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Justiça determina que Estado indenize família de detento assassinado no Xuri

Sentença constata omissão do Estado na morte do interno que foi linchado por outros presos

A Vara da Fazenda Estadual em Vila Velha determinou que o Governo do Estado indenize familiares do detento que foi assassinado no Complexo Penitenciário do Xuri, em Vila Velha, em junho de 2020. A Justiça concluiu que o Estado foi omisso na proteção da integridade física do preso, que foi linchado por outros detentos que deviam a ele dinheiro da compra de mariola.

“(…) em consonância com o vasto arcabouço probatório, reconheço o ato ilícito cometido pelo requerente e o nexo de causalidade, uma vez que a não presença de agentes penitenciários aptos a evitar a ocorrência das agressões por parte de outros detentos e o consequente falecimento de Francisco Rogério Conrado caracterizam-se como omissão na proteção da integridade física do preso (…)”, diz a decisão.

A sentença assinada pelo juiz Aldary Nunes Junior, na última sexta-feira (11), determinou que o Estado pague uma indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil para os pais e para as três filhas do interno, e no valor de R$5 mil para os seis irmãos.

Além disso, uma pensão mensal por danos materiais deverá ser paga para uma das filhas do interno, que tinha 19 anos na época do assassinato. O valor mensal foi fixado em dois terços de um salário mínimo, valor que será pago correspondendo ao período entre a morte do pai até o momento que a filha completou 21 anos, o que equivale a 14 meses de pensão.

Para o advogado criminalista Antônio Fernando Moreira, responsável pelo caso, os valores das indenizações poderiam ser maiores, tendo em vista as decisões do Tribunal de Justiça em situações parecidas, com sentenças de R$ 50 mil, em média. “R$ 20 mil para pais e filhos e R$ 5 mil para irmãos é muito pouco para uma morte”, declara.

Na ação, a defesa da família pedia uma indenização de R$ 100 mil para os pais, filhos e irmãos do interno, bem como uma pensão para as filhas até que completassem 25 anos de idade. Porém, na contestação, um dos pedidos do Estado foi o estabelecimento de um valor “razoável” para a indenização, que o juiz decidiu fixar em R$ 20 mil. A defesa da família pretende recorrer.

Em relação ao pagamento da pensão às filhas por dano material, a decisão da última sexta-feira concedeu apenas à filha mais nova, que tinha 19 anos na época do assassinato. “Considerando-se a situação de baixa renda familiar, é presumível a dependência financeira entre os filhos e os pais. Todavia, deve-se ressaltar que a pensão fica limitada aos filhos dependentes, ou seja, menores de 21 anos”, explica um trecho da sentença.

‘Onda de mortes’

Apesar dos valores inferiores, o advogado lembra que essa é a primeira sentença desde o início da “onda de mortes” registradas no sistema penitenciário capixaba, após o início da pandemia. Ele acredita que a decisão pode fazer com que a responsabilidade pela proteção dos detentos ganhe uma atenção maior. “Pode ser importante para ter um ‘efeito pedagógico’ ao Estado pois, talvez, mexendo no seu bolso, têm mais um motivo para garantir a integridade física dos presos”, enfatiza.

Eliana Valadares, integrante da Frente pelo Desencarceramento do Espírito Santo (Desencarcera-ES), acredita que a Secretaria de Justiça (Sejus) precisa responder não só por esse caso, mas pelas denúncias recorrentes de mortes violentas no sistema penitenciário capixaba.

“O Estado é responsável por resguardar a integridade física e mental do apenado, pessoa privada de liberdade. Uma vez que isso acontece, de um interno perder a vida dentro do sistema carcerário, por negligência do Estado em preservar sua integridade física e mental, dando ao mesmo a segurança necessária, é como se essa vítima tivesse sido condenado à pena de morte. Ainda pior, de maneira cruel, com requinte de crueldade”, aponta.

Divulgação.

A superlotação e as mortes violentas

O detento foi assassinado no dia 25 de junho de 2020, após ser linchado por outros presos na Penitenciária Estadual de Vila Velha 5 (PEVV-V), no Complexo Penitenciário de Xuri. Segundo a defesa, o interno estava recluso no local provisoriamente, aguardando julgamento.

De acordo com a ação que pediu a indenização por danos morais, no dia da morte, o presídio possuía 1.426 internos, número muito acima das 580 vagas disponíveis, segundo dados do Conselho Penitenciário.

“O Estado, certamente, não é capaz da vigilância de quase 1.500 presos no mesmo espaço. Quase o triplo acima de sua capacidade. Quantos funcionários seriam necessários para tanto? Convenhamos, é impossível controlar 1,5 mil homens num espaço tão pequeno. Por isso, em cadeias de países desenvolvidos, o número de presos se situa entre 200 e 300”, diz a ação.

De acordo com a defesa, o interno, de 46 anos, nunca tinha sido preso e foi assassinado por outros detentos que deviam a ele dinheiro da compra de mariola. Em entrevista ao Século Diário em agosto de 2021, Antônio Fernando Moreira relatou que os problemas com a comida servida nos presídios fazem com que os detentos criem um mercado paralelo para venda de alimentos.

O cenário piorou após a pandemia da Covid-19. O advogado informou, na época, que cerca de 20 detentos perderam a vida por meio de mortes violentas dentro do sistema penitenciário durante a crise sanitária, número que ele associou à restrição de visitas, à dificuldade de inspeções dos órgãos de controle e à própria infraestrutura dos presídios capixabas, que colaboram para o aumento do número de mortes nas unidades.

As mortes violentas no sistema penitenciário capixaba também são constantemente denunciadas pela Frente Desencarcera-ES. Em fevereiro, a organização apresentou essas denúncias ao Subcomitê da Organização das Nações Unidas (ONU) de Prevenção à Tortura (SPT), relatando também a alimentação precária e a falta de diálogo com o Governo do Estado.

“A pessoa privada de liberdade está sob tutela do Estado. O mesmo é obrigado a cuidar e zelar para que tal ato não aconteça. E tem acontecido com muita frequência, cada dia de forma pior. As famílias carcerárias pedem socorro. Até quando vamos perder os nossos, por essa negligência, essa falta de cuidado, essa irresponsabilidade, essa falta de comprometimento com a vida dos internos?”, questiona. 

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