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Justiça obriga governo do Estado a corrigir distorções nos dados de leitos de UTI

Liminar atende a pedido de ação do MPF, que aponta “dados enganosos”. Prazo de cumprimento é de 48h

Amarelo Nardoto/Secom

A Justiça federal obrigou o governo a discriminar os dados referentes aos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) operacionais remanescentes (prontos para a acomodação de pacientes adultos de Covid-19, com Equipamentos de Proteção Individual, respirador, equipe médica e tudo necessário para seu efetivo funcionamento) no link https://coronavirus.es.gov.br/leitos-uti, do Portal Covid, com informações atualizadas permanentemente. O prazo para cumprimento é de 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

O Estado também deverá, no mesmo prazo, discriminar no link os leitos que não se prestam ao atendimento de pacientes adultos, a exemplo dos leitos do Hospital Infantil Francisco de Assis de Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado), de forma que não componham o cálculo da percentagem total da taxa de ocupação de “leitos UTI Covid” utilizada para composição da matriz de risco prevista na Portaria 093-R/2020.

Os pedidos do MPF foram feitos na ação civil pública (5003268-13.2020.4.02.5002) assinada pela procuradora da República em Cachoeiro de Itapemirim, Renata Maia Albani, e pelos procuradores da República Elisandra de Oliveira Olímpio, Alexandre Senra, Edmar Gomes Machado, Paulo Guaresqui, Malê de Aragão Frazão e Paulo Henrique Trazzi. A Procuradoria entende que os dados sobre a ocupação geral nos leitos de UTI para pacientes com Covid-19, do jeito que estão disponibilizados atualmente na internet pelo Estado do Espírito Santo, são enganosos.

De acordo com a decisão, a ação movida pelo MPF evidencia “que o sistema de saúde local apresenta um quadro de gravidade crescente, potencialmente passível de justificar pronta reavaliação diagnóstica da parte do Executivo e ou preparação de medidas alternativas de atendimento para o caso de evolução da curva de internações rumo a um quadro limítrofe de saturação. Sob outra vertente, também denota que a possível desatualização ou inconsistência dos dados que alimentam o portal podem estar já repercutindo negativamente na definição e monitoramento das medidas implementadas, com potenciais prejuízos graves e irreparáveis à eficácia das políticas de enfrentamento e, consequentemente, à saúde da população afetada”.

Além disso, a Justiça ressaltou que “não há dúvida de que os dados que efetivamente balizam os critérios para definição da classificação dos riscos dos municípios capixabas devem, além de públicos, se manter na medida do possível atualizados e próximos da exatidão. Isso se impõe num Estado Democrático de Direito não apenas por imperativo de transparência administrativa, mas sobretudo para viabilizar efetivo controle social e institucional e, por consequência, para legitimar – pelo viés da legalidade e da eficiência (art. 37 da CF) – a própria atuação administrativa”.

O governo do Espírito Santo criou a página https://coronavirus.es.gov.br/, em que constam, entre outros, dados sobre a ocupação de leitos, com detalhamento por região de saúde e por hospital. De acordo com o MPF, essas informações estão incorretas e pautando estratégias de saúde pública igualmente equivocadas.

A ação demonstra que houve recusa de pacientes em hospitais devido ao atingimento de 100% da capacidade operacional em leitos de UTI específicos para Covid-19 de alguns hospitais, sendo que o portal do Estado ainda indicava a existência de vagas. Um exemplo foi o caso divulgado por Século Diário em 21 de maio, no município de Guaçuí, onde foram registradas duas mortes por Covid-19 de pacientes que deixaram ser atendidas na Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim por falta de leitos de UTI.

Questionada pelo MPF, a Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim informou que chegou a atingir 100% da ocupação de leitos de UTI para pacientes com Covid-19, motivo pelo qual, em 21 de maio foram negadas vagas de UTI a oito pacientes de municípios do sul do Estado, entre eles, as duas que vieram a falecer em Guaçuí. No entanto, nesse mesmo dia, conforme dados constantes do Portal Covid, atualizados até 18h05, no link de leitos de UTI, o índice de ocupação de leitos de UTI Covid-19 no sul do Estado era de apenas 59,32%.

Outro ponto da ação refere-se aos leitos sem condições de funcionamento, por falta de EPI, ou leitos que não se prestam ao atendimento de pacientes adultos, como ocorreu com o Hospital Evangélico de Itapemirim e o Hospital Infantil Francisco de Assis de Cachoeiro de Itapemirim. Mesmo assim, esses leitos foram computados nas estatísticas publicadas pelo Estado como leitos de UTI Covid disponíveis. Excluindo-se tais leitos sem funcionamento e impossibilitados de receber pacientes adultos, em 29 de maio, ao invés dos 50,88% de ocupação de leitos de UTI noticiados pelo governo, tinha-se na realidade ocupação de 82,35%, como aponta o MPF.

Diante desses elementos, a Justiça considerou que “a inclusão dos leitos exclusivos para crianças no coeficiente geral da taxa de ocupação podem estar gerando imprecisões relevantes nos dados disponibilizados pelo ente público”. E isso implicaria “em consequências potencialmente prejudiciais à eficácia das políticas de enfrentamento adotadas”, porque influi diretamente na matriz de risco; distorce a percepção da verdadeira situação da saúde pública capixaba; e promove a falsa impressão de segurança à população em geral, o que poderia acabar incentivando que não adotem as medidas de isolamento social, confiando que, como ainda existem leitos suficientes, poderiam ser amparados pela rede de saúde no caso de eventual contaminação.

Para o MPF, o confronto dessas e de outras informações evidencia que os dados constantes do portal atualmente criam a falsa percepção de que há leitos de UTI prontos para a internação de pacientes com Covid-19 quando, em verdade, não há. “Assim, muito mais do que uma falha ou distorção, nota-se verdadeiro mascaramento da atual situação dos leitos capixabas, o que tem sido fator preponderante para a flexibilização das medidas de distanciamento social”.

Segundo a decisão judicial, “ainda que o controle das políticas em si de enfrentamento da Covid-19 devam recair prioritariamente às esferas regionais e locais, não há como negar que o Ministério Público Federal continua, em todo caso, tendo interesse e legitimidade institucional para a tutela dos serviços de saúde pública. Desse modo, impõe-se convir que a precisão e transparência dos dados balizadores da atuação das esferas locais podem, em tese, se mostrar necessários para o exercício de suas atribuições fiscalizatórias típicas nesse contexto epidêmico atual, mesmo porque a execução das medidas de enfrentamento gera repercussão direta na ocupação e operacionalização das redes públicas de saúde”

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