendor. A delimitação territorial dos Sete Salões deve ser seguida de “ações de reparação ambiental das terras degradadas pertencentes aos Krenak, sem prejuízo da participação em medidas reparatórias que constem do acordo da União com as empresas Vale e Samarco e que tenham atingido os limites do território indígena”.

A sentença ainda determina que a Funai e o Estado de Minas implementem o “Programa de Educação Escolar Indígena (…), medida mais efetiva do que a simples tradução de documentos oficiais para a língua Krenak”. E que a União reúna e sistematize “toda a documentação relativa às graves violações dos direitos humanos dos povos indígenas e que digam respeito à instalação do Reformatório Krenak, à transferência forçada para a fazenda Guarani e ao funcionamento da Guarda Rural Indígena, disponibilizando-os na internet, no prazo de 6 meses, em endereço eletrônico específico, para livre acesso do público”.

Finalmente, a magistrada estabelece a obrigatoriedade do “reconhecimento de existência de relação jurídica entre o réu Manoel dos Santos Pinheiro e a União, a Funai e o Estado de Minas Gerais”. O homem, explica a sentença, foi o “agente público responsável, em nome dos entes públicos ora discriminados, pela prática de atos de violações de direitos dos povos indígenas, como a criação e instalação da Guarda Rural Indígena, a administração do Reformatório Krenak e a transferência compulsória dos índios para a Fazenda Guarani”.


Pau de arara

Conforme informa a revista eletrônica Consultor Jurídico, os indígenas que viviam eram levados para o Reformatório Krenak passaram também à condição de detidos, sem no entanto terem uma “pena” previamente definida a cumprir, de maneira que o tempo de permanência dependeria de uma análise da autoridade responsável pelo estabelecimento.

Reprodução/Jesco von Puttkamer

A Grin, ressalta a Conjur, “era uma espécie de milícia armada criada pela Funai e integrada por índios de etnias variadas, que faziam “ações de policiamento” junto aos próprios indígenas. “Em 1972, os detentos foram transferidos do reformatório para a Fazenda Guarani, a mais de 300 km de distância. O exílio forçado teve como objetivo liberar terras para posseiros. Há relatos de que diversos índios, contrários à transferência, foram amarrados e enviados à força”.

Segundo os Jornalistas Livres, os procuradores da República Lilian Miranda Machado e Edmundo Antônio Dias, autores da denúncia, ressaltam, na ação, que “a intervenção militar conduzida pelo acusado sobre o território dos Krenak causou a destruição sistemática do modo de vida do grupo indígena, ocasionando a desagregação social e cultural desse povo”.
O site publicou também registros da formatura da primeira turma da Grin, em 5 de fevereiro de 1970, reproduzindo trechos de reportagem da Revista O Cruzeiro, que registrou “pelo menos mil pessoas, maioria de civis, meninos, jovens e velhos” prestigiaram o evento que teve, em seus momentos finais, uma demonstração grotesca de uma das técnicas de tortura utilizadas pela ditadura militar, quando soldados da Guarda Indígena marcharam diante das autoridades carregando um homem pendurado em um pau de arara.
Gravado por muitos fotógrafos e cinegrafistas presentes no evento, as cenas foram escondidas durante décadas, sendo reveladas 42 anos depois, pelas mãos do pesquisador Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, que tornou públicas imagens feitas pelo documentarista Jesco von Puttkamer (1919-94) e por ele doadas, em 1977, ao Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

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